Declaração Política
Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia da República
15 de Setembro de 2004

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Definitivamente com este Governo a demagogia e o populismo estão à solta. O país assistiu nos últimos tempos às mais extraordinárias intervenções e anúncios do Governo e do Primeiro-ministro. O PPD que Santana Lopes a todo o momento refere, parece ser afinal o Partido do Populismo Demagógico.

Vale tudo para esconder a gravidade das políticas do Governo e sacudir as responsabilidades na situação que milhões de portugueses hoje vivem.

Santana Lopes ensaiou, em mais uma situação de aperto perante a insustentável recusa da direita em alterar a lei que penaliza a interrupção voluntária da gravidez, nova falsa abertura para alterações, que rapidamente Paulo Portas, verdadeiro comandante do navio governamental nesta matéria, tratou de mandar desmentir.

Perante a dificuldade em voltar a recusar a alteração da lei, perante a não concretização das medidas com que a maioria se comprometeu em Março passado, em relação ao planeamento familiar e à educação sexual, Santana Lopes afirmou aceitar o debate mas nada mais do que isso.

Desengane-se a maioria se pensa que o PCP e todos os que lutam pelo fim desta medieval criminalização das mulheres que interrompem a gravidez, vai abrandar esta luta. Apresentámos hoje na Mesa da Assembleia da República o nosso projecto de lei de despenalização da IVG e não desistiremos desta questão na certeza de que cada julgamento, cada incriminação, cada humilhante investigação a que mulheres deste país vierem a ser sujeitas, será uma condenação do Governo e dos partidos da direita que querem manter a lei como está.

Mas Santana Lopes lançou também a mais desbragada demagogia a propósito da questão das taxas moderadoras ou como depois corrigiu, do pagamento directo dos cuidados de saúde, parecendo até que não sabia bem do que estava a falar.

O que o Primeiro-ministro sabe mas não diz é que fazer pagar a saúde segundo o escalonamento fiscal dos rendimentos significa repetir a injustiça fiscal que já temos agora no sector da saúde. Significa penalizar duplamente os trabalhadores por conta de outrem.

O que o primeiro sabe mas não diz é que o seu governo e o do seu antecessor nada fizeram para combater seriamente a iniquidade fiscal no nosso país.

O que o Primeiro-ministro sabe mas não diz é que as despesas de saúde devem ser financiadas pelas receitas fiscais e que é nestas que se deve fazer a diferenciação dos rendimentos e a redistribuição da riqueza.

O que está errado não é que quem é rico possa recorrer ao Serviço Nacional de Saúde, é que quem é rico não pague os impostos que deve pagar.

Na verdade o que está por detrás destas medidas é a tentativa de transferir crescentemente para a população o pagamento directo da saúde e reduzir o SNS, que hoje faz 25 anos, a uma estrutura degradada, assistencialista e sem recursos, abrindo simultaneamente o mercado para os interesses privados nesta área. É o regresso em força da velha máxima “quem quer saúde paga-a”.

O que já se notou também é que a central de informações do Ministro Morais Sarmento já funciona.

Na anunciada lei das rendas tratou de ir anunciando algumas almofadas sociais, cujo conteúdo exacto ainda está por concretizar, procurando abrir caminho para uma alteração que previsivelmente trará sérios prejuízos para centenas de milhares de famílias portuguesas.

O último momento alto da propaganda governamental foi a pomposa e passadista mensagem ao país do Ministro das Finanças, que para além disso ainda conseguiu ser entrevistado em dois canais públicos na mesma semana.

O Ministro das Finanças, qual lobo com pele de cordeiro, esplanou toda a sua pedagogia salazarenta, no estilo hipócrita e de mal contida arrogância que há muito se lhe conhece.

Utilizou da mentira, da demagogia e da desonestidade intelectual para tentar convencer os portugueses de que o Governo está a trabalhar para eles.

Mas o discurso do Ministro das Finanças não resiste à prova da realidade.

Repetindo uma mentira anterior, Bagão Félix afirmou que 60% dos impostos são para pagar aos funcionários públicos e voltou a dizer que há funcionários públicos a mais. Bagão Félix sabe perfeitamente que há várias administrações públicas na União Europeia que têm maior peso do que a nossa. Mas o que devia dizer aos portugueses, a quem procura fazer crer que os funcionários públicos são os responsáveis pelos males do Estado, é a quem se está a referir.

Está a dizer que estão a mais os médicos e os enfermeiros que nos tratam nos hospitais e centros de saúde; está a dizer que estão a mais os professores e educadores nas escolas; está a dizer que estão a mais os agentes das forças de segurança que zelam pela tranquilidade pública e pelo combate ao crime; está a dizer que estão a mais os guardas florestais que vigiam e protegem as nossas florestas; Afinal quem são os trabalhadores a mais na administração pública para o Ministro Bagão Félix?

Pelos vistos o que não o preocupa são as nomeações feitas pelos seus colegas do Governo, que ascendiam já na passada semana a 806, com destaque para as 56 nomeações de Paulo Portas, as 41 de Santana Lopes, as 50 do ministro da Agricultura ou as 39 do Ministro da Saúde, apesar de se manter do Governo anterior, a que se juntam mais 23 do Secretário de Estado Patinha Antão.

Do resto não houve nenhum compromisso firme com aumentos acima da inflação e que recuperem algum do poder de compra perdido nos últimos anos, e a questão dos benefícios fiscais dos off-shores ficou reduzida a um vago princípio da ética fiscal.

Entretanto a repartição de poderes segundo os interesses que se traduziu na orgânica do Governo já vai causando estrago. Finalmente concretizou-se a ameaça do Ministro Paulo Portas de que o Ministro do Ambiente faria uma declaração que deixaria todos de cara à banda. Só que afinal não foram os partidos da oposição que ficaram de cara à banda mas sim os ministros Álvaro Barreto e António Mexia e ainda Ferreira do Amaral, com a apresentação sem aviso prévio de um relatório sobre o acidente na refinaria de Matosinhos que entretanto, de tão incómodo, continua a ser secreto.

E num momento em que o Governo retoma o estafado discurso das pactos de regime queremos afirmar que da nossa parte mais do que a propaganda dos factos, o que não aceitamos é a manutenção de uma política que mantém uma politica de desemprego, de precariedade e baixos salários.

Não aceitamos a política da privatização do direito à saúde e de destruição do SNS.

Combatemos um governo que olha para as despesas sociais de educação ou saúde, como gastos desnecessários e não como investimentos indispensáveis para a modernização do país e a melhoria da qualidade de vida.

Combatemos um governo que corta nos apoios sociais e que diminuiu em 14% as crianças abrangidas pelo abono de família e em quase 4% as verbas gastas nesta prestação.

Combatemos um Governo que defende a manutenção de vastos privilégios fiscais para os sectores financeiros e especulativos e que quer ainda exigir mais sacrifícios à generalidade dos portugueses.

É por isso que, no início desta sessão legislativa reafirmamos o nosso pacto com a defesa dos direitos dos portugueses, com o desenvolvimento do país e com a exigência de outra política e outro Governo.

Disse.