Debate sobre o Estado da Nação
Intervenção de Jerónimo de
Sousa
7 de Julho de 2005
Senhor Presidente,
Senhor Primeiro Ministro,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados,
Diz um inquérito da Comissão Europeia sobre o clima económico
em Portugal que a opinião dos consumidores, da indústria, comércio,
construção e serviços teve uma forte queda negativa em
Julho, com o agravamento do pessimismo, reflectindo as consequências das
medidas restritivas e recessivas, designadamente com o aumento dos impostos
e o novo discurso de obsessão do défice, um sucedâneo da
“tanga” de Durão Barroso. Bem se podia ter poupado os custos
de um estudo, bastando sentir o pulso dos sentimentos prevalecentes na sociedade
portuguesa e a realidade social que vivemos.
Em vez de se privilegiar o crescimento económico e o fortalecimento do
aparelho produtivo como meio de combater o défice, o combate ao défice
passou a comandar toda a política económica, entravando o crescimento,
numa concepção redutora, orçamentista e monetarista.
Do Programa de Estabilidade e Crescimento ao Orçamento Rectificativo
aprovados pela maioria, trespassa uma clara opção de deixar cair
o investimento, em nome do estrito cumprimento das metas de défice orçamental,
confirmando e projectando a continuação do já longo caminho
que desde 2000 nos afasta e nos leva a divergir com a União Europeia.
Por esta via, não haverá venda de ilusões, nem anúncios
de miríficos investimentos que alterem a realidade: a realidade da estagnação
económica, do desemprego e da concentração da riqueza.
Corremos o risco de chegar ao fim deste ciclo político – tal como
aconteceu com Durão e Santana em que também foram pedidos sacrifícios
para salvar o País – numa situação ainda mais frágil
do que a que temos hoje.
Os portugueses acreditaram e alimentaram que com o novo Governo e a nova maioria
o prometido relançamento da economia e do crescimento económico
assumissem uma outra prioridade e centralidade na acção e nas
políticas governativas que restabelecessem a confiança no futuro.
Hoje, essa esperança esfuma-se a cada dia que passa. Como se esfuma o
cumprimento das promessas eleitorais.
Os portugueses começam a compreender que a aplicação das
mesmas terapias do passado só podem dar nos mesmos resultados no presente
e no futuro.
Todos afirmamos - e parece que reconhecemos - que o défice é uma
dor reflexa do nosso fraco crescimento e de uma crise estrutural que atinge
a nossa economia. Todos os factos evidenciam que são a fragilidade do
tecido produtivo nacional, a sua incapacidade para responder à procura
do mercado interno e competir nos mercados externos o grande e grave problema
do País.
Mas, não se vê uma estratégia de ataque a este problema
central. O Governo resolveu dar a primazia do combate ao défice e atacá-lo
pelo pior lado: o lado que agrava as condições de vida dos portugueses,
a injustiça fiscal e potencia os factores recessivos da economia.
Entretanto, paradoxalmente, ao mesmo tempo que aprova medidas orçamentais
restritivas, com cortes no investimento de capital, aumento das cativações
no Orçamento Rectificativo e reafirma a sua fidelidade ao processo e
às metas do PEC de consolidação das finanças públicas,
o Governo vem anunciar um pacote de investimento de infraestruturas, um Programa
no qual junta num único bolo o investimento previsto para quatro anos
de 25 mil milhões de euros dos quais 8 milhões do Estado que tem
muito de operação de marketing para fazer esquecer as gravosas
medidas que decretou contra os portugueses que vivem do seu trabalho e lançar
uma “ cortina de fumo” sobre os reais propósitos de contenção,
expressos no Programa de Estabilidade e Crescimento.
Do que até agora conhecemos, sendo pouco, é o suficiente para
sabermos que não se trata de um investimento suplementar ou de um reforço,
mas apenas de uma parte do investimento que todos os anos são disponibilizados
pelo Estado muito aquém da sua normal capacidade de mobilização,
com agravante de estar sujeito a um quadro comunitário de apoio incerto
e de revelar uma grande falta de rigor e sustentabilidade na sua articulação
com o investimento privado e da iniciativa do qual fica o Programa dependente.
Programa que deixa muitas reservas acerca do seu real contributo para ultrapassar
o central e decisivo problema que é o da dinamização da
estrutura produtiva nacional, em particular da nossa indústria. Um Programa
que na sua concretização apela mais à mobilização
de um forte componente de produtos importados que a um esforço da iniciativa
e produção nacionais. Um Programa que pouco contribuirá
para dar resposta à difícil situação que atravessa
a nossa indústria transformadora com os graves problemas do sector têxtil
e do vestuário, da metalurgia, da cristalaria e da cerâmica, da
cabelagem e de outros subsectores eléctricos e da electrónica.
Problemas que se somam às crises profunda da agricultura e das pescas
nacionais aos quais não se dá resposta.
Programa que, prosseguindo o caminho privatizador assumido no Orçamento
Rectificativo, é concebido na dependência do capital privado, da
concretização de parcerias público-privadas que mais não
são, que um escancarar de portas à transformação
das áreas de serviço público em negócio privado
e que se traduzirá no futuro numa enorme factura que os portugueses terão
de pagar dolorosamente.
