Declaração Política sobre mais uma mão cheia de privatizações
Intervenção de Lino de Carvalho
11 de Março de 2004

 

Sr. Presidente,
Senhores Deputados,

No último debate mensal o Primeiro-Ministro veio anunciar mais uma mão cheia de privatizações. Sem cuidar sequer da sua racionalidade ou necessidade para a economia do País. Unicamente porque se perfila no horizonte mais uma vaga especulativa na bolsa, porque os interesses privados reclamam cada vez mais a transferência de recursos públicos, porque a Ministra das Finanças quer arrecadar receita a todo o preço, mesmo que seja à custa do afundamento da economia.

Deve ter sido pela excitação que criou o anúncio do Primeiro-Ministro que temos visto sucederem-se disparates atrás de disparates ao nível dos comissários políticos do Governo em várias empresas públicas, nomeados, ao que parece, com um único objectivo: descredibilizar a capacidade de gestão pública preparando o caminho para as respectivas privatizações.

Desde logo na TAP onde está em curso a alienação do sector de assistência em escala, o handling. As sucessivas declarações do Eng.º Cardoso e Cunha, poderiam ser classificadas somente de absurdas e insólitas, se não constituíssem actos gravíssimos que lesam o património público. Afirmar perante a divulgação de eventuais resultados positivos da empresa em 2003 que tal constitui “um acto hostil à TAP” expressa bem a dimensão dos objectivos que orientam o comissário Cardoso e Cunha. Deve ser caso único no mundo que o Presidente do Conselho de Administração de uma empresa se mostre irritado pela sua empresa apresentar lucros. Mas isto não acontece somente por causa da intolerável arrogância e incompetência de Cardoso e Cunha. Os interesses inconfessáveis são outros. E prendem-se com os objectivos de desmantelamento e privatização da TAP bem como da continuação de uma política de despedimento dos trabalhadores. A TAP, enquanto empresa pública, imagem do País, tem sido alvo nos últimos anos das maiores tropelias, incompetências e jogos políticos conduzido por sucessivos Governos que a levaram a uma situação de instabilidade e de desequilíbrio financeiro em resultado de uma estratégia visando a sua privatização a todo o custo. Todos estamos recordados da celebremente falhada parceria estratégica com a Swissair para a concretização da qual era vital a privatização da TAP. Onde estaria a TAP hoje se esse processo irresponsável não tivesse sido sustido!!!

Veio o Governo do PSD/CDS-PP que nomeou desde logo um dos seus boys, o Eng.º Cardoso e Cunha para Presidente do Conselho de Administração e cuja única orientação recebida da tutela foi, segundo o próprio, privatizar a TAP. A verdade é que com a participação e enorme sacrifício dos trabalhadores, que durante os últimos quatro anos não viram os seus salários aumentados como contributo para a recuperação da empresa, a TAP tem vindo a melhorar, passando de resultados negativos há dois anos, de 122 milhões de euros, para anunciados resultados contabilísticos positivos, em 2003, na ordem dos 26 milhões de euros. E isto ainda por cima num período nada favorável à aviação civil. Pois bem, a evolução positiva de uma empresa pública desagrada profundamente aos evangelistas das privatizações, vendilhões do templo, para quem tais resultados põem a causa a doutrina de que empresa pública é necessariamente ineficaz e só terá resultados positivos nas mãos do capital privado. Não foi isso que ouvimos recentemente aos pregadores reunidos no Convento do Beato? Ora foi precisamente isto que irritou um dos seus, o Eng.º Cardoso e Cunha. É que tais resultados não jogam com a sua estratégia (e a do Governo) de desmantelamento da TAP para a vender aos bocados; nem jogam com as suas insistentes pressões para que mais e mais trabalhadores sejam despedidos. Foi, aliás, o mesmo Cardoso e Cunha, presidente da TAP em representação do accionista Estado, que ainda recentemente, numa conferência realizada na Ordem dos Economistas, criticou o próprio Estado por ser mau accionista, sem que nada lhe acontecesse. O Presidente do Conselho de Administração da TAP só tem criado dificuldades à recuperação da TAP. É factor de instabilidade. Ele, sim, comete permanentemente, actos hostis contra a transportadora nacional enquanto empresa pública.

Ora, o Governo não pode ficar silencioso perante estes acontecimentos, lavando as mãos como Pilatos. O Ministro Carmona Rodrigues há muito que deveria ter intervido demitindo o Eng.º Cardoso e Cunha. É isso que se impõe neste momento: a demissão imediata do Presidente do Conselho de Administração da TAP, a clarificação do que é que o Governo pretende como futuro para a TAP, sob pena de ser cúmplice de uma estratégia de desestabilização, de desequilíbrio e de novos conflitos na empresa, que se deve manter no sector público ao serviço de Portugal e não dos interesses privados, amigos de Cardoso e Cunha, que há muito se preparam para assaltar a Transportadora Aérea Nacional.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

A Companhia das Lezírias é outra das empresas que o Governo pretende privatizar. 20.000 hectares da melhor terra produtiva agrícola do País, objecto há muito da especulação imobiliária. Por 100 milhões de euros propõe-se desmantelar e privatizar uma das poucas empresas públicas do sector agrícola quando o único caminho sério e sensato é o da sua manutenção no sector público, como uma exploração modelo, servindo de exemplo para uma agricultura moderna, tirando partido das suas elevadas potencialidades agrológicas, dando resposta às necessidades do País, abrindo espaço para os pequenos agricultores e rendeiros. Mas não, o Governo prefere irresponsavelmente entregar as ricas lezírias do Tejo ao lobbie da construção civil, perante a demissão cúmplice do Ministro Sevinate Pinto.

