Declaração política sobre a retoma económica
Intervenção de Honório Novo
6 de Maio de 2004
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Sempre que fala em retoma, o nariz do Governo cresce como o do Pinóquio.
Desde o último trimestre de 2003 que o Governo vem anunciando a retoma ao virar da esquina.
Mas a cada semana que passa, à medida que os meses se sucedem, cada vez mais portugueses entendem quanto são falsas e ilusórias as expectativas da propaganda governamental.
Que há sinais positivos, anunciam uns!
Que o crescimento económico já começou, afirmam outros!
O afã é tão grande que o Governo até chega ao ponto – como ontem aqui o fez – de tentar fazer passar a ideia de que o desemprego já está a diminuir!
Mas a realidade é (infelizmente) outra!
E não são apenas, nem sobretudo, as estimativas económicas mundiais que desmentem e contradizem o Governo. O que mais faz ruir, como um baralho de cartas, o cenário virtual e falso que o Governo tenta construir é o dia a dia dos portugueses!
São os portugueses que sentem na carne a enorme mentira que constitui a retoma há meses anunciada pelo Governo. É o dia a dia que dá a verdadeira dimensão da “retoma do PSD/CDS”.
São quase dois milhões, os portugueses que continuam a viver no limiar dos níveis de pobreza!
São mais de duzentos mil os trabalhadores que recebem o salário mínimo nacional!
São um milhão e setecentos mil os idosos (com mais de sessenta e cinco anos) que vivem com rendimentos inferiores a 2.500 euros por ano (i.e., com menos de quinhentos contos por ano)!
Foram mais de milhão e meio os trabalhadores cujos aumentos salariais pouco passaram os dois e meio por cento num ano em que a inflação atingiu quase um ponto mais!
São cerca de 400.000 os funcionários públicos que há dois anos não recebem qualquer aumento salarial, são 300.000 aqueles que viram os seus rendimentos subir pouco mais de metade do valor da inflação.
Mas a verdade é que enquanto os salários estagnam, o poder de compra dos portugueses diminui de forma quase insuportável com os preços dos bens essenciais à vida das pessoas e da economia, que não param de subir!
É o valor médio do preço da habitação que subiu quase 10% e que até não conta para os valores “oficiais” da inflação.
São os encargos com a habitação, que subiram 4%, é o custo dos serviços de abastecimento de água que em geral e em média subiram quase 5%, é o aumento dos preços de electricidade e de gás que em conjunto se aproximam dos 4,5%.
Foram - recorde-se mais uma vez – os aumentos entre 10 e 30% no preço do pão, os aumentos de quase 4% nos transportes públicos, ou as subidas das taxas moderadoras entre 30 e 40%!
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
O Governo anunciou e fez aprovar um cenário para este ano baseado numa estimativa média de 2% para os aumentos de preços.
De novo a vida está a desmentir o Governo!
Veja-se só o que está a acontecer com os combustíveis.
Desde Janeiro deste ano, momento em que o Governo liberalizou o sector, que o preço do gasóleo e da gasolina não pára de subir!
Desde que, na altura, o Ministro da Economia e o Governo anunciaram a diminuição dos preços finais dos combustíveis, estes já subiram quase dez vezes numa espiral que conduz a um aumento de cerca de 10% em quatro meses.
Logo no primeiro dia da liberalização – a 2 de Janeiro – sem ter na altura ocorrido qualquer aumento do preço do crude, sucedeu a primeira subida dos preços de venda dos combustíveis.
O Ministro da Economia e o Governo têm tentado atirar para cima do aumento do preço do petróleo a causa primeira e única do aumento de preço dos combustíveis.
De forma deliberada, o Governo procura ocultar que os preços do crude, em Março de 2004, foram semelhantes aos preços de Março de 2003; procura escamotear que a mais recente depreciação do euro deixa para trás uma indesmentível e significativa valorização face ao dólar que ocorreu durante meses e meses sucessivos; procura, finalmente, que não se recorde que muitos dos contratos de aquisição do crude que hoje nos é vendido nos postos de abastecimento resulta de negociações concluídas há muitos meses quando o petróleo estava quase a preços de “saldo”.
O que o Governo pretende esconder é a sua atitude demissionária face à actuação concertada das duas/três empresas petrolíferas que estão a aproveitar a conjuntura para cartelizar (ou no mínimo concertar) preços e fazer disparar lucros.
O que o Governo pretende na realidade ocultar dos portugueses é o aumento do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos que está a impor desde Janeiro de 2004 e que é uma das causas absolutamente inequívocas do aumento do preço dos combustíveis!
As repercussões dos aumentos dos combustíveis na inflação estão à vista. Os resultados práticos de mais um dos paraísos anunciados com a liberalização dos mercados caem agora sobre as costas dos portugueses.
E não são apenas as pressões para novos aumentos de transportes que estão na ordem do dia.
É, será sobretudo, o aumento generalizado de custos que a subida dos combustíveis irá certamente acarretar, com consequências profundamente negativas na economia portuguesa e na sua competitividade.
É, será sobretudo, uma nova tentativa para fazer de novo pagar aos portugueses, sobretudo aos mais desfavorecidos, a factura da passividade do Governo perante um problema que exigiria a intervenção governamental.
É, será sobret6udo, o agravar ainda mais insustentável das injustiças sociais.
É, será sobretudo, e de novo, a tentativa do Governo lavar as mãos como Pilatos de um problema que exige que o Governo não continue a acarinhar os lucros dos oligopólios e a fazer suportar o deficit orçamental com a exploração e o empobrecimento do País.
Mas é e será também a necessidade de desenvolver movimentos de opinião que travem esta política e que derrotem a maioria governamental que a suporta e cuja continuação ensombra o presente e o futuro de Portugal.
Disse.