Este pacote e infraestruturas que se apresenta por atacado para impressionar
os portugueses desiludidos é o mesmo pacote de 30 mil milhões
de euros que o Ministério da Economia vinha anunciando desde princípios
de Maio, juntamente com o PIN, os tais projectos de Potencial Interesse Nacional
que depois da sua divulgação na operação “Governo
Presente” no Distrito de Braga, há dois meses, parecem ter regressado
ao congelador.
Destino idêntico que parece ter sido a “task-force” de apoio
para salvar as empresas em dificuldade, o tal projecto AGIIRE, que desde essa
data ciclicamente se vêm anunciando criar como se fosse novidade ou coisa
nova.
Infelizmente a única diferença é a de que nestes dois meses
que nos separaram desde esse célebre Conselho de Ministros no Distrito
de Braga que lançou a chamada nova base da política económica,
este Distrito viu aumentar assustadoramente o desemprego que atinge agora 15%
da população activa e está a braços com a dramática
situação dos 800 trabalhadores da LEAR com a deslocalização
da empresa para a Roménia, mas também de outras empresas como
a VISHAY de Famalicão para a Índia, ou do conjunto das empresas
subcontratadas pela Benetton na zona do Basto envolvendo 700 trabalhadores.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
O País que trabalha está mais pobre. Desde 2001 que paulatinamente
perde poder de compra que se estima numa quebra de 15%, com as famílias
a ganharem menos, a pagarem mais impostos e terem menos benefícios sociais.
Situação em nítido agravamento com as recentes medidas
do actual Governo do PS. Só o aumento do IVA que este mês entrou
em vigor, conjugado com a defendida contenção salarial significará
um novo passo no agravamento dessa tendência de empobrecimento das famílias
portuguesas, particularmente das famílias dos trabalhadores e reformados.
Não é difícil prever o que aí vem em resultado do
aumento dos combustíveis, dos transportes, das rendas de casa - que agora
também o Governo anuncia - e de toda uma gama de produtos e bens, ao
mesmo tempo que se promovem activas políticas de depreciação
dos salários e dos rendimentos de trabalho.
Realidade que contrasta com o crescimento desmedido e escandaloso dos lucros
dos grandes grupos económicos e da banca que, ano após ano, à
sombra da crise, arrecadam milhões e milhões de euros que alimentam
um crescente processo de acumulação e concentração
de capitais. Proveitos que, como objectivamente se constata pelo baixo crescimento
económico português, não são reinvestidos no relançamento
da economia portuguesa, nem tão pouco na criação de mais
emprego. Estes são os grandes usufrutuários de um sistema e de
uma política que apenas serve e engorda um capital improdutivo e predador
que vive à custa de um tecido económico cada vez mais fragilizado
de micro, pequenas e médias empresas, que sacou do Estado o melhor do
seu património público empresarial e quer mais e mais do que resta!
Esta é que é a grande contradição que atravessa
a sociedade portuguesa e não aquela que uma vergonhosa campanha que o
Governo também alimenta e que quer contrapor o País aos trabalhadores
da Administração Pública, às forças de segurança
e aos militares, uma campanha que é alimentada por um conjunto de falsidades
no que diz respeito aos seus salários, direitos e as reformas e de enviesadas
e abusivas comparações com a realidade do sector privado. O que
se quer nivelar, puxar para baixo, retroceder !
Diz o Governo que as medidas que estão a tomar para salvar o Estado Social.
Mas como quer que se acredite, sendo o nosso Estado Social, menos protector
e menos eficaz que os seus congéneres europeus, o caminho escolhido seja
o da retirada e diminuição de direitos, em vez do seu reforço?
Quem pode acreditar, sinceramente, que seja para salvar o Estado Social, que
o Governo resiste à suspensão das disposições do
Código de Trabalho respeitantes à caducidade e sobrevigência
das Convenções Colectivas de Trabalho? Admitindo como tal posição
a eliminação de importantes direitos dos trabalhadores de diversos
sectores de actividade e a diminuição das suas remunerações.
O Estado Social não se salva desregulamentando as relações
laborais, precarizando o emprego e fragilizando os direitos de quem trabalha.
Senhor Presidente,
Senhor Primeiro Ministro,
Senhores Membros do Governo,
Senhoras e Senhores Deputados,
Veio aqui falar de futuro! Acha que o discurso da confiança no amanhã,
constitui a alavanca fundamental para mobilizar os portugueses na senda do crescimento
e do desenvolvimento do País.
É importante retomar a esperança, a confiança e nós
acrescentamos: a luta dos trabalhadores e das populações não
permitindo que os poderosos e os senhores do dinheiro tenham da democracia a
concepção que “nós podemos dizer o que quisermos
enquanto eles poderem fazer o que quiserem” luta, protesto e descontentamento
o que deveria levar o Governo a reflectir e não a hostilizar as causas
que hoje mobilizam tantos sectores e camadas sociais.
O carácter apelativo e de confiança feito pelo Governo é
uma arma de dois gumes. Outros Governos anteriores fizeram esse apelo aplicando
depois medidas e políticas de retrocesso comprometendo o futuro do País,
provocando desencantos e frustração, plageando alguém,
nunca nestes tempos que vivemos o amanhã foi tão transformado
numa palavra tão vã. A vida dirá se temos ou não
razão. Mas, mais do que isso, não regatearemos nenhum combate
por uma outra política que rompa com o passado e prossiga a construção
de um País, de uma Nação de progresso e justiça
social, soberana e democrática.
Disse,