Debate do Programa do XVII Governo Constitucional
Intervenção de Jerónimo Sousa
21 de Março de 2005
Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Membros do Governo,
Discutimos hoje o Programa do Governo PS, de maioria absoluta, com a direita parlamentar claramente diminuída.
Na nossa análise aos resultados eleitorais consideramos que, sendo inequívoca a condenação da grande maioria dos portugueses a forma e estilo da governação dos executivos do PSD e CDS-PP, eles comportam também um sentido de mudança, uma manifestação de anseio e esperança na resolução dos seus problemas e inquietação que os afectam.
Esta não é uma questão pequena.
A de saber se o Programa que agora apreciamos só rompe com o estilo e o modelo de governar ou faz também a ruptura com as políticas do passado condenadas em sucessivas eleições mas implacavelmente julgadas e condenadas pela realidade que vivemos.
A de saber se aceitamos como fatalidade um País com atrasos estruturais, distanciando cada vez mais da média da União Europeia, cavado pelo fosso intolerável e cada vez maior entre os mais ricos e os mais pobres, marcado pela injustiça e pelas desigualdades, com o aumento dodesemprego, os baixos salários que inexoravelmente resultam em baixas pensões de reforma
A de saber se é possível executar uma política que queira resolver problemas, avançar para o crescimento e para o progresso, esquecendo e branqueando, ou pior, usando instrumentos e medidas herdadas de anteriores Governos, das suas leis e das suas políticas estruturantes.
É evidente que não pode haver julgamentos e condenação prévias e precipitadas, que a omissão programática é um sintoma que sendo preocupante não permite um juízo final, mas já é possível relevar aspectos que não são bons faltando ainda descodificar aquilo que o então candidato a Deputado e actual Primeiro Ministro da Economia entendia por “há coisas que se fazem e não se dizem”.
Confirmam-se, apesar de alguma nuance discursiva, orientações políticas negativas como a continuação de uma gestão orçamental restritiva e conforme as orientações do Pacto de Estabilidade, a alteração às Lei Eleitorais ( como se existisse uma crise de regime, facto desmistificado pelo grau de participação dos portugueses e pelo próprio resultado destas Legislativas) a aceitação da Constituição Europeia e da Estratégia de Lisboa, o aumento da idade da reforma e o nivelamento das condições de reforma na Administração Pública com as do regime geral da segurança social o adiamento da Regionalização, o alinhamento com as teses atlantistas e de subordinação ao imperialismo norte-americado.
Faltam no Programa do Governo indispensáveis rectificações da maioria das mais graves medidas avançadas pelo Governos do PSD-CDS/PP, tais como a Lei de Bases da Segurança Social, da entrega de novos hospitais a privados, do regime de trabalho da Administração Pública, um pesado silêncio sobre a necessidade de valorização do salário mínimo nacional à convergência das pensões mais baixas com o mesmo.
Há como que páginas rasgadas ou em branco sobre a defesa dos serviços públicos essenciais, ao fim da política de privatizações, fala do combate à evasão e à fraude fiscal e não tem uma palavra sobre a imperiosa necessidade de limitar benefícios, isenções e mordomias fiscais da banca e sector financeiro, tanto mais escandalosas e obscenas face aos lucros que apresentaram este ano que passou. E registamos que nem após uma segunda insistência da minha bancada o Primeiro Ministro tenha referido uma palavra que fosse sobre a grave situação do sector têxtil e vestuário.
Não entenda isto como aviso e muito menos ameaça, Senhor Primeiro Ministro. Não terá o direito de exigir e sacrifícios aos trabalhadores e a todas as classes e camadas intermédias, não pense ir buscar aos bolsos quase vazios de quem menos tem e menos pode e manter intocáveis os sacos cheios de quem até da crise se aproveita para amassar lucro ao lucro, que nem sequer é aplicado no investimento produtivo e no emprego, lucro amassado à custa do individamento das famílias, dos cortes substanciais nas funções sociais do Estado e da falta do investimento público.
O contrato de confiança que diz querer estabelecer terá de envolver os trabalhadores, os reformados, os pequenos e médios empresários visando efectivar de facto os seus interesses, direitos e aspirações e não a repetição do que foi experimentado em anteriores executivos do seu Partido, do diálogo e convencimento estéreis para neutralizar e não para resolver, para adiar o inadiável.
Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores e Senhoras Deputados,
O sentido mais profundo dos votos dos portugueses a 20 de Fevereiro foi de mudança.
Mudança que permita responder às gritantes desigualdades sociais e assimetrias regionais e vencer atrasos estruturais acumulados pelas políticas de direita.
