Debate do Programa do XVII Governo Constitucional (pedido de esclarecimentos ao Primeiro-Ministro)
Intervenção de António Filipe
21 de Março de 2005
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Vou colocar-lhe duas questões muito concretas, sendo que primeira diz respeito ao referendo sobre a Constituição Europeia.
É preciso reconhecer que o Partido Socialista não tem bons antecedentes nesta matéria. Em 1992, opôs-se a um referendo sobre o Tratado de Maastricht; em 1997, aprovou uma pergunta grosseiramente inconstitucional, a qual acabou por inviabilizar o referendo ao Tratado de Amesterdão; não há muito tempo, depois de reiteradamente se opor à aprovação de uma disposição constitucional que permitisse referendar o Tratado sobre a Constituição Europeia, aprovou aqui uma pseudopergunta que nem sou capaz de reproduzir por falta de tempo; e, agora, esgotados os argumentos, aparentemente para inviabilizar o referendo, quer realizá-lo no mesmo dia das eleições autárquicas, tendo isso sido anunciado no Programa do Governo e no discurso de posse do Sr. Primeiro-Ministro.
Quanto a isso, vale a pena recordar o que, em 16 de Setembro de 2004, foi dito por um hoje ilustre membro do seu Governo — e, desta vez, não foi o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas o Sr. Ministro da Justiça — nesta Casa. Dizia ele que «quer a Constituição, quer a lei, quer a análise política, aconselham a que se distancie o mais possível o acto do referendo de outro acto eleitoral. Isso decorre dos textos, decorre de qualquer leitura política, e pode constituir um factor de autenticidade, de genuinidade da consulta referendária, como consulta distinta de uma consulta a partidos que o referendo não é».
Ficou, assim, expressa a posição do Partido Socialista, segundo a qual deve haver a máxima distância, legalmente possível, em relação ao acto eleitoral subsequente.
Ora, o Partido Socialista, nessa altura, já sabia que iriam realizar-se eleições autárquicas em Outubro de 2005; não sabia é que iria ser governo tão cedo. A questão que se coloca agora é se o Partido Socialista, quando estava na oposição, tinha preocupações de autenticidade e de genuinidade em relação ao referendo e, agora, pelos vistos, já não tem.
Esta é a primeira questão.
Uma segunda questão, Sr. Primeiro-Ministro, diz respeito à segurança interna.
O Sr. Primeiro-Ministro referiu-se, há pouco, à desgraça que aconteceu, ontem, na Amadora, que, quero sublinhá-lo, não pode ser arma de arremesso político contra quem quer que seja e, muito menos, contra um governo que acaba de tomar posse — isto, para nós, é uma questão essencial.
Agora, Sr. Primeiro-Ministro, há que reconhecer — e o senhor fê-lo ao falar desse assunto — que este é um assunto muito sério, que merece um debate sereno mas muito sério e responsável sobre esta questão, e tem a ver com a afectação dos efectivos policiais. A este respeito, há que discutir muito bem como deve ser feito o policiamento destas zonas mais problemáticas e como deve ser resolvido o problema da afectação dos efectivos policiais que estão afectos a outras missões que não as policiais. Uma outra questão é a de saber o que fazer às muitas centenas de efectivos que estão ocupados em corpos de intervenção.
Daí, Sr. Primeiro-Ministro, já que se quer falar de questões concretas — e nós queremos —, deixo um repto ao Governo: por que é que o Governo não assume aqui o compromisso de afectar as centenas de elementos que prestam serviço nos corpos de intervenção, em corpos especiais, precisamente onde eles fazem falta, que é no policiamento das zonas mais problemáticas, relativamente às quais efectivos policiais praticamente indefesos, ou sem meios de se poderem defender da alta criminalidade, têm sido efectivamente sacrificados.
Este é um repto concreto que aqui deixamos ao Governo.