Sobre o impulso reformista do Governo e as principais medidas tomadas nesse sentido desde que entrou em funções
Intervenção de Bernardino Soares
28 de Julho de 2005
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,
Quando o Sr. Ministro anunciou ontem que viria falar sobre o reformismo do Governo, logo pressentimos
que o que vinha fazer era uma intervenção justificativa da submissão deste Governo às orientações
mais neoliberais, do liberalismo económico, que têm pautado a actuação do Governo nos últimos quatro
meses.
É verdade — justiça lhe seja feita — que o Partido Socialista e o Governo já se vão coibindo de utilizar a
expressão «esquerda»,
já vão esquecendo, mesmo no discurso, a afirmação, tão peremptória na campanha eleitoral e no início
do mandato deste Governo, de que eram um Governo e um partido que defendiam uma política de esquerda.
E fazem bem!
A afirmação de uma política de esquerda na vossa propaganda e campanha eleitoral, afinal, veio traduzir-se numa prática de continuação das políticas de direita, como vemos em vários exemplos.
Se olharmos para o problema grave do desemprego, agora também acrescido dos salários
em atraso, que só no primeiro semestre do ano totalizam já 3 milhões de euros, o que vemos?
Um Governo preocupado com o combate ao desemprego e com a dinamização da criação de novos
postos de trabalho? Não! Parece que o Governo está preocupado, sim, em mexer no subsídio de
desemprego para limitar o acesso a ele, conforme notícias que vão surgindo, repetidamente, nessa matéria.
Perante a situação de enorme fragilidade em que o Código do Trabalho colocou os trabalhadores
portugueses, especialmente em relação à questão da contratação colectiva, com a iminente caducidade
de alguns contratos colectivos de trabalho, o que vemos da parte do Governo do Partido Socialista?
O cumprimento da sua promessa de manter as propostas que apresentou aquando do debate do Código do
Trabalho nesta Assembleia? Não! O que vemos é a cedência perante os interesses do grande patronato,
pondo em causa estes contratos colectivos de trabalho, alguns muito importantes e que continuam a estar
ameaçados.
Quanto às privatizações, o que vemos? Não há melhor exemplo de continuidade política. Aí está o«novo velho» programa de privatizações,
com a continuação da privatização de empresas fundamentais para a intervenção
estratégica do Estado na economia e na sociedade. Não se trata apenas de saber onde está o sector
privado e onde está o sector público; trata-se, sim, da opção entre ter algum instrumento para intervir em
sectores fundamentais da economia e da sociedade e abdicar de todo e qualquer instrumento para que o
Estado e o Governo possam ter um papel interventivo e activo na definição das principais orientações
políticas.
Finalmente, o que vemos em relação à matéria do sistema fiscal? Parece que a orientação
do novo Ministro das Finanças, segundo a imprensa, é a de que é preciso uma alteração, na fiscalidade,
mais amigável para o mercado de capitais,
que, «pobrezinho», tem tido poucos incentivos nestes últimos anos!
Este é, pois, o calendário reformista do Governo.
Atrever-me-ia a dizer, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que os senhores nem reformistas são.
Quanto muito, têm uma acção transformista: transformaram um discurso de esquerda numa política que
continua a política de direita.