Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre simplificação administrativa e desenvolvimento da economia
Intervenção de Jerónimo de Sousa
27 de Janeiro de 2006
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Tendo em conta que só agora me é possível, faço votos para que restabeleça rapidamente.
Parece-me que é quase inútil; de qualquer forma, gostaria de fazer este registo.
Físico, obviamente!
A sua intervenção, permita-me que o afirme, pelo tema que escolheu, parece uma intervenção desloca da no tempo, feita para outro país, para outra realidade económica e social.
Neste início do ano, julgava que viria à Assembleia da República fundamentar as razões das medidas profundamente injustas e dolorosas que o Governo tomou, tendo em conta o aumento dos preços de bens e serviços essenciais, como o pão, os transportes e os combustíveis; o «garrote», mais uma vez, nos salários dos trabalhadores da Administração Pública; a situação em que se encontra a saúde; a própria educação…
Mas não! Escolheu um tema em relação ao qual, aparentemente, até pode haver um consenso muito alargado, em termos de subscrição da bondade e das boas intenções relativamente à matéria escolhida da simplificação administrativa.
Mesmo em relação a esta matéria, poderíamos dizer que, independentemente de um juízo de valor mais aprofundado, tendo em conta depois a aplicação concreta, não foi respondida uma questão que é crucial e que continua sem resposta. Ou seja, como é que, acompanhando estas medidas, se faz a necessária reforma administrativa, nomeadamente pela via da regionalização e da descentralização de serviços, que, de facto, podem tornar mais meritórias e eficazes quaisquer medidas positivas neste sentido.
De qualquer forma, se estava não direi desiludido com o tema escolhido, fiquei mais preocupado com a resposta que deu à bancada do PSD em relação às privatizações. O Sr. Primeiro-Ministro fez-me lembrar um debate que tive com um dos candidatos à Presidência da República, precisamqual, quando se falou nas privatizações, usou a seguinte expressão: «Bom, isso das privatizações tem de ser feito com calma». E o PSD, à pressa e à gula, apresentou uma proposta, aliás, repetida no Orçamento do Estado para 2006, em que não ficaria pedra sobre pedra no sector público e nas funções sociais do Estado (portanto, nem sequer é uma proposta inovadora, reconheça-se).
Mas a sua resposta, Sr. Primeiro-Ministro, é preocupante, designadamente em relação à questão dos Transporte.
Então, o problema tem a ver com o facto de as empresas estarem endividadas? Quer dizer que, se estivessem com uma situação de equilíbrio de contas, isto significaria uma resposta positiva no sentido da privatização dos transportes, designadamente as empresas referidas pelo Sr. Deputado Marques Mendes?
Creio que isso é preocupante! É preocupante porque, mais do que a concepção, para o Sr. Primeiro-Ministro a diferença entre si e o PSD é uma questão de ritmo.
Neste sentido, Sr. Primeiro-Ministro, ficamos profundamente preocupados porque demonstrou que quer prosseguir uma linha de privatizações, embora com mais calma. É a única diferença que existe em relação à bancada do PSD.
Mas temos outras preocupações, pelo que, se me permite, gostaria de colocar-lhe duas questões que inquietam, estas, sim, inquietam, profundamente os portugueses.
Na área da saúde, mais de 30% das despesas são suportadas pelas famílias; na educação, a variação do índice de preços no consumidor foi, entre 1998 e 2004, de 42%, segundo dados do INE.
Desta forma, não são só os serviços que estão cada vez mais caros como também se vai limitando o acesso dos portugueses a esses direitos.
Com efeito, mais de 1 milhão de portugueses não tem, hoje, médico de família. Além disso, têm vindo a aumentar exponencialmente as listas de espera para a cirurgia, ao mesmo tempo que está em marcha o encerramento, por todo o País, dos serviços de atendimento permanente dos centros de saúde, merecendo, aliás, viva contestação das populações.