Também os estratégicos sectores da energia e das águas estão na mira da paranóia privatizadora do Governo e dos interesses que vinham reclamando que o processo fosse acelerado. EPAL, EDP, Rede Eléctrica Nacional, Galp e até o recém-criado Operador do Mercado Ibérico de Electricidade, sectores essenciais à satisfação de necessidades básicas dos cidadãos, que caiem na esfera dos interesses da própria soberania nacional. E cujo processo de privatização onde já se consumou, tem levado ao aumento dos preços dos bens fornecidos aos portugueses, à degradação da qualidade do serviço prestado e, nalguns casos, à entrega de decisões estratégicas a empresas multinacionais. Mas poderíamos também falar nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, empresa detentora de elevadas capacidades tecnológicas, com recursos humanos altamente qualificados, com mercado assegurado, essencial à indústria aeronáutica e à própria defesa nacional.

Ou os CTT, cujo Presidente do Conselho de Administração, Carlos Horta e Costa, afirma também que o seu objectivo é preparar a privatização dos serviços públicos postais e para isso vai eliminando postos de trabalho e encerrando estações de correio por todo o País, já na lógica de que não são financeiramente rentáveis e portanto tornam menos apetecível o processo de privatização, penalizando populações inteiras, em geral as mais isoladas e as mais carenciadas.

Ou a Portucel, cujo único resultado visível é o aumento das mais valias bolsistas do Grupo SONAE e o sério perigo de vermos desmantelada a fileira florestal e o sector da pasta e do papel com o seu domínio a ser tomado por interesses estranhos às necessidades do País.

Mas dentro das próprias empresas públicas o panorama em matéria de gestão e de potencialização das sinergias existentes em cada sector de actividade é preocupante.
Um exemplo recente é da situação absurda existente entre a REFER e a RAVE. A primeira confessa que perante a falta de pagamento das indemnizações compensatórias devidas pelo Estado tem que se transformar em promotor imobiliário alienando terrenos que poderiam ser utilizados para a alta velocidade. A segunda lamenta-se que a REFER esteja a conduzir os seus investimentos de modernização e reestruturação das estações e das vias sem ter em conta e sem nenhuma articulação com as necessidades da Rede de Alta Velocidade. Sendo que ainda por cima o Presidente da Administração das duas empresas é uma e a mesma pessoa!!! E também aqui ecoa o ensurdecedor silêncio do Ministro da tutela. É o Portugal no seu melhor. Como também poderíamos falar nos permanentes desentendimentos entre a CP e a REFER. Aliás, somente quatro meses depois de tanta pompa e circunstância na Cimeira Ibérica da Figueira da Foz em que o Primeiro-Ministro anunciou o megalómano projecto da construção de seis linhas de alta velocidade vem agora a público que afinal só duas linhas estão asseguradas. Mas afinal com que sustentação, com base em que estudos é que o Primeiro-Ministro de Portugal anuncia investimentos estratégicos de tão elevado valor? Que muitos destes anúncios são propaganda política já o sabíamos. Mas com isso o Primeiro-Ministro e o Governo dão uma imagem de irresponsabilidade, leviandade e ligeireza nas suas decisões, ao sabor dos caprichos e interesses mediáticos de cada momento, transmitindo a imagem de um País de opereta. E, por isso, devem ser severamente condenados.


Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

A política do Governo está a conduzir o País a uma crise sem precedentes. Aí estão os últimos dos dados do INE, com uma quebra do PIB, em 2003, de 1,3%, sexto semestre consecutivo com o Produto a cair, desmentindo fragorosamente a propaganda da retoma.

Mas a irracional política de privatizações está a desmembrar o aparelho produtivo nacional, a promover um gigantesco desperdício de recursos, a aprofundar ainda mais a crise da economia, a fazer com que o País perca condições de competitividade, a contribuir decisivamente para o aumento do desemprego.

É uma política que tem urgentemente de ser sustida. Não por outra que, nesta matéria prossiga as mesmas orientações fundamentais, como no passado. Mas por uma política alternativa que promova a modernização da economia nacional, que não destrua o sector público e aproveite as suas potencialidades e sinergias, que acrescente valor acrescentado à produção nacional, que melhore as condições de gestão das empresas e de formação e qualificação dos recursos humanos, que aposte na educação, na ciência, na investigação. É este o caminho, tal como hoje mesmo milhares de trabalhadores em todo o País também exigem, numa jornada de luta que daqui saudamos. É por ele que nos batemos.

Disse.