Programa de Estabilidade e Crescimento para o período de 2004-2007
Intervenção de Bernardino Soares
4 de Fevereiro de 2004

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,

Num tempo em que a memória política vai escasseando importa lembrar alguns factos importantes.

O primeiro é que não foi desde hoje ou desde há poucos dias que o PCP vem criticando a irracionalidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento e a sua desadequação não só face à conjuntura económica, mas sobretudo em relação às necessidades de desenvolvimento e progresso do país.

Em Outubro de 2001 foi discutida neste Plenário uma proposta do PCP de suspensão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, chumbada por PS, PSD e CDS, que continuavam a defender um Pacto que já na altura a todos se afigurava como impraticável. O Governo PS, na altura pela voz do Sr. Deputado Guilherme d’Oliveira Martins, falava ainda de uma leitura inteligente do Pacto, e dos programas nacionais nele assentes, perante a evidente insanidade de metas orçamentais como a do défice zero em 2004.

É preciso lembrar também que as regras do Pacto de Estabilidade e dos programas de estabilidade e crescimento fundamentam políticas orçamentais, económicas e sociais prejudiciais ao país. O compromisso com estes instrumentos é o compromisso e a responsabilização pelas políticas a que eles obrigam; é o compromisso com o insuficiente investimento público, com a redução dos recursos para políticas sociais, com o adiamento de medidas de desenvolvimento económico e social.

A questão do Pacto de Estabilidade está aliás intrinsecamente ligada ao modelo de União Europeia que queremos. Queremos uma União Europeia em que vigore a igualdade soberana entre Estados membros, que privilegie a coesão económica e social e uma convergência real das economias e das sociedades, o que é incompatível com a imposição de um modelo pouco sensível às diferentes necessidades de desenvolvimento como é o do Pacto.

Não aceitamos que se confundam coisas que são diferentes.

Há uma diferença substancial entre defender o rigor e o equilíbrio das finanças públicas e defender as regras do Pacto de Estabilidade e a sua deriva monetarista.

Há uma diferença substancial entre a existência de um instrumento de coordenação da política monetária e orçamental, perante a existência de uma moeda única, e a aplicação de um espartilho rígido a todos os países, ignorando os seus diferentes graus e necessidades de desenvolvimento, e a todas as conjunturas económicas, sejam elas expansivas ou recessivas.

Há uma diferença substancial entre consolidar as finanças públicas combatendo o desperdício e a má utilização dos recursos públicos e aumentando as receitas fiscais, designadamente através do combate à fraude e evasão fiscal, e limitar a política orçamental ao corte cego na despesa, designadamente no investimento reprodutivo, sem qualquer medida significativa do lado da receita.

Este debate não é um debate sobre questões esotéricas ou distantes de consequências práticas na vida dos portugueses. Este debate tem a ver com a vida dos portugueses. Porque a submissão do país, às políticas fundadas no Pacto teve consequências.

Teve consequências na imposição de uma errada contenção salarial e das despesas sociais, no prosseguimento de uma irresponsável política de privatizações e de venda do património do Estado ou ainda na limitação dos instrumentos ao dispor do país para promover o desenvolvimento económico sustentado.

O Pacto, as suas sequelas e os que os sustentaram ao longo destes últimos anos, são responsáveis pela manutenção do atraso estrutural do país e pela manutenção de condições de vida mais degradadas para os portugueses.

A política do Governo PSD/CDS fortemente condicionada pela questão orçamental, agravou a crise económica, promoveu a crise social e será responsável pela demora no retomar do crescimento económico, e pelo vigor reduzido que provavelmente terá entre nós.

Por isso não é suficiente limitar o debate ao programa de estabilidade e crescimento até 2007, aliás já entregue pelo Governo. Nem é útil uma discussão enredada em apelos a consensos que muitas vezes escondem a intenção de manter o mesmo tipo de política orçamental até aqui seguida.

O Governo não pode continuar a alhear-se do debate que de facto está em curso na Europa sobre a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Não pode continuar à espera do lançamento mais formal desta discussão. Um Governo empenhado em defender o interesse nacional não precisa de luz verde de Bruxelas para o fazer. Um Governo que verdadeiramente queira defender o país nesta matéria teria de ser capaz de apresentar aqui os objectivos que propõe para a revisão do Pacto.

Ao não fazê-lo, o Governo deixa entrever que vai continuar a aceitar o quer vier, abdicando da defesa firme do interesse nacional.

Disse.