Programa de Estabilidade e Crescimento para o período
de 2004-2007
Intervenção de Lino de Carvalho
4 de Fevereiro de 2004
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,
A primeira interrogação que este debate sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento para 2004-2007, proposto pelo Governo, suscita é o de se saber para que é que serve: o Governo já o entregou à Comissão Europeia em Dezembro, não teve o cuidado de, pelo menos, ouvir antes os partidos da oposição e muito menos de o trazer previamente a debate na Assembleia da República e, só depois, tendo percebido que sobre si recairia o ónus de não dar livre curso a diversificados apelos ao consenso em matérias estratégicas, veio, apressadamente, propor este debate sobre um facto consumado. Afirmar, agora, que podem ser apresentadas propostas de alterações à Comissão Europeia até 10 de Fevereiro é obviamente um argumento para esconder este simulacro de debate. Admitimos até que possam ser apresentadas tais alterações mas sobre os detalhes e não sobre o essencial. Só que é o essencial que está posto em causa, não os pormenores. Estamos, pois, perante um debate sem qualquer sentido prático.
Em segundo lugar é preciso compreender a natureza do documento: trata-se de orientações para os próximos 4 anos, actualizáveis anualmente, em matéria de finanças públicas, de política económica e sobre o papel do Estado em matéria de funções sociais. São questões de fundo, é o modelo de desenvolvimento do País que está proposto, e nesse aspecto, é preciso que se diga com toda a clareza, que não há, não pode haver, nem é desejável que haja consensos, ou falsos consensos. A direita está no poder, tem maioria para governar, assuma as suas responsabilidades pelas opções que propõe. A oposição tem o estrito dever de intervir no debate, apresentando as suas alternativas. É aos portugueses que compete optar e lutar por uma alternativa diferente, se assim o entenderem. Aqui, seguramente, não é terreno para a afirmação de ilusórios unanimismos ou equívocos consensos. Este é o terreno privilegiado para a afirmação de políticas alternativas. É desse confronto democrático que devem nascer as melhores soluções para o País. É desse confronto que se enriquece a própria democracia. É isso que é natural e não o contrário. Aliás, o País está a especializar-se em equívocos Manifestos, que se revelam vazios, impraticáveis, sem sentido. Foi o Manifesto dos 40 sobre a defesa dos centros de decisão nacionais. Mas os que os assinam não questionam os fundamentos das políticas económicas que dão origem às suas preocupações e são os primeiros a vender as suas empresas e a zarparem para outras paragens. Foi o Manifesto sobre a Educação como se fosse possível chegar-se a um qualquer consenso numa matéria em que o Governo tem privilegiado a desresponsabilização do Estado, tem desvalorizado a escola pública, tem promovido a diminuição da qualidade do ensino. Agora é o Manifesto sobre as Finanças Públicas, em que estão claramente em confronto teses assentes na chamada política de estabilidade de preços, de privilégio às opções monetaristas e neo-liberais defendidas pelos evangelistas do mercado (que são as opções do Governo) e opções que privilegiam um desenvolvimento equilibrado, com o reforço do aparelho produtivo, com uma melhor repartição do rendimento, com mais emprego, com mais investimento, com mais dotações para a formação e a I&D, com a presença do Estado e de políticas públicas nas funções sociais mas também na economia.
Mas o que é certo é que mesmo quando há algum consenso sobre tal ou tal matéria, o Governo não o cumpre. Em Janeiro passado a Assembleia aprovou a Resolução n.º 7/2003 referente à revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2003-2006. Alguns dos seus pontos até foram aprovados por unanimidade. Mas a verdade é que o texto definitivo que o Governo apresentou à Comissão Europeia foi praticamente idêntico à versão provisória ignorando afrontosamente, como, aliás, prevenimos então, os aspectos que foram aprovados por propostas da oposição. Foi seguramente um bom aviso para os incautos e defensores de consensos a todo o preço.
Ora, o Programa que o Governo agora nos apresenta não tem, substancialmente, nenhuma diferença do anterior à parte a enésima rectificação, em baixa, dos cenários macroeconómicos, que cada vez merecem menos credibilidade. O objectivo da consolidação das finanças públicas continua a assentar unicamente no lado da despesa: redução do peso da despesa pública no PIB bem como nas áreas da saúde e da educação, diminuição das responsabilidades do Estado face aos sistemas de segurança social, reforma da Administração Pública visando a privatização de uma parte das suas funções em prejuízo dos seus trabalhadores e da qualidade dos respectivos serviços, alargamento do espaço para as privatizações, designadamente nas áreas sociais. Os resultados desta opção estão bem à vista: recessão, quebra dos salários reais dos trabalhadores e redução do rendimento disponível das famílias, contracção do mercado interno, perda de quotas no mercado externo, diminuição do investimento, aumento das falências, disparo do desemprego – 9,4% da população activa. E tudo isto nem sequer se tem traduzido numa melhoria sustentável das finanças públicas que estão na maior crise de há muitos anos. O défice real de 2003 é, como sabemos de 5% e não 2,9%!!! Nem numa aproximação à União Europeia. São, no mínimo, quatro anos de divergência.
