Declaração Política sobre os lucros da Banca em 2005 e a anunciada OPA do Grupo SONAE sobre a PT
Intervenção de Bernardino Soares
8 de Fevereiro de 2006

 

 

 

 

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Foram recentemente anunciados os lucros da Banca em 2005, aliás exibidos, despudoradamente e com arrogância, pelos principais grupos financeiros portugueses.

754 milhões de euros o BCP, um crescimento de 24%!

251 milhões de euros o BPI (o tal cujo presidente defende uma redução de 10% dos salários dos portugueses) um crescimento de 30%!

281 milhões de euros o BES, um crescimento de 85%!

Três bancos, cerca de 1 300 milhões de euros, um aumento global médio de 56% face a 2004!

É um escândalo! É obsceno!

Tudo isto quando a economia estagnou e a evolução do PIB rastejou pelas 2 ou 3 décimas. É caso para perguntar se não há aqui alguma coisa que não bate certo.

O Governador do Banco de Portugal, sempre tão preocupado com os salários dos trabalhadores, acha que não. Acha que a saúde da Banca nada tem a ver com a doença da economia nacional.

Para o Governo também está tudo bem.

O Governo que perante o cenário de baixos salários e redução dos rendimentos da generalidade dos portugueses; perante a sua própria imposição de um aumento nominal de 1,5% (isto é, uma redução dos salários reais) para os trabalhadores da Função Pública; perante as suas decisões de aumentos miseráveis do salário mínimo nacional e das pensões da generalidade dos reformados; perante a diminuição dos rendimentos dos agricultores (em 1995 em 11%, pagando à banca, em 2004, 233 milhões de euros de juros, 10% do rendimento líquido das explorações) e pescadores e as falências e dificuldades de milhares de micro, pequenas e médias empresas; perante a crescente exploração dos trabalhadores bancários que, gratuitamente, fornecem milhares de horas de trabalho extraordinário, assiste impávido e sereno e porventura com secreto contentamento, a esta cavalgada da Banca.

Para o Governo e o Banco de Portugal nada disto tem a ver com o facto de sermos o país mais desigual da União Europeia.

Não! Aqueles lucros são os resultados de ser o sector bancário «o único sector português de topo mundial», como afirmou há poucos dias o Presidente da Administração do BCP. Seria a qualidade da sua gestão, aliás remunerada por vencimentos e prebendas ao nível, e em muitos casos acima, dos Conselhos de Administração das maiores empresas da União Europeia, a razão do sucesso.

E pelos vistos não há nada a fazer: é o mercado a funcionar. Será um verdadeiro milagre.

Na verdade o que se passa não é um milagre do mercado, mas tem antes razões bem concretas.

Desde logo o elevado endividamento da generalidade dos portugueses – já vai no valor recorde de 124% do rendimento disponível das famílias.

Depois o estrangulamento financeiro de muitas empresas portuguesas do sector não financeiro, a braços com volumosos níveis de endividamento, brutais restrições de crédito e elevados serviços de dívida.

E tem certamente a ver com os brutais e especulativos custos dos serviços bancários, pelos cartões, pelas contas, pelos cheques, etc., etc., as ditas comissões bancárias, que mais uma vez subiram em todos os referidos bancos, depois de terem um crescimento acumulado de 46%, entre 1986 e 2004, representando 22,5% do Produto Bancário em 2004 face a 18,5% em 1998. O valor das comissões pagas pelos cidadãos e empresas portuguesas significa um verdadeiro «imposto» pago à Banca de 200 euros (40 contos) per capita em 2004. E em 2005, pela amostra, o «imposto» vai agravar-se.

Tem certamente a ver com as alcavalas que pesam sobre o crédito ao consumo e às empresas, que fazem multiplicar o valor relativamente baixo das taxas de juro nominais de referência, para taxas efectivas quantas vezes acima dos 20%.

Tem certamente a ver com os impostos pagos que para a Banca, contrariamente ao que acontece com os lucros, decrescem desde 1998.

A banca pagou em 2004 (em termos nominais) exactamente 50% do IRC sobre os lucros do exercício pago em 1998! (E não será em 2005 que este escândalo dentro do escândalo será corrigido!). A banca paga taxas efectivas de 12% e 13% apesar de o Presidente do BCP afirmar com desplante que “a banca paga o mesmo que as restantes empresas”.

E tem a ver ainda com os escandalosos valores dos dividendos distribuídos por algumas grandes empresas, antes públicas e agora total ou parcialmente privatizadas por sucessivos governos, como a EDP, a GALP, a PT, a Brisa, a Portucel, a CIMPOR e outras. Um cálculo feito há meses referia que os maiores bancos iam receber em 2005, 200 milhões de euros de dividendos das suas participadas portuguesas, valor que representa um crescimento de 35% face aos 146 milhões de 2004.

E evidentemente não são alheias aos lucros as degradadas condições de trabalho, remunerações e estatutos laborais dos trabalhadores bancários, com práticas terceiro mundistas nas políticas de pessoal e a liquidação de milhares de postos de trabalho nos últimos anos no sector bancário.

O que está a acontecer com a banca portuguesa é uma extorsão financeira legalizada e aprovada pelas políticas e pelas conivências de sucessivos governos e perante a indiferença do Banco de Portugal

Está à vista de todos que o poder político tem servido, e bem, os interesses deste poder económico e que não se vê do Governo qualquer intenção de alterar este escândalo.

Aliás os últimos dias abriram outra questão que vai pôr à prova a vontade ou não de o Governo defender o interesse nacional perante os interesses privados. Trata-se e a hoje anunciada contra OPA de um grupo accionista da PT.

Tais processos constituem uma tentativa de assalto do grande capital à PT e uma verdadeira OPA sobre os direitos especiais (golden shares) que o Estado português tem nessa empresa estratégica.

Seja quem for o protagonista é uma OPA sobre o interesse público e sobre o interesse nacional, numa área em que os direitos do Estado garantem a protecção da segurança, da inviolabilidade das comunicações e a Defesa Nacional e o direito do País a uma verdadeira política nacional de telecomunicações.

Mas o sucesso desta operação só existirá se o Governo quiser, pois o Estado accionista tem poderes para não deixar alterar a regra de que nenhum accionista poderá ter mais de 10% dos votos independentemente do capital detido. A SONAE já afirmou que quer ter os votos correspondentes ao capital detido, permitindo ao Estado manter uma golden share que obviamente não teria real poder de determinação das principais decisões da empresa. Seria uma golden share de pechisbeque.

Esperemos que o Governo, como se impõe, faça valer o interesse público e que não invoque a cidadania portuguesa de Belmiro de Azevedo, que no passado já provou pouco inibir as suas decisões negociais, nem se ponha à espera das pressões da Comissão Europeia em matéria de golden shares para justificar uma anuência à OPA em curso.

O Grupo Parlamentar do PCP declara a sua oposição a qualquer colaboração ou cedência do Governo que produza alterações no capital social da PT, provocando o possível desmantelamento da empresa, pondo em causa os direitos do Estado, os direitos dos trabalhadores e os interesses nacionais.

Disse.