Debate do Programa do XVII Governo Constitucional (pedido de esclarecimentos ao Primeiro-Ministro)
Intervenção de Bernardino Soares
21 de Março de 2005
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
V. Ex.ª iniciou este debate congratulando-se com o facto de os membros do Governo terem estado em silêncio até ao momento da sua investidura parlamentar. Mas o problema que agora se coloca é o de que este silêncio continua, em muitas matérias.
Não vou fazer ao Sr. Primeiro-Ministro a maldade de lhe perguntar se a comparação que alguns analistas têm feito entre o seu estilo e o de Cavaco Silva, no que respeita à gestão do silêncio, lhe agradou secretamente. Não vou fazer a maldade de lhe perguntar isso! Mas o que lhe digo é que agora são precisos dados mais concretos do que os que apresentou! É que há matérias decisivas da nossa vida e do nosso país que precisam de ter respostas claras, e que precisam de respostas que não encontramos no Programa do Governo!
Sr. Primeiro-Ministro, nem no seu discurso, nem na resposta que há pouco deu ao Secretário-Geral do meu partido, disse o que entendia sobre a questão da revalorização dos salários. No Programa, a única referência que existe, em concreto, ao salário mínimo é a de que «Para o Governo, é indispensável que o salário mínimo nacional cumpra a função que lhe cabe como factor de imunidade à pobreza.» Eu não podia estar mais de acordo! Mas isso faz-se valorizando o salário mínimo!
O que gostaria de saber, em primeiro lugar, é se o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo estão disponíveis para aumentar de forma digna e justa o salário mínimo nacional, como o Partido Comunista Português já propôs nesta Assembleia. É que não há contradição entre a valorização dos salários e o aumento do investimento! Isso também ajuda a economia e ajuda, sobretudo, a uma melhor distribuição da riqueza produzida no nosso país.
O Sr. Primeiro-Ministro e o Programa do Governo também não nos dão respostas precisas em relação à questão do Código do Trabalho e, em concreto, da contratação colectiva. O Sr. Primeiro-Ministro sabe que, com este Código do Trabalho em vigor, o tempo está a contar para a caducidade de muitos contratos colectivos de trabalho e que é preciso intervir já nessa matéria, independentemente de ser preciso alterar outras!
Por isso, o desafio que lhe fazemos é o de que o Governo proponha uma alternativa em relação à contratação colectiva e que junte a sua proposta àquelas que já foram apresentadas na Assembleia da República para podermos rapidamente alterar essa grave legislação em matéria de contratação colectiva, e outras, e impedir a caducidade dos contratos colectivos de trabalho!
O Sr. Primeiro-Ministro também nada nos disse sobre o sector têxtil, sector no qual estão directamente implicados 200 000 postos de trabalho, que é responsável por uma boa parte das nossas exportações e que está seriamente ameaçado, neste momento. Não nos disse — mas devia dizer-nos — se o Governo está disponível para defender o accionamento da cláusula de salvaguarda, de modo a permitir uma maior folga para a recuperação e modernização das nossas indústrias têxteis!
Também nada nos disse sobre o caso da Bombardier/Sorefame, que é um exemplo paradigmático de como um país deve defender a sua produção nacional numa área de ponta e de que necessita para a produção de infra-estruturas para o seu próprio país! As infra-estruturas de que o Sr. Primeiro-Ministro falou, no que respeita à ferrovia, podem…
Como dizia, as infra-estruturas respeitantes à ferrovia podem ser construídas em Portugal, se o Governo assegurar que aquela empresa continua a funcionar!
Este é, pois, o momento da concretização e não só da enunciação, para que os portugueses saibam se à mudança de Governo vai ou não corresponder, nestas importantes matérias, uma verdadeira mudança de política.