Interpelação ao Governo sobre a “Crise
que afecta a economia nacional, o aparelho produtivo e os portugueses e a necessidade
de uma nova política económica e social”
Intervenção de Odete Santos
19.de Maio de 2004
Senhor Presidente
Senhores Deputados:
Cerca de 2 anos após a sua tomada de posse do Governo,
os estragos governação são bens visíveis nas mazelas
profundas cavadas em todo o país, nomeadamente no seu tecido produtivo.
Portugal ostenta em sulcos as marcas de empresas encerradas, com todo os seu
cortejo de trabalhadores sem trabalho, na roda de expostos do desemprego registado,
ou do desemprego escondido na malha estatística.
O Governo, responsável por esta situação, tem de ser duplamente
censurado porque alia a essa responsabilidade uma total ausência de ética
na política. Que se traduz no apadrinhamento dos grandes interesses económicos.
É que para o Governo há como que uma espécie de direito
natural que garante aos mais ricos a perpetuação da sua riqueza.
Uma espécie de direito natural que justificará, para o Governo,
que se continue a despojar os mais fracos do mínimo de condições
de sobrevivência.
O Governo comporta-se como se as desigualdades fossem inevitáveis. O
neoliberalismo baseia-se aliás, nessa ideia falsa, que faz parte da sua
ideologia. Mas como pretende ter um rosto humano, justifica as desigualdades
com as migalhas que da mesa do banquete caiem para as mãos dos pobres.
O neoliberalismo não reconhece direitos sociais, mas tão só
a caridadezinha de medidas assistencialistas para esconder a sua verdadeira
face.
Esta é a teoria das desigualdades, defendida pelo filósofo do
neoliberalismo John Rawls na sua obra Teoria Da Justiça.
Em vez da teoria da solidariedade, património da esquerda e dos trabalhadores,
temos então a teoria das migalhas do banquete que se arremessam para
os pobres.
Podemos encontrar a execução desta filosofia em várias
das medidas tomadas pelo Governo, nomeadamente na área do direito do
trabalho.
Emblemáticos são os casos da redução dos subsídios
de doença, e do subsídio de desemprego.
Que, com as alterações preconizadas e outras já feitas,
pelo Governo, perderam a característica de um direito, para se tronarem
em medidas de boa-vontade, por parte de quem- o Governo e os interesses que
defende- espalha que os trabalhadores são absentistas, fraudulentos,
culpados da crise, culpados de quererem salários mais elevados, culpados
do desemprego, bem como os Sindicatos que defendem os seus direitos.
Os trabalhadores, para o neoliberalismo, são culpados do aumento da despesa
pública, porque exigem direitos sociais.
Porque exigem um aumento real de salários.
O custo do trabalho em Portugal, segundo o INE, baixou mais uma vez.
É urgente proceder a um aumento dos salários. Essa é uma
das vias para superar a baixa produtividade da economia portuguesa.
Nesse sentido, o PCP apresenta hoje na mesa da AR um Projecto de Lei para que
se proceda a um aumento intercalar do salário mínimo nacional.
Mas os trabalhadores, para o neoliberalismo, também são culpados,porque
exigem o direito à estabilidade no emprego. O direito ao pleno emprego.
O Pleno emprego prometido pela Cimeira de Lisboa, lembram-se, senhores Deputados?
Para o Governo o triunfo das desigualdades é justificável, e apresta-se
a aprofundar tais desigualdades.
Na União Europeia, Portugal é o País que regista a maior
ratio entre os rendimentos dos 20% mais ricos e os rendimentos dos 20% mais
pobres. Assim vem acontecendo desde 1996. No final do ano de 2001, a ratio era
de 6,5.
E apesar disso, o Governo mais não fez do que estimular as causas da
pobreza, entregando aos mais ricos os instrumentos para apropriação
privada de maiores riquezas.
Na verdade, relativamente aos que produzem riqueza com o seu trabalho, o Governo
reservou cortes nos direitos sociais e uma política de contenção
salarial, aliás muito gabada pela Comissão Europeia, ao assinalar
o sucesso do Governo na contenção da despesa pública através
do “congelamento quase total do emprego e dos salários nominais
em 2003.”
De facto, já em 2003 o aumento dos salários em Portugal foi dos
mais baixos da União Europeia.
E apesar disso, os salários no 1º trimestre deste ano, no sector
privado apenas conheceram um aumento médio de 2%!
