Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre formação e qualificação dos portugueses
Intervenção de Jerónimo de Sousa
 21 de Setembro de 2005

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

 

Creio que começamos a per-ceber o que V. Ex.ª e este Governo pretendem destes debates mensais, ou seja, o Sr. Primeiro-Ministro escolhe um tema, rigidifica em torno dele, não admite que as oposições o questionem sobre os grandes problemas nacionais — mal ou bem, mas segundo o ponto de vista de cada grupo parlamentar — e depois, na parte final, vem dizer: «Estou a ver que não quiseram discutir o tema que aqui trouxe»

Não é um bom caminho para estes debates mensais. Após um período de férias, com o País a ser varrido pela tragédia dos incêndios, com o agravamento da situação de seca, com o desemprego a aumentar, com a economia a estagnar, num quadro em que as más notícias são sempre para os trabalhadores, para os reformados, para os micro, pequenos e médios empre-sários e agricultores, e em que as boas notícias são sempre para os senhores do dinheiro e para os eco-nomicamente poderosos, o Sr. Primeiro-Ministro passa ao lado e quer, tão-só, discutir essa questão impor-tante da formação e da qualificação dos portugueses.

A nossa opinião é esta: desça à terra, Sr. Primeiro-Ministro! Inquiete-se com as inquietações de Portugal e dos portugueses! A situação que hoje vivemos não permite que o Governo da República «trabalhe à peça». O que V. Ex.ª está a fazer é a escamotear o quadro de fundo, os sentimentos prevalecentes e as inquietações que os portugueses hoje sentem através da tentativa de condicionar o debate a uma só questão — importante, reconheça-se.

O Sr. Primeiro-Ministro quis discutir a formação e a qualificação profissional e eu admirei-me que o próprio PSD não se tivesse lembrado de que, quando tomou posse, logo nos primeiros meses, o Dr. Durão Barroso veio a esta Assembleia precisamente discutir um programa de formação e qualificação.

E resultou em quê?… Independentemente do mérito que a sua declaração de intenções possa ter, a verdade é que, quer quei-ra quer não, será perante o Orçamento e perante as verbas atribuídas que, com certeza, veremos da pos-sibilidade e da bondade das medidas que aqui anunciou.

O Sr. Primeiro-Ministro veio discutir a questão da formação e da qualificação dos portugueses no preciso momento em que o Instituto do Emprego e Formação Profissional nos revela (no relatório de Agosto) que, todos os dias, em Portugal, se perdem 144 postos de trabalho, muitos deles — já agora, sublinho — envol-vendo trabalhadores altamente qualificados. Ou seja, técnicos qualificados também estão a conhecer o desemprego.

Trata-se de um aumento superior a 1% da taxa de desemprego num mês, como é o de Agosto, em que é costume (por razões de trabalho sazonal) que se registe uma diminuição da taxa em termos anuais. Quase cerca de 150 trabalhadores perdem o seu posto de trabalho por dia e a promessa, que já aqui foi lembrada, de combate ao desemprego não conhece qualquer melhoria.

Na realidade, o que se verifica é um aumento do desemprego — e o Sr. Primeiro-Ministro pareceu-me satisfeito com o facto de a taxa de desemprego se situar ainda nos 7,2% — e as perspectivas vão no sentido do seu agravamento, não só porque não há sinais de recuperação da economia como também porque o Governo abdica, no caso con-creto, dos têxteis e da defesa dos interesses nacionais, como se verificou recentemente.

É grave que o Governo nada faça para defender a indústria nacional, como aconteceu no caso do acor-do celebrado entre a União Europeia e a China — refiro-me a cerca de 80 milhões de peças têxteis que estavam bloqueadas nas alfândegas por terem excedido a quota do acordo de 10 de Julho passado.

Ninguém pode compreender a aprovação pelo Governo português da decisão da entrada de milhões de artigos do sector têxtil e vestuário no mercado europeu sem sequer obter novas garantias. Que papel teve o Governo português nesta situação e neste desfecho? Permeável aos interesses dos grandes importadores e distribuidores, a Comissão Europeia, com a resignada aceitação do Governo português, não só não age, para inviabilizar a utilização das chamadas «cláusulas de salvaguarda» em defesa da nossa indústria, como legitima significativos aumentos das importações.

O desemprego já é elevado nas zonas de implantação da indústria têxtil, e vai aumentar. A nossa inquie-tação é esta: o desemprego e as dificuldades do comércio e das pequenas e médias empresas — ainda ontem ouvimos isso mesmo em Braga e em Viana do Castelo, distritos onde os senhores conseguiram uma maioria absoluta. Sr. Primeiro-Ministro, desça à terra e vá lá ouvir! De facto, muitos homens e mulheres que deram um capital de esperança e de confiança a este Governo estão hoje incrédulos, descontentes e desanimados.

Creia que é uma responsabilidade que, ao fim de seis meses, os senhores tenham desba-ratado esse capital de esperança e de confiança que os portugueses lhe atribuíram em Fevereiro passado.

O Sr. Primeiro-Ministro falou do futuro e o futuro próximo é saber que Orçamento vamos ter. Nesse sen-tido, era importante que explicasse à Assembleia da República que política salarial vai ter para a Adminis-tração Pública e qual vai ser o nível do investimento público. Designadamente: vai continuar o corte no investimento, com todas as consequências que tal acarreta para a estagnação da nossa economia?

Que medidas concretas vai tomar para combater o desemprego? O que vai fazer quanto às privatizações, Sr. Primeiro-Ministro: vai continuar a política da direita? E vai o Governo garantir as verbas necessárias para as prestações sociais, sobretudo na situação social em que nos encontramos e no cumprimento a Lei de Bases da Segurança Social?

Ninguém acredita que, neste momento, o Governo não tenha definido já as linhas fundamentais do Orçamento nesta e noutras matérias. Deve, por isso, comunicá-las ao País, não deve esperar para depois das eleições autárquicas, para o bem e para o mal. Essa, sim, seria a atitude coerente e necessária.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Volto a colocar a questão que formulei no início. O problema não está em discutir as questões da formação e da qualificação mas, sim, no facto de o Sr. Primeiro-Ministro só querer discutir os problemas da qualificação e da formação.

Como, infelizmente — para nós e para o nosso povo —, o «inferno está cheio de boas declarações», temos razões fundas para reclamar que se concretizem esses programas e essas intenções. Num quadro — que o Sr. Primeiro-Ministro subestima — de aumento das falências e de deslocalização das empresas; num quadro de ruína das nossas pescas e da nossa agricultura, sector tradicional da vida económica portuguesa para o qual nunca teve uma palavra, o Sr. Primeiro-Ministro vem dizer aqui que nós é que estamos enganados.

Não! Sei que o senhor ganhou as eleições, que o Partido Socialista ganhou as eleições, mas não se descui-de… Houve outros governos com maiorias mais confortáveis que, por subestimarem o sentimento hoje latente e transversal na sociedade portuguesa, acabaram, mais tarde ou mais cedo, por ser derrotados.

Entenda isto como um alerta, ou como um aviso, se quiser. Quando os senhores dizem que vão baixar o preço dos medicamentos e ouvimos um reformado sair da farmácia a dizer que o dinheiro não chegou para comprar o medicamento idêntico ao que tinha comprado no mês passado, então os senhores estão a enganar, estão a rebentar com essa confiança e com essa esperança que muitos portugueses lhes atribuíram, em Fevereiro deste ano.