O mesmo se passa com a anunciada reestruturação dos hospitais em Lisboa. Por exem plo, o Plano Regional de Saúde, mandado elaborar pelos actuais responsáveis do Ministério que fizeram parte do anterior governo do PS, está a ser «trucidado» pela ordem de despejo dirigida ao Hospital do Desterro, afectando milhares de utentes do Sul do País. Só por razões economicistas, enquadradas numa estratégia privatizadora dos serviços de saúde — coisa esquecida, aliás, na proposta feita pelo Sr. Deputado Marques Mendes, mas que estava na proposta original feita aquando do Orçamento do Estado para 2006 transferindo a sua actividade para os Hospitais de S. José e dos Capuchos, os quais têm dificuldades em responder às suas responsabilidades actuais, quanto mais acolher 50 000 consultas externas a mais e mais de 2000 intervenções cirúrgicas por ano.
Também na educação, continuamos com um dos maiores índices de analfabetismo e com as mais baixas qualificações académicas e profissionais da Europa. As políticas que têm sido seguidas colocaram o País na cauda da Europa em matéria de insucesso e de abandono escolar precoce. Na grande maioria das escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico, sector fulcral do sistema de ensino, é nítida a situação de penúria de equipamentos educativos, a falta de instalações para a realização de actividades educativas específicas, bibliotecas, recreios devidamente protegidos e vigiados, refeitórios, etc.
No entanto, o Governo, em vez de promover a requalificação dos recursos escolares, vem anunciando o encerramento de centenas de escolas, sobretudo no interior, Norte e Centro, do País.
A deslocação das crianças para zonas a dezenas de quilómetros dos seus locais de residência, afastando- as do seu espaço natural e, assim, gastando horas fundamentais à sua formação, ao convívio familiar e à brincadeira, terá consequências no nível de aprendizagem e de insucesso.
Perante este quadro, pensa o Governo insistir nas suas políticas de afrontamento aos direitos sociais, agravando, assim, as condições de vida? É que não há «volta a dar», Sr. Primeiro-Ministro! Bem pode anunciar os planos, esses macro investimentos, essa perspectiva de que, amanhã, virá a «terra do leite e do mel». Enquanto não se der resposta a estes problemas fundamentais, que, esses sim, inquietam os portugueses, este Governo não terá sucesso, e Portugal continuará a «patinar» no quadro da União Europeia!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Essa expressão de maus serviços à esquerda, no actual contexto, não foi uma expressão muito feliz no que ao Sr. Primeiro-Ministro toca.
Considero que está a prestar um bom serviço à direita quando, em relação à questão das
privatizações — e não respondeu! —, afirmou claramente que não há uma divergência de concepção de política, mas, sim, uma questão de ritmo — necessidade de estudos, de reflexões…
Isto é o que se chama um bom serviço à direita e um mau serviço à esquerda.
Mas, mesmo em relação à questão da educação, isso é que é demagogia. Admito e percebo perfeitamente que, em relação a escolas com duas ou três crianças, haja necessidade de uma concentração; no entanto, a concepção do Governo na concentração é uma concepção economicista!
Não estão a pensar nas crianças, estão a pensar em termos de custos, e esse é que é o problema quer nos leva a ter divergências. Nós não queremos deixar tudo como está.
Nós defendemos a modernização e a requalificação dos espaços das escolas. Aliás, na minha intervenção tão singela, referi algumas medidas e concepções que temos, mas o Sr. Primeiro-
Ministro não respondeu a esta questão de fundo: é ou não verdade que, por exemplo, os Ministérios da Educação e da Saúde têm uma concepção economicista?! É este o problema. Eu tenho, Sr. Primeiro- Ministro, uma concepção de conformidade com o que está inscrito na Constituição da República Portuguesa, quando esta fala dos direitos à saúde e à educação como uma concepção universal e tendencialmente gratuita. É, talvez, esta a diferença que existe entre nós.
Quanto à demagogia, permita-me que faça mais esta demagogia: explique como é que está a exigir tantos sacrifícios à maioria do povo português, sempre aos mesmos, e, por exemplo, o BCP apresenta 700 milhões de euros de lucro, tal como outros bancos, que nunca ganharam tanto dinheiro como agora! Diga que é demagogia, mas desminta estes factos!