O Governo não conhece, para equilibrar as contas públicas de outro
meio que não seja o de fazer pagar a crise a quem trabalha.
E por este caminho, o Governo continuará a amealhar um capital de queixas
contra os trabalhadores e os Sindicatos.
Porque é um dado adquirido o de que não pode haver produtividade
e competitividade com salários baixos, com trabalho sem direitos, com
o desemprego a ser utilizado como medida de equilíbrio orçamental(
Tal como destacado pela Comissão Europeia).
Desde que este Governo tomou posse, verificou-se uma aceleração
do ritmo de crescimento do desemprego. Segundo os números conhecidos,
a política deste Governo gerou 193 desempregados por dia! Mais 141.621
desempregados do que em Abril de 2002!
Na verdade, o encerramento de empresas, a sua deslocalização,
continuou a processar-se, sem qualquer medida que estancasse a verdadeira pilhagem
da força de trabalho dos trabalhadores portugueses.
Relativamente à situação dos trabalhadores, as perspectivas
são negras para o país, seja qual for a fonte das estatísticas
e dos estudos.
Quanto aos salários, a Comissão Europeia, depois de incrivelmente
e com despudor realçar o impacto atenuador do congelamento quase total
dos salários da função pública sobre as negociações
salariais no sector privado da economia, anota que o crescimento dos salários
totais por empregado deverá desacelerar de 5,5% em 2002 para 2,5% no
período 2004- 2005.
Atrás das percentagens carreadas pelas mais variadas instituições,
esconde-se a custo a realidade de um país que “entre o mar e a
terra” reconhece a política de protecção do grande
capital, que reserva, à grande maioria dos cidadãos, a fatalidade
de ser pobre, ou de estar desempregado, ou de estar contratado a prazo, ou de
ter um trabalho sem direitos.
O Código do Trabalho e a sua regulamentação, são
bem um exemplo dessa política de protecção dos grandes
interesses económicos.
As privatizações na área dos direitos sociais, como acontece
na área da saúde e da segurança social, são novos
instrumentos de acumulação de capital.
O sector financeiro conhece avultados lucros. Os lucros do Banco BPI cresceram
25% no primeiro trimestre de 2004;
O BCP vê os seus lucros subir 10% no 1º trimestre deste ano;
O Banco Finantia arrecada um pouco mais- 24%.
Este sector, o da banca e dos mercados financeiros, é aquele que tanto
preocupou o Senhor Ministro do Trabalho, aquando do anúncio das medidas
de alteração do subsídio de desemprego.
Não querem lá ver que os malandros dos trabalhadores usurpavam
ao pobre patronato, indemnizações por despedimento superiores
às legais?
Não percamos de vista o Povo, aquele cujo nome os governantes
utilizam em vão.
Privado de importantes direitos sociais, o Povo é vítima de uma
brutal escalada de preços.
Os combustíveis subiram 11% desde o início do ano, daí
resultando subida de preços de bens essenciais.
De 2002 para 2003 os preços da habitação, água,
electricidade, gás e outros combustíveis aumentaram 4%;
20% dos orçamentos familiares são gastos com a habitação.
O próprio Ministério das Finanças (DGEP) reconhece que
nos últimos anos os preços dos produtos que os consumidores adquirem
com mais frequência têm registado aumentos superiores aos da taxa
de inflação.
Assim os portugueses gastam mais com bens de 1ª necessidade do que com
outros.
Esta política é a marca do Governo que temos.
Embrulhado em rutilante papel celofane, tem no seu bojo um sorvedouro onde podemos
ouvir o sofrimento e a angústia dos que podem produzir riqueza para o
país mas são relegados para uma reserva de malditos posta à
disposição dos senhores do dinheiro. Dos mais de 2milhões
de pobres. Dos que engrossam a taxa de pobreza persistente com que ganhamos
no concerto europeu uma medalha de “(de)mérito”.
Este é um Governo de classe. Que não tem conserto na natural desconcertação
de quem elege como inevitável a exploração do ser humano.
A história evidenciará a sanha abjecta dos que acreditam que vão
continuar a dominar o mundo, responsabilizando os explorados pelas consequências
da exploração.
Enganam-se. A luta não terminou, nem chegámos ao fim da história.
E há outro caminho.
Este governo sem conserto não vai sobreviver. Porque Governa contra os
homens, mulheres e crianças que dão rosto a Portugal.
Porque não há migalhas que façam esquecer os Direitos duramente
conquistados.
Disse.