Declaração política tecendo considerações sobre a demissão do ex-Ministro de Estado e das Finanças, sobre a ausência do Sr. Primeiro-Ministro na presente reunião plenária e condenando a política económica do Governo
Intervenção de Bernardino Soares
28 de Julho de 2005

 

 

 

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

A demissão do ministro Campos e Cunha abalou sem dúvida o Governo e a maioria do PS. Por muito célere que tenha sido a substituição – a fazer suspeitar que há muito estava preparada –, por muito que o Primeiro-Ministro reafirme que muda o ministro mas a política continua (do que infelizmente não duvidamos), não pode ser considerado normal que um ministro das finanças de um Governo com maioria absoluta na Assembleia se demita quatro meses depois de ter tomado posse.
Só esse facto já justificava que a proposta do PCP para que o Sr. Primeiro-Ministro estivesse aqui, hoje, no período de antes da ordem do dia, para explicar as causas e as consequências da demissão do ministro, tivesse sido aceite.

É certo que algumas das razões que poderão ter conduzido mais directamente à saída terão estado no interior do próprio Conselho de Ministros e nas divergências aí eventualmente existentes. Mas que ninguémse iluda, porque o já profundo desgaste social a que o Governo está sujeito em virtude das suas políticas faz com que esta demissão e a apressada substituição sejam uma derrota deste Governo e da sua política.

Mas começamos já a conhecer algumas das intenções e preocupações do novo Ministro de Estado e das Finanças. Ficámos ontem a saber, pela imprensa, que o novo Ministro de Estado das Finanças está a pensar avançar com um plano de dinamização da bolsa. Ora aí está! O país enfrenta o constante crescimento do desemprego, mas o Ministro de Estado e das Finanças tem como prioridade a dinamização da bolsa; o país atravessa uma profunda crise económica, mas o Ministro de Estado e das Finanças tem como prioridade dinamizar a bolsa; o país encontra-se numa situação de absoluta depauperação da sua capacidade produtiva, com consequências profundas na soberania económica nacional, mas o Ministro das Finanças tem como prioridade a dinamização da bolsa.

E, quando se procura perceber em que consistem as medidas de dinamização da bolsa, ao que parece, elas assentam, por um lado, numa fiscalidade mais amigável para o sector financeiro e, por outro, no programa de privatizações.

Quanto à fiscalidade, por incrível que pareça, fala-se em retirar às sociedades gestoras de fundos de investimento a obrigação de pagarem impostos sobre as mais-valias obtidas, fala-se na isenção das maisvalias obtidas nas transferências entre produtos de investimento e ainda na reposição dos benefícios aos PPR e PPA. Parece que os mercados de capitais se queixam — pobrezinhos!… — de que, desde a revogação da tributação das mais-valias, não têm tido estímulos suficientes.

Quanto às privatizações, começa a estar à vista o programa que o anterior Ministro das Finanças nunca quis desvendar, apesar de repetidamente questionado pelo PCP nesta Assembleia. Elas aí estão: Portucel, EDP, REN, Galp, Águas de Portugal, ANA, TAP, a que certamente se juntarão sectores sociais e da Administração
Pública, como se vê pelos novos hospitais, e o que mais se há-de ver.

Esta é, de facto, a política que interessa aos mercados de capitais e aos grandes grupos económicos e financeiros. Mas é também a política de destruição final da capacidade de o Estado influenciar sectores estratégicos da economia e da sociedade, em muitos dos quais se prestam serviços públicos essenciais às populações.

A concretizar-se esta proposta, aliás, previsível, face aos encaixes financeiros previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento, estaremos a assistir ao desbarato dos instrumentos de intervenção em sectores fundamentais como o energético, o das águas ou o dos transportes aéreos, transformando o Estado e o Governo em meros resíduos ornamentais submetidos aos interesses privados dominantes.

Escusam de repetir a velha cassete da necessidade de emagrecer o Estado e escusam de nos acusar de uma visão estatizante da economia. Não se trata de querer pôr o Estado no lugar do sector privado; trata-se aqui, na política do Governo, de pôr o sector privado no lugar e no papel que deveria caber ao Estado.

Este programa de privatizações lesa o interesse colectivo nacional e não pode deixar de ter a firme oposição de todos os que, como nós, rejeitam a cavalgada neoliberal de destruição do sector público.

Entretanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as desigualdades aumentam. De um lado, temos o aumento do desemprego, atingindo, designadamente, em 20%, os jovens até aos 24 anos, e a crescente precariedade. Mas temos ainda o congelamento e a diminuição real dos salários.

Aliás, o custo nominal da mão-de-obra portuguesa aumentou apenas 1,9%, um valor inferior à inflação, contrariando as teorias, incluindo as do Banco de Portugal e do seu Governador, que teimam em atribuir aos salários a responsabilidade pela crise e pela falta de competitividade da nossa economia. O número de trabalhadores que recebem o salário mínimo nacional aumentou 50% em ano e meio, e era já, segundo dados do Ministério do Trabalho, de 220 000 em Abril de 2004, ou seja, 5,8% dos trabalhadores por conta de outrem e 8,1%, no caso das mulheres. Se o ritmo se tiver mantido, estaremos já próximos dos 300 000 trabalhadores nesta situação.

No primeiro semestre de 2005, também segundo dados do Ministério do Trabalho, há já 3 milhões de euros de salários em atraso — regressa o flagelo dos salários em atraso! —, para além de 1 milhão de euros de dívidas à segurança social.

Perante este cenário, mais escandaloso se torna o voto contra do Partido Socialista em relação ao projecto do PCP de aumento intercalar do salário mínimo, à revelia, aliás, do que tinha feito meses antes, perante iniciativa semelhante, no tempo da maioria de direita.

Enquanto isso, a banca e os grandes grupos económicos estão bem de saúde e recomendam- se. O BCP e o BPI aumentaram em mais de 20% os seus lucros no primeiro semestre; a Brisa aumentou 10%, apesar da diminuição do tráfego; a EDP aumentou 16%, etc., etc., etc.Chegados ao fim deste período político, com quatro meses de Governo PS, o que se pode dizer é que, hoje, para muitos portugueses, a expectativa que tiveram numa mudança de política, e que expressaram
com o seu voto em 20 de Fevereiro, está frustrada.

Os portugueses, dia após dia, vão constatando que, na maior parte das questões fundamentais, em vez de ruptura com as políticas anteriores há continuidade de políticas; em vez do abandono, o que temos é a manutenção da obsessão do défice; em vez da alteração profunda do Código do Trabalho, temos a cedência aos interesses do grande patronato e a manutenção de gravosas normas contra os trabalhadores; em vez da melhoria dos serviços e da Administração Pública, o que temos é a sua destruição e a transformação dos seus trabalhadores em bodes expiatórios da crise, ao velho estilo de Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite; em vez de correcção da injustiça fiscal, o que temos é a manutenção e o provável aumento dos privilégios fiscais dos grandes grupos económicos; em vez de medidas para sair da profunda crise económica em que o País se encontra, o que temos é o agravamento dessa crise; em vez do combate ao desemprego, o que temos é o avolumar de despedimentos, falências e encerramentos de empresas, em que o Verão, infelizmente, será provavelmente fértil, perante a passividade absoluta do Governo.

Não foi apenas para expulsar a maioria de direita que os portugueses votaram, na sua maioria, na maioria dos seus votos, nas últimas eleições, foi também para exigir uma mudança de política.

Afinal, mudou a maioria mas não mudou a política.