Acontece, porém, que enquanto o Governo apresenta o seu PEC, obsessivamente subordinado ao critério do défice, toda a Europa se prepara para debater e procurar alterar o próprio Pacto, que está na base de todo este quadro. É, por isso, que este debate hoje é pouco mais que absurdo. O que a Assembleia e o Governo deveriam estar empenhados, neste momento, seria o de contribuírem para, no mínimo, contribuírem para a revisão do actual modelo do Pacto, aproveitando as condições favoráveis para isso surgidas a partir do Conselho Ecofin de 25 de Novembro e da própria decisão da Comissão Europeia de 13 de Janeiro passado onde, apesar de uma excepcional timidez, esta afirma a necessidade de “conciliar uma disciplina mais rigorosa com a flexibilidade na condução das politicas orçamentais nacionais”, reconhecendo implicitamente o falhanço do actual modelo. Aqui, sim, valeria a pena tentar convergirmos sobre o modelo de um novo instrumento de coordenação das políticas monetária e orçamental para a União Europeia.
Já no Programa Eleitoral para as Legislativas de 2002 o PCP defendia, a par de “uma politica de rigor e verdade nas finanças públicas” a necessidade da “suspensão e revisão do Pacto de Estabilidade tendo em conta as condições, especificidades, níveis de desenvolvimento e necessidades de recurso à despesa pública para efeitos de investimento nas áreas económicas e sociais de cada País”, como condição para a concretização de uma politica de convergência real com a União Europeia. Neste sentido apresentámos, aliás, há um ano, o Projecto de Resolução 77/IX.
Hoje, face aos factos entretanto ocorridos, mais se impõe o debate e a luta por esse objectivo. Não nos demitindo das nossas responsabilidades também agora apresentamos um novo Projecto de Resolução com as seguintes orientações fundamentais:
• Recomendação ao Governo para que retire o Programa de Estabilidade e Crescimento para 2004-2007, substituindo-o por outro que resulte de debate na Assembleia da República e que vise a articulação da sustentabilidade das finanças públicas com objectivos de desenvolvimento do País através do reforço do investimento produtivo de qualidade; do aumento das receitas públicas com o alargamento da base tributária aplicando o princípio de que todo o rendimento deve ser tributado e lançando um verdadeiro e eficiente combate à fraude, evasão e elisão fiscais e à fuga de contribuições para a Segurança Social; reduzir as despesas correntes não essenciais; combater as despesas excessivas na multiplicidade de estruturas paralelas do Estado e da Administração Pública e, em particular, nos Hospitais SA, reintegrando-os no Sector Público Administrativo; restringir as despesas nos gabinetes dos membros do Governo; disciplinar a transferência de recursos do sector público para o sector privado e suspender os processos de privatizações; promover a reorganização e modernização da Administração Pública, com o envolvimento e participação dos seus trabalhadores, visando a melhoria da sua eficiência e da qualidade dos serviços prestados aos cidadãos bem como a valorização, qualificação e remuneração dos respectivos funcionários; atribuir prioridade à afectação de recursos orçamentais na área da educação, da formação e qualificação dos recursos humanos, em I&D, na Justiça, na Saúde e Segurança Social.
• Afirmar a necessidade da substituição do actual Pacto de Estabilidade e Crescimento por um outro instrumento de coordenação das políticas monetária e orçamental que abandone o critério de um valor fixo do défice admitindo variações entre intervalos a determinar que tenham em conta os níveis de desenvolvimento e de necessidade de investimento de cada Estado-membro; que conceda uma maior importância ao critério da dívida pública; que preveja a exclusão do cálculo do défice das despesas com investimento reprodutivo e de qualidade e das despesas com I&D visando o desenvolvimento e a modernização do aparelho produtivo bem como das despesas necessárias para fazer face a situações de emergência resultantes de catástrofes naturais; que integre objectivos de convergência real das economias, de coesão social e de criação de emprego; que preveja a sua flexibilização para poder ser utilizado como instrumento de políticas anti-cíclicas;
• Pronunciar-se pela necessidade do Governo não apresentar à Comissão Europeia nenhum Programa de Estabilidade e Crescimento nem os seus contributos para a revisão do Pacto sem prévio debate na Assembleia da República;
• Manifestar-se pela necessidade de serem estabelecidos, no processo orçamental, objectivos de base plurianual.
Este é contributo responsável do PCP para um novo rumo que garanta o desenvolvimento do País, a melhoria das condições de vida dos portugueses, um real processo de convergência com a União Europeia.
Disse.