Debate do Programa do XVII Governo Constitucional (pedido de esclarecimentos ao Primeiro-Ministro)
Intervenção de Jerónimo Sousa
21 de Março de 2005

 

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr. as e Srs. Deputados,
Sr. Primeiro-Ministro,


Estando nós perante um Programa de legislatura, poderia até admitir-se que seria excessivo que, na definição das políticas, das orientações, na concretização dos objectivos que este Programa comporta, o seu discurso tratasse de todas estas matérias. Mas, como diz o nosso povo, «nem oito, nem oitenta» e creio que tivemos aqui um caso paradigmático de «mais de oito do que oitenta» em relação aos conteúdos e à substância.

A primeira observação que gostaria de fazer é esta: decorre da sua intervenção uma ideia onde abunda a declaração de intenções, as boas declarações de intenções, mas falta muito de substância e muito de esclarecimento a esta Assembleia da República.

Estamos de acordo com a ideia de que, na actual situação, o problema das contas públicas não é o problema nacional. O problema nacional é, de facto, a situação económica; o problema da nossa economia é a questão central que está colocada.

Temos um problema económico, temos uma necessidade vital de crescimento e de emprego, de criar mais riqueza, naturalmente, mas também, sendo indissociável, a sua repartição deverá ser mais justa.

Mas a questão é esta, Sr. Primeiro-Ministro: com que meios? Com que instrumentos?

Consideramos fundamental, como ponto de partida, a defesa do aparelho produtivo e da produção nacional, o que não é indissociável nem contraditório com a necessidade da modernização do perfil produtivo da nossa economia, que, infelizmente, como é sabido, é muito assente na subcontratação e nos baixos salários.

Já agora, permita-me um parêntesis, Sr. Primeiro-Ministro: que silêncio «de chumbo» da sua parte em relação a uma questão importantíssima para os rabalhadores portugueses, que é a necessidade da revalorização dos seus salários. Diga-nos: entende ou não que, no plano de uma economia do progresso, necessário para Portugal, é possível arredar a questão central dos salários da sua revalorização?

Estamos a falar da nossa indústria, das nossas pescas, da nossa agricultura, estamos a falar de um exemplo de grande actualidade como é o da ex-Bombardier, em que o comportamento da administração da multinacional poderia ser qualificado… Enfim, estamos na Assembleia da República e é preciso ser sensato com a linguagem. Mas esta forma rocambolesca de, pela calada da noite, tentar retirar máquinas vitais para que aquela empresa possa continuar a laborar… Mas, neste caso concreto, tendo em conta o perigo da deslocalização, tendo em conta que temos uma empresa que não é de «aperta porcas», é uma empresa com capacidade, com máquinas modernas, com técnicos qualificados, com trabalhadores qualificados, qual é a resposta do Governo?

E também estamos a falar do sector têxtil que, com modernidade ou sem ela, se encontra ameaçado por decisões externas mas onde houve comprometimento de governos do PS e do PSD. Hoje, não é excessivo dizer que, tendo em conta as decisões da OMC, o seu conteúdo e a liberalização dos têxteis, podemos vir a ser confrontados com a liquidação de centenas de milhares de postos de trabalho, podendo ser liquidadas milhares de empresas de um sector que envolve, directa ou indirectamente, cerca de 1 milhão de portugueses.

Qual é a resposta que o Governo nos dá — e, se não quiser dar-nos, não a dê — em relação a esses trabalhadores dessas empresas, tendo em conta a tal necessidade do crescimento económico do nosso país?

Sr. Primeiro-Ministro, conhecendo nós, como conhecemos, as consequências e os «amarramentos» que decorrem para a nossa economia das medidas mais draconianas do Pacto de Estabilidade e Crescimento, num quadro em que está a verificar-se a consideração e a renegociação desse Pacto de Estabilidade, o que é que o Governo vai fazer a Bruxelas? Que posições vai tomar? Que determinação? Que conteúdos das suas propostas? É que aquilo que nos disse aqui é muito simpático, mas, há-de convir, acrescenta pouco àquilo que é uma necessidade objectiva.

Para o nosso país, para as especificidades da nossa economia, para a realidade que vivemos, pensamos que devíamos ter uma posição mais forte, mais combativa, e não apenas esse desarrincanço simpático, passe o termo, que aqui…

A terminar, direi que estamos de acordo que não se pretenda fazer um ajuste de contas com o passado recente, situando nos governos anteriores todas as responsabilidades da situação que vivemos. Mas o povo português acreditou que era possível uma mudança, e provou isso mesmo no dia 20 de Fevereiro.

Naturalmente, não queremos que se faça um ajuste de contas, mas é importante que se corrijam algumas malfeitorias que os governos anteriores fizeram. Estamos a falar na lei de bases da segurança social, estamos a falar, por exemplo, em relação aos direitos dos trabalhadores, da contratação colectiva, que, neste momento, envolve mais de 900 000 trabalhadores, que vêem os seus direitos bloqueados.

Sr. Primeiro-Ministro, um silêncio absoluto da sua parte pensamos que não é bom. Tem tempo, com certeza, de nos esclarecer.