Debate sobre o Estado da Nação
Intervenção de António Filipe
7 de Julho de 2005

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Vou retomar um tema da sua intervenção que é, precisamente, o dos privilégios. Vamos, então, falar de privilégios.

Uma das suas «cruzadas» tem sido, alegadamente, a do combate aos privilégios na Administração Pública. Com esse pretexto o Governo tem vindo a atacar os trabalhadores da função pública, como se fossem eles os privilegiados neste país, e está a pôr em causa o seu direito à progressão na carreira, o seu direito à aposentação, os seus subsistemas de saúde e outros direitos adquiridos.

No entanto, para poder dizer que, desta vez, os sacrifícios são para todos, o Governo propõe-se eliminar alguns privilégios de titulares de cargos políticos. Quanto a isso, estamos inteiramente de acordo, pensamos mesmo que o Governo poderia ir mais longe, aliás, conforme a proposta que nós próprios submetemos à discussão desta Assembleia.

Só que as propostas até agora apresentadas pelo Governo nesse domínio não tocam nos privilégios mais escandalosos que existem em Portugal, na Administração Pública e em entidades empresariais do sector público ou sob nomeação pública.

O Sr. Primeiro-Ministro não ignora, seguramente, que tais privilégios não são os salários auferidos pela generalidade dos trabalhadores dos vários sectores da Administração Pública, sabe muito bem que os privilégios escandalosos são os salários e as mordomias de uma elite de gestores nomeados pelo Estado para diversas entidades.

Se o Sr. Primeiro-Ministro quer, de facto, combater os privilégios, então, convidamo-lo a aprovar um conjunto de medidas, designadamente, acabar com os regimes especiais de aposentação e reforma que alguns administradores nomeados pelo Estado decidem para si próprios, com principescos regimes de pensões ou de indemnizações para o dia em que abandonem os respectivos cargos, ao fim de uns poucos anos de exercício. Se quer exemplos, todos os conhecemos: estamos a falar, por exemplo, do Banco de Portugal ou da Caixa Geral de Depósitos. Se o Governo quer acabar com estes privilégios, então, aprove o projecto de lei que o PCP apresentou sobre esta matéria.

Se o Governo quiser combater privilégios, acabe com as acumulações de vencimentos pelo exercício de vários cargos públicos e de reformas ou pensões resultantes de descontos obrigatórios. Eis mais um domínio em que o Governo poderia eliminar privilégios se aprovasse as nossas propostas.

Mas ainda lhe digo mais, Sr. Primeiro-Ministro: se o Governo quer mesmo acabar com privilégios injustificados, então, que aceite introduzir alguma moralidade nos vencimentos de titulares de cargos públicos.

O Sr. Primeiro-Ministro sabe que os vencimentos dos titulares de cargos políticos estão indexados ao vencimento do Presidente da República. Sabe, por exemplo, que o senhor próprio, nos termos da lei, aufere 90% do vencimento do Presidente da República.

Ora, todos temos consciência de que o cargo de Primeiro-Ministro é da mais elevada responsabilidade.

Se assim é, como se compreende que exista uma legião de cargos públicos em que se recebe muito mais do que o Primeiro-Ministro?

Como é que se entende? Tais cargos têm, porventura, uma dignidade maior do que o cargo de Primeiro-Ministro ou de Presidente da República? Assumem responsabilidades mais elevadas do que o Primeiro-Ministro ou o Presidente da República?

Como é que se pode admitir que haja pessoas que recusem assumir responsabilidades governativas para as quais são convidados na expectativa de, depois, serem nomeados pelo próprio Estado para assumir cargos públicos com vencimentos muito mais elevados do que os do próprio Primeiro- Ministro ou do Presidente da República? Como é que se pode admitir isto?

Sendo assim, Sr. Primeiro-Ministro, quero anunciar-lhe que, hoje mesmo, vamos apresentar na Mesa da Assembleia da República um projecto de lei com o objectivo de que nenhum titular de cargo público ou de nomeação pública em empresas participadas pelo Estado possa auferir um vencimento superior a 90% do do Presidente da República.

Se o Governo e a maioria que o apoia recusarem esta proposta, não venham, depois, dizer-nos que «os sacrifícios são para todos» porque ficamos a saber que, evidentemente, não são!