Debate mensal com o Primeiro-ministro
Intervenção de Carlos Carvalhas na Assembleia da República
26 de Maio de 2004

 

Senhor Primeiro-Ministro

Sobre os temas que hoje nos trouxe, alguns dos quais já foram aqui debatidos, eles serão objecto de uma outra intervenção. Deixamos também de lado os «negócios» do Governo, o desemprego, o ordenado do Director Geral dos Impostos, as omissões fiscais e evasão fiscal, os 2% de aumento das reformas.

Hoje e agora, concretizando um imperativo da nossa consciência democrática e dando voz a uma forte e sentida indignação partilhada por muitos e muitos democratas, importa que aqui, na sede da representação nacional, o confrontemos directamente, e cara a cara, com a inaudita gravidade e a intolerável insolência das acusações que, no Congresso do seu Partido, provocatoriamente nos dirigiu no sentido de que o PCP procuraria gerar instabilidade nas forças de segurança e responsabilizando-o directamente por problemas que venham a ocorrer.

Com tais indignas afirmações, o líder do PSD, que se esqueceu que também é Primeiro-Ministro ou então não se esqueceu porque para ele vale tudo, não se limitou a formular acusações, hoje repetidas, de manipulação ou instrumentalização partidária de estruturas sindicais ou associativas, passou também um atestado de estupidez a milhares de homens e mulheres.

A extraordinária gravidade e o carácter manifestamente repugnante das acusações por si feitas no seu Congresso estão mais exactamente em que pretendeu antecipadamente sacudir para cima de um partido de oposição, o PCP, a responsabilidade por problemas de segurança que ocorram durante o Euro 2004 e cuja verdadeira responsabilidade em termos políticos só pode pertencer ao Governo, à sua incompetência e à sua arrogância e intransigência face às estruturas sindicais ou associativas das forças de segurança.

Pior ainda: enquanto líder do PSD, o Sr. Primeiro Ministro não teve a coragem de concretizar por que tipo de «problemas de segurança» o PCP seria responsável mas isto porque optou por ser suficientemente calculista, mesquinho e perverso para prever que, na actual conjuntura internacional e a propósito do Euro 2004, a opinião pública nacional em vez de associar «problemas de segurança» a umas quantas controláveis desordens provocadas por «hooligans», antes pudesse ser levada a associar automaticamente «problemas de segurança» a acontecimentos bem mais terríveis e eventualmente sangrentos que estão na nossa memória em relação à Espanha.

Trata-se sem dúvida de afirmações que, em 30 anos de vida democrática no nosso país, ficam para a história como uma intolerável expressão de concepções autoritárias, brutalmente ofensivas de elementares valores de convivência democrática e que, merecendo uma viva condenação, não podem deixar de, com rigor e verdade, serem classificadas de puro terrorismo político.

Senhor Primeiro-Ministro:

Se não é pedir de mais à sua inteligência e cultura política, entenda de uma vez por todas que estamos aqui sentados e intervimos na vida nacional não por generosa concessão do PSD ou sua mas por força do regime democrático que decisivamente ajudámos a conquistar e a fundar e por força da vontade dos portugueses que em nós confiam.

Se não é pedir de mais à sua capacidade de encarar a realidade, entenda de uma vez por todas que o PCP, num longo período da sua vida, enfrentou sem ceder ou ajoelhar, ameaças, agressões, chantagens e perigos contra si desencadeados por quem dispunha de todo uma arsenal ferozmente repressivo e de uma absoluta impunidade e que, por isso, é tão certo como o sol nascer todos os dias que nem por um segundo se deixará intimidar pelas ameaças, exigências ou provocações de um qualquer líder partidário ainda que transitoriamente investido das funções de Primeiro-Ministro.

E ao Governo exige-se não a arrogância e a chantagem, mas sim que dê resposta aos problemas colocados pelos profissionais das Forças e Serviços de Segurança, aos quais com clareza o PCP manifesta solidariedade para com as suas reivindicações que fazem parte das promessas feitas pelos então candidatos Durão Barroso e Paulo Portas, para lhes apanhar os votos. Honrem os vossos compromissos!