Declaração política dando conta da entrega ao Primeiro-Ministro, por parte do PCP, de mais de 120 000 assinaturas de cidadãos portugueses que estão contra o aumento da idade da reforma e insurgindo-se contra a política levada a cabo pelo Governo na área da segurança social
Intervenção de Bernardino Soares
21 de Dezembro de 2005

 

 

 

Sr. Presidente, Sr
s. Deputados:

O PCP entregou, na passada sexta-feira, ao Primeiro-Ministro mais de 120 000 assinaturas de cidadãos portugueses que dizem «não» ao aumento da idade da reforma. Tratou-se do culminar de uma campanha, iniciada há cerca de três meses, em que contactámos com muitos milhares de pessoas em empresas, mercados, escolas, trans-portes públicos, etc., as quais entenderam associar-se a esta iniciativa, demonstrando assim a sua preo-cupação com o caminho das políticas do Governo nesta matéria mas também a sua disponibilidade para lutar contra esse ataque aos seus direitos sociais e de cidadania.

Muitos perceberam já que, ao contrário do que o Governo propagandeou, os trabalhadores da Admi-nistração Pública, que sofreram uma ofensiva aos seus direitos de aposentação e foram transformados em privilegiados da sociedade pela demagogia da política de direita, são apenas, afinal, as primeiras vítimas de uma política que se destina a todos e que mais cedo ou mais tarde procurará atingir os res-tantes trabalhadores.

Alguns estarão neste momento a pensar: lá está o PCP a levantar fantasmas onde eles não existem. Enganam-se os que pensam assim. A constante pressão a que os direitos sociais têm estado sujeitos, sempre sob o argumento de que a sua restrição se destina a defender o chamado Estado social euro-peu, está aí por toda a Europa. Veja-se na Alemanha, com o governo de bloco central e política de direi-ta a avançar já no sentido do aumento da idade de reforma.

Mas não se pense que entre nós esse terreno está virgem. Basta relembrar o que dizia o programa eleitoral do PS: «É condição essencial que a idade da reforma vá acompanhando a evolução da espe-rança média de vida». Basta relembrar que ainda na semana passada, na discussão da revisão do Pro-grama de Estabilidade e Crescimento, este assunto foi abordado.

O Programa apresentado dizia, referindo-se à situação da segurança social, o seguinte: «Embora o Governo esteja já a equacionar algumas medidas para fazer face a este problema de insustentabilidade de longo prazo, ainda não estão reunidas todas as condições para a imediata prossecução de reformas estruturais mais profundas nesta área». E a verdade é que, no debate, o Governo nunca respondeu às questões colocadas sobre o aumento da idade de reforma e não explicou nem quais eram as medidas que faltavam nem que condições espera alcançar para as propor.

A questão do aumento da idade da reforma tem, por isso, a maior actualidade do ponto de vista políti-co, social e civilizacional.

Não aceitamos que o aumento da esperança de vida, ganho fundamental da evolução da humanidade, seja considerado em si como um problema e invocado sistematicamente como argu-mento para diminuição de direitos e aumento da exploração. Ao avanço da humanidade deve correspon-der a melhoria dos seus direitos e da sua qualidade de vida e não o contrário, permitindo que a riqueza produzida continue a concentrar-se nas mãos de um número cada vez menor de privilegiados.

A realidade tecnológica, laboral e económica alterou-se certamente muito nas últimas décadas, e isso deve reflectir-se na consideração de soluções para os problemas da segurança social. Mas, pela nossa parte, não aceitamos o ponto de partida do Governo nesta matéria. O Governo olha para um sistema de segurança social alicerçado num sistema de contribuições que tem meio século na Europa e só conse-gue descortinar formas de o corrigir no corte das despesas e nunca na diversificação das receitas.

É como se estivéssemos perante uma linha férrea com um comboio puxado por uma locomotiva a vapor, em que o Governo, para arcar com as carruagens, que vão sendo mais, tivesse como solução, em vez de modernizar a locomotiva, deixar para trás algumas carruagens, que são neste caso, sempre, as dos trabalhadores, as dos mais desfavorecidos e as dos reformados, que têm direito a uma pensão e à idade de reforma no tempo justo.

Assim faz o Governo com o sistema de segurança social. Em vez de procurar soluções que respon-dam ao facto de, hoje, a criação de riqueza pelas empresas já não se poder medir apenas pelo número de trabalhadores, porque está o trabalho intensivo progressivamente a dar lugar ao capital e conheci-mento intensivo, prefere, antes, manter o mesmo paradigma e cortar nos direitos.

Diz-se por aí que estas gravosas medidas, como o aumento da idade de reforma, são inevitáveis por-que a relação entre trabalhadores no activo e pensionistas se está a inverter, mas nunca se diz que cada trabalhador produz hoje muito mais riqueza do que antes.

Por isso se justifica a consideração do valor acrescentado bruto como critério em rela-ção às contribuições, como, aliás, temos vindo a propor desde Junho de 2002.

Por isso se justifica que se considerem outras formas de financiamento, como a taxação de rendimentos que hoje beneficiam de isenções fiscais ou de regimes muito favoráveis, designadamen-te na actividade bolsista e especulativa.

Diz-se que há um défice entre as contribuições e os encargos da segurança social, mas nunca se diz que a principal causa dessa situação é a crise económica em que a política de sucessivos governos nos deixou.

Diz-se que o peso das pensões é muito elevado, mas afinal omite-se que, sendo certamente significa-tivo o seu peso, as despesas com pensões de velhice, correspondentes às contribuições dos trabalhado-res, são pouco mais de 50% da despesa total.

Fala-se em inevitável decréscimo da natalidade, sem cuidar de explicar que isso é consequência da ausência de verdadeiras políticas de apoio à mesma.

E quando o Governo sistematicamente fala em falta de receitas esquece-se de dizer que, sendo só a dívida declarada de 3400 milhões de euros, apenas se propõe recuperar, em 2006, 7% da mesma, ou seja, 250 milhões de euros. E esquece-se, ainda, o Governo de dizer que o Estado continua a dever elevados montantes ao sistema de segurança social por ter utilizado de forma indevida esses dinheiros para o subsistema de solidariedade, designadamente no tempo dos governos de Cavaco Silva, montan-tes que a preços de hoje estarão na ordem dos 6870 milhões de euros, isto é, mais do que dispõe agora o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

Afinal de contas, o que é velho neste debate e precisa de ser reformado é esta política de direita que olha para os direitos e só vê privilégios, que olha para os avanços civilizacionais e só vê encargos orça-mentais, mas que nunca consegue enxergar soluções que não sejam as de penalizar os do costume.

Se o Governo do Partido Socialista teimar em avançar com o aumento da idade de reforma, com esta política, terá certamente pela frente cada vez mais trabalhadores portugueses, cada vez mais homens e mulheres que, como os mais de 120 000 que subscreveram esta campanha do PCP, não se resignarão e lutarão contra os retrocessos sociais e civilizacionais que se preparam.