Debate mensal do Primeiro-Ministro com a Assembleia da República
Pergunta de Lino de Carvalho
27 de Fevereiro de 2004

 

Sr. Primeiro-Ministro,

Ontem, fiz uma pergunta ao Sr. Ministro Marques Mendes, no debate sobre o PEC, a que o Ministro dos Assuntos Parlamentares não respondeu pelo que recorro a si para que, finalmente, consiga perceber a orientação do Governo em matéria de Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Na acta da já célebre reunião do ECOFIN de 25 de Novembro pode ler-se que a Comissão Europeia apresentou uma proposta ao Conselho, ao abrigo do art.º 104º do Tratado, para ser dado início a um procedimento por défice excessivo contra a França e a Alemanha por violação do Pacto. E o que sucedeu a essa proposta? Lê-se na respectiva acta: “Com os votos a favor da Bélgica, da Grécia, da Espanha, dos Países Baixos, da Áustria e da Finlândia não foi alcançada a maioria necessária para aprovar a decisão, pelo que a mesma não foi aprovada”. Isto é, Portugal, através da Ministra das Finanças, colocou-se – e bem, embora por razões de oportunidade política – ao lado daqueles que defenderam a não aplicação das regras e das sanções previstas no Pacto, sancionando assim a sua violação por parte da França e da Alemanha.

Para nosso espanto soubemos, na semana passada, que o Primeiro-ministro de Portugal subscreveu um abaixo-assinado, proposto pelo Governo espanhol e de acordo com os interesses estratégicos de Espanha, remetido à Presidência da União Europeia, reclamando o cumprimento rigoroso do Pacto.

Não sabendo se esta carta constitui também uma crítica à Dra. Manuela Ferreira Leite, a minha pergunta é simples: Senhor primeiro-ministro, em que é que ficamos? Qual é a verdadeira orientação do Governo português nesta matéria, para lá da subserviência aos interesses do Governo conservador de Espanha?

Eu sei que logo nos dias a seguir ao Conselho do Ecofin o Senhor Primeiro-ministro e a senhora Ministra das Finanças procuraram fazer passar uma versão diferente do que se passou no Conselho, o que convenhamos é uma atitude feia.

O comportamento do Governo nesta matéria faz lembrar aqueles miúdos traquinas que lançam uma pedra e depois escondem a mão.

Eu percebo o incómodo do Governo. Ao constatar que a sua posição no ECOFIN foi completamente contraditória com a política que segue em Portugal e com os sacrifícios que impõe aos portugueses para o cumprimento fundamentalista do Pacto, enredado no seu comportamento errático, nas contradições em que caiu e na perplexidade que suscitou entre os portugueses o Governo tentou, à pressa dar o dito por não dito, metendo os pés pelas mãos e assinando agora uma carta contrária aos interesses nacionais. Foi pior a emenda que o soneto.

Então, senhor Primeiro-ministro, num momento em que a própria Comissão Europeia se viu obrigada a reconhecer a necessidade de avaliar as condições de aplicação do Pacto, num momento em que a Europa se agita com vista a encontrar-se um outro instrumento de coordenação da política monetária mais inteligente, mais flexível, mais adaptado à necessidade de ter em conta as questões colocadas pelo crescimento económico, o Primeiro-ministro de Portugal, a reboque, por razões da sua família politica europeia, da Espanha, assina uma carta reclamando inflexibilidade. Isto é incompreensível. E no mínimo é irresponsável. Quer o senhor Primeiro-ministro explicar-nos esta embrulhada? Nós agradeceríamos!