Mudanças que permitam dar resposta imediata e urgente a questões prementes que o país e os portugueses enfrentam. É crucial dar prioridade às actividades produtivas em particular de bens transaccionáveis e não às actividades especulativas, que ponha fim às privatizações, que modernize a economia e melhore o perfil produtivo, que apoie as micro-pequenas e médias empresas e não privilegie os grandes grupos económicos que com determinação se tomem decisões para suster o desmantelamento do sector público, para prevenir o encerramento de empresas e o desemprego, para valorizar os salários e pensões e em si mesmo factores de dinamização do mercado interno e da economia. Os factores externos pesam mas que não sirvam de desculpa para o Governo não fazer o que tem a fazer.
Reafirmando a nossa posição de fundo, o PCP não se limitará à denúncia. Acompanhará todas as medidas e iniciativas positivas que sejam tomadas quer pelo Governo, quer por qualquer força aqui representada na Assembleia da República, mas não abdicará aqui e lá fora do seu combate a políticas e medidas que mantenham ou agravem os problemas de Portugal e dos portugueses.
É à luz deste posicionamento que avançámos já com um conjunto de propostas que consideramos de grande actualidade e valor.
É com esta matriz que agiremos numa postura de crítica, combate e propostas, aliando as inquietações e preocupações aos sentimentos de esperança e confiança de que é possível um País mais justo, progressista e desenvolvido.
No limiar do ano 31 da Revolução de Abril é assim que entendemos a sua comemoração e celebração no mês e no futuro que aí vem.
Disse.
(...)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendes
Permita-me que
lhe diga que, afinal, foi a Sr.ª Deputada que ouviu mal a minha intervenção.
Quando pergunta se estaríamos
mais satisfeitos com uma possível vitória de direita do que com este resultado quero lembrar-lhe que, nesta
Casa, quando lutámos para que a direita fosse derrotada, para que a direita fosse afastada, havia um silêncio
tremendo por parte do Partido Socialista.
Lembro-lhe, Sr.ª Deputada, a ideia do «cartãozinho amarelo», do «aviso», do «depois, em 2006, lá
conversaríamos»… Felizmente que o povo português, com a sua luta, conseguiu que esta direita fosse
derrotada.
Em segundo lugar, fomos nós que considerámos como objectivo primeiro no plano político a derrota da
direita, para que ela ficasse em minoria na Assembleia da República.
Mas, corrigido isto, quero dizer o seguinte em relação a algumas das suas perguntas: não tenha dúvidas de
que subscreveremos as boas propostas que o Partido Socialista possa fazer, designadamente, por exemplo,
de alteração do Código do Trabalho, que a Sr.ª Deputada acompanhou de perto — o Sr. Primeiro-Ministro só
referiu uma coisa —, propostas que tenham a ver com questões de fundo que colocámos e com a
necessidade de revogação de normas negativas. Só espero que a Sr.ª Deputada represente o sentir e o pulsar
do Partido Socialista. Verá que ficará surpreendida, porque o Partido Comunista Português apoiará as
propostas que defendam os interesses e os direitos dos trabalhadores.
Quanto à questão do crescimento, a Sr.ª Deputada colocou-me também uma questão
importantíssima. Sempre afirmámos, fosse onde fosse — não temos o hábito de afirmar uma coisa lá fora e
outra aqui —, que a questão do crescimento económico é vital para o nosso país. Estamos de acordo com
esse objectivo.
Mas, lembro-me de uma conversa recente com o Sr. Primeiro-Ministro, em que ele, em relação à Estratégia
de Lisboa, dizia: «A ideia era boa, o problema é, depois, a sua aplicação»! Ora, percorrendo todo o Programa
do Governo, verifica-se também que em relação às ideias boas existem grandes declarações de intenções —
«como dizia a minha avó, de boas intenções está o Inferno cheio» —, mas em relação à sua aplicação nada
se diz. Nós propomos a defesa do aparelho produtivo e da produção nacional e a defesa do crescimento dossalários. A Sr.ª Deputada continua a pensar que é possível um modelo económico assente em baixos
salários?
É que o Programa do Governo do seu partido não faz uma única referência à questão dos salários.
Em relação às reformas, temos muita pena dos mais desfavorecidos e subscrevemos a vossa proposta,
mas achamo-la incompleta, porque os reformados não são os tais 300 000 de que falam, mas sim mais de 1
milhão, que hoje vivem abaixo do limiar da pobreza, sendo certo que alguns trabalharam uma vida inteira — a
Sr.ª Deputada não sabe o que é isso — para agora terem uma reforma baixíssima em relação aos descontos
que fizeram para a segurança social. Nós já temos pronto um projecto de lei que responde à sua pergunta.
Por último, em relação à expressão «imperialismo norte-americano», podemos chamar-lhe
um pífaro, se quiser… De qualquer forma, quando assistimos hoje à agressividade, ao militarismo, à guerra eà concepção neoliberal do imperialismo norte-americano pode inventar outro nome, se quiser, que não retira a
substância da acusação.