Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre a situação
orçamental do País
Intervenção de Jerónimo de Sousa
25 de Maio de 2005
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Já prevíamos que a dramatização e toda a encenação que se criou em torno do défice «trazia água no bico». Diria mesmo, com algum risco, que a surpresa que aqui colocou não era genuína, era e é a preparação para fazer os mesmos de sempre pagarem. Quer queira quer não, apesar dessas afirmações e desses arroubos de esquerda, vai fazer com que sejam os mesmos a pagar, ou seja, os trabalhadores, os reformados e os pequenos empresários, consequência das políticas desastrosas que têm vindo a ser aplicadas em Portugal nos últimos anos.
E nem a medida de eliminação do subsídio vitalício para cargos políticos — proposta que foi feita durante anos pelo Partido Comunista Português, contra a opinião da sua bancada — suaviza a dureza das medidas em relação aos principais destinatários que vão pagar o grosso da «factura».
Quero aqui manifestar o nosso inteiro desacordo com o essencial das medidas e das opções do combate ao défice que apresentou. Elas são dirigidas, no essencial, contra as camadas da população que vivem dos rendimentos do trabalho e libertam escandalosamente os grandes interesses, a grande riqueza de contribuir para a resolução daquilo que V. Ex.ª diz ser um problema nacional, mas que não é. V. Ex.ª, naquilo em que foi concreto — sublinho «naquilo em que foi concreto» —, apresenta as mesmas medidas e faz as mesmas opções da direita.
Depois das conclusões da «Comissão Constâncio», aumenta o IVA — o imposto mais cego e mais injusto, conforme disse, no passado, um Deputado da sua bancada —, como fez Durão Barroso, agravando a injustiça fiscal. Na altura, o PS era contra e o PSD a favor. Agora o PS é a favor e o PSD contra.
Creio que podemos tirar disso alguma ilação.
Ataca os direitos dos trabalhadores da função pública com as mesmas medidas, pelo menos com medidas complementares, apresentadas pelo governo de direita: Durão juntou aos 36 anos de serviço para a reforma o critério dos 60 anos de idade; o Governo de V. Ex.ª agrava agora essa idade para os 65 anos, embora de uma forma faseada. O executivo de Durão Barroso congelou os salários; o seu Governo congela as carreiras.
Estamos perante receitas parecidas, que conduziram — e isto é que é importante — a piores salários, menos direitos, mais desemprego, mais pobreza, mais atraso económico e mais défice orçamental.
É inaceitável que nestas medidas fiquem de fora — ou, quando muito, lá mais para o Inverno o Governo dirá alguma coisa — os grandes interesses dos senhores do dinheiro, mantendo intocáveis os fabulosos lucros das grandes empresas. Lembro, Sr. Primeiro-Ministro, que, só no ano passado, no tal tempo da crise, a banca arrecadou 1,7 mil milhões de euros e que a banca privada, neste trimestre, apresenta mais 42,6% de lucro.
Os mesmos — e sublinho isto, Sr. Primeiro-Ministro — que estão a viver à conta das privatizações e das empresas privatizadas, na sua administração e nos seus executivos, são os mesmos que vêm agora à praça pública pedir mais desemprego, mais flexibilidade no desemprego, mais despedimentos, aumento da idade da reforma, mais penalização para quem trabalha!
Pois é! Aqui está um exercício excelente de «pedagogia das dificuldades», como afirmava o Sr. Governador do Banco de Portugal.
É que a crise não é para todos, mas só são chamados a resolvê-la os trabalhadores, os reformados e as pequenas empresas.
E porque isto geralmente lhe provoca alguma «urticária» nos encontros que temos tido, por ntender que, por exemplo, os grandes grupos económicos e o sector financeiro devem ser fortes, poderíamos até dizer: são lucros fabulosos — e são! —, mas estão a investir na criação do emprego. Mas não, o desemprego continua a aumentar assustadoramente, enquanto as grandes empresas têm mais lucros e empregam menos trabalhadores.
Poderíamos, até, dizer: sim, são grandes lucros mas, com a sua iniciativa, estão a reinvestir na dinamização da nossa economia, relançando o crescimento...
Mas sabe que não é assim. Os lucros crescem exponencialmente, a economia cresceu apenas 1% no ano passado e a perspectiva, segundo dizem os entendidos, é a de crescer menos este ano.
Poderíamos dizer: sim, os lucros são fabulosos, mas estão a investir, a contribuir para tornar Portugal mais competitivo… Mas não. Acabamos de saber que, apesar dos grandes lucros, dos fabulosos resultados, Portugal desceu, nos últimos anos, 13 pontos no ranking da competitividade, porque não se arrisca «um chavo» nos sectores onde há concorrência internacional, porque vivem apenas de sectores protegidos, porque estão à espera que os senhores privatizem mais hospitais, que privatizem a segurança social.
Assim, Sr. Primeiro-Ministro, capitalistas éramos todos nós!
Creio, Sr. Primeiro-Ministro, que não estamos condenados ao atraso nem devemos impor sempre os mesmos sacrifícios aos mesmos. Não há uma solução sustentada sem crescimento económico, sem se aumentar a riqueza, sem se aumentar a produção nacional, sem se defender e modernizar o nosso aparelho produtivo nacional, sem se combater os outros défices estruturais que são sempre esquecidos: no plano agroalimentar, no plano tecnológico e também no plano energético.
Sejamos francos: não estou a ver como é que V. Ex.ª vai promover o crescimento da economia, aceitando as soluções monetaristas e ultraneoliberais que, no fundamental, se mantêm com a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Amanhã, estarão aqui novas e mais gravosas facturas para o povo português pagar.
Mas há outras medidas de combate ao défice, que poderiam ser tomadas, mas não são, orque não há coragem.
Falou-se muito aqui sobre a coragem. É fácil ter coragem de carregar sempre nos mesmos, naqueles que não têm voz, nos que já não têm capacidade reivindicativa, como os reformados, nos que dependem apenas do seu salário, ameaçados muitas vezes de perder o seu emprego… É fácil ter coragem para aplicar sanções e penalizações sobre esses.
Ter coragem seria desafiar o poder dos intocáveis, o poder dos grandes grupos económicos, o poder do sector financeiro. Essa, sim, é que seria a coragem que este Governo não revela aqui, neste debate.
Sr. Presidente, o meu tempo está a terminar, mas com alguma complacência sua…
A terminar, Sr. Primeiro-Ministro, dir-lhe-ei que continuamos a considerar ser possível combater o défice pelo lado das receitas, aprofundando o regime de tributação das empresas financeiras e seguradoras. É que não há volta a dar: enquanto um pequeno ou médio empresário pagar mais de taxa do que um grande banqueiro, não há justiça fiscal.
Em relação à evasão e fraude fiscais, como sabe, as receitas dos impostos sobre o património representam cerca de metade. Nesse sentido, propomos: a eliminação dos benefícios fiscais em operações de financiamento e o fim da lavagem dos cupões; a criação do imposto sobre o património mobiliário — acções, entre outros; a imposição em sede de IRS em princípio do enquadramento das maisvalias resultantes das participações sociais relativas a outros valores mobiliários; a tributação dos títulos da bolsa; a revisão dos privilégios das zonas francas, dos offshores. Lembro que esta verba, muito apetecível, resolveria metade dos problemas: em números de 2 de Março de 2004, trata-se de 4000 milhões de euros em isenções e mordomias.
Por último, Sr. Presidente, também consideramos que o défice orçamental não é o problema; o problema é a nossa economia. Mas é um problema, admitimos.
Nesse sentido, consideramos que seriam necessárias medidas tais como: a restrição das despesas dos gabinetes dos membros do Governo; a restrição da publicidade não obrigatória — quanto é que se gasta em publicidade não obrigatória? Quanto é que pagam, por exemplo, à Microsoft…
Os senhores riem-se, mas estão a ser feitas fortunas à conta do Estado!
Em relação à questão da despesa excessiva com a contratação exterior de serviços, estudos e pareceres há notícias que demonstram haver muita gente a contar com esses estudos, com esses pareceres.
Desvaloriza-se o papel dos quadros da função pública, que eram muito bem capazes de fazer esses relatórios, esses diagnósticos, essas análises que estão a ser feitas no sector privado, «enchendo os bolsos» de alguns.
Por último, Sr. Primeiro-Ministro, porque é preciso combater a derrapagem das obras públicas, gostaria que tomasse nota do seguinte: é um escândalo que uma obra seja orçamentada numa verba e que, depois, duplique, triplique, custando às vezes, quando chega ao fim da obra, 10 vezes mais, com ganho da banca, dos grandes empreiteiros, mas com prejuízo do Estado e do País.
Dou-lhe apenas alguns exemplos daquilo que também deveria ser feito — e que, infelizmente, não ouvimos da parte do Sr. Primeiro-Ministro — para se resolver o problema do défice em Portugal.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
quanto às divergências, elas são assumidas, mas depois têm de ser avaliadas e analisadas perante as situações concretas. O Sr. Primeiro-Ministro colocou aqui a questão do IVA dizendo que era para impedir mais falências, mais desemprego — «do seu ponto de vista»! Não sou um emissário, mas um pequeno empresário da restauração — e não é nenhum perigoso agitador, nem um façanhudo comunista — disse-me: «— Vá ao Sr. Primeiro-Ministro dizer que não nos aumente o IVA, porque assim nós não aguentamos e haverá despedimentos no nosso restaurante.».
Nesse sentido, quando nos preocupamos em ver aquilo que é concreto quanto o IVA, no que toca aos trabalhadores e às famílias, foi claro no plano da substância das medidas, mas já em relação aos sectores mais intocáveis, enfim, ouvimo-lo dizer que vão haver limitações, medidas restritivas, que no último trimestre deste ano serão apresentadas medidas, mas tudo de uma forma muito difusa…
Sr. Primeiro-Ministro, estamos aqui há tantos anos, já ouvimos tantas vezes esse discurso e verificámos, depois, que os resultados eram totalmente diferentes… Bom, isso não é uma razão para desconfiarmos da sua sinceridade, mas permita que no plano político assumamos que as medidas que referiu acabarão por ser contraproducentes e não resolverão os problemas nacionais!
Em relação ao sigilo fiscal, estamos de acordo quanto a essa transparência. Contudo, só a transparência não chega, esperamos que depois se adoptem outras medidas para que, particularmente em relação à possibilidade de aumento da receita, este seja o tal Governo corajoso que o povo português considera não existir e que exige neste momento!