Mensagem do Presidente
da República
Intervenção de Lino de Carvalho
15 de Janeiro de 2004
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
O significado da mensagem que o Presidente da República decidiu enviar ontem ao Parlamento vale por si mesmo. Porque o simples facto do Presidente ter-se sentido na necessidade de se dirigir à Assembleia para expressar as suas preocupações sobre os rumos da política orçamental, facto inédito na democracia portuguesa, constitui, por si mesmo, a mais severa censura às orientações que o Governo tem imprimido, nesta matéria, à sua política.
Não é que as reflexões contidas na mensagem presidencial constituam, na sua substância, novidade para o PCP. Mas o facto de ter sido, agora, o Presidente a assumi-las tem um relevantíssimo significado político.
Desde logo são completamente verdadeiros os principais sublinhados na mensagem presidencial: “que o desequilíbrio estrutural das finanças públicas tem de ser corrigido de forma gradual e sustentada”; “a necessidade de aumentar a margem de manobra da política de estabilização macroeconómica, sem o que continuaremos, no futuro, a ter dificuldades em lidar com conjunturas económicas nacionais e internacionais desfavoráveis”; “a necessidade de uma adequada revisão do Pacto” e que, “em termos internos, o tratamento agora dado àqueles dois países – França e Alemanha – pode tornar menos necessário recorrer a medidas orçamentais extraordinárias”;”ninguém espera que medidas de contenção da despesa corrente de natureza transitória e receitas extraordinárias …possam apoiar uma consolidação orçamental duradoura e consequente”; ou que “para baixar o défice público, sacrificando o menos possível despesas sociais indispensáveis e os investimentos públicos produtivos necessários ao desenvolvimento do país, impõe-se eliminar despesas supérfluas e racionalizar as restantes em todas as Administrações Públicas e, em simultâneo, combater a fraude e a evasão fiscais”; evitar “que, no movimento de controlo da despesa se sacrifiquem critérios elementares de justiça social ou se tomem medidas penalizadoras da própria qualidade da Administração Pública”; que o aumento da eficiência fiscal impõe “o reforço da “Administração Fiscal”; a não dissociação do esforço de consolidação orçamental com a “necessidade de manutenção de responsabilidades por parte do Estado, quer na área da protecção social, quer em termos de investimento público” ou o próprio apelo à necessidade de se avançar para um Orçamento de base plurianual.
Ora isto tudo é exactamente o contrário do que o Governo tem vindo a fazer. É por isso que nem com toda a boa vontade se vislumbra a base para o golpe de rins do Primeiro-Ministro e do Ministro Marques Mendes ao afirmarem ontem que o Governo está em sintonia de posições com a mensagem presidencial. Sei que era pedir-lhes de mais para que enfiassem a carapuça. Mas é preciso muito descaramento para lerem exactamente o contrário do que está na mensagem.
Então não é verdade, senhores deputados, que se não fossem as receitas extraordinárias o défice orçamental estaria, em 2003, na ordem dos 5,3% e que o mesmo se vai repetir em 2004!? E que, quando o Pacto de Estabilidade se desmorona, o Governo de Portugal insiste no seu cumprimento cego e não põe em cima da mesa da União Europeia a necessidade da sua profunda revisão!? E que chegámos ao fim de 2003 a rondar o meio milhão de desempregados (9,4% da população activa) valor que vai aumentar em 2004!? E que, pelo quarto ano consecutivo, os trabalhadores perdem poder de compra!? E que está em marcha um programa de desvalorização e ataque aos direitos sociais e laborais de quem trabalha (redução do subsídio de desemprego, cortes no rendimento social de inserção, diminuição do subsidio de doença, ataque ao valor das pensões - cuja recente promulgação pelo Presidente da República do diploma sobre as pensões antecipadas da Administração Pública merece, aliás, a nossa severa crítica – descapitalização da Segurança Social Pública e drástica redução dos níveis de protecção social, ataque aos direitos das Comissões de Trabalhadores e às capacidades de intervenção do movimento sindical como se pode verificar na proposta de regulamentação do já muito negativo Código do Trabalho)!? E que os cortes no investimento público estão a agravar os efeitos da desaceleração económica global e são, em grande medida, responsáveis pela recessão em que o País mergulhou!? E que os cortes cegos na Administração Pública, cujos trabalhadores foram eleitos como adversários a abater, estão a levar céleremente a uma diminuição da qualidade da Administração Pública!? E que nenhumas medidas efectivas de combate à fraude, elisão e evasão fiscal foram adoptadas, bem pelo contrário!? E que se agravam seriamente no País as desigualdades sociais!? E que o economicismo e o objectivo do lucro que foram introduzidos nos cuidados de saúde estão a levar a uma discriminação dos portugueses de menores rendimentos!? E que se está a assistir a uma degradação do ensino público?
E, então, não é verdade também que o clima de incompetência, superficialidade, compadrio, favorecimentos em causa própria de altos responsáveis do Estado e do Governo, está a arrastar o País para uma atitude de quebra de exigência de qualidade e de rigor, de laxismo, de seriedade nos comportamentos sociais, infiltrando-se na própria credibilidade das instituições democráticas!?
Claro que tudo isto é verdade, senhores deputados. E é por o ser que o Presidente da República tem razão. Como nós temos quando há muito criticamos as orientações da política do Governo.
Neste quadro, a não ser com uma política diametralmente oposta, não vemos como seja possível chegar a um qualquer consenso. A demonstrá-lo está aí o Programa de Estabilidade e Crescimento para 2004-2007, apresentado pelo Governo à Comissão Europeia, sem nenhum debate prévio com o Parlamento, sem nenhum esforço de diálogo com os partidos da oposição, que se traduz num documento ainda pior que o anterior e onde ainda está mais evidenciado o distanciamento progressivo em relação às médias de crescimento da União Europeia.
Que há alternativas está também implícito na mensagem presidencial. Mas importa dizer, para o futuro, que essas alternativas não podem ser construídas mantendo o essencial das mesmas orientações de política económica e orçamental que hoje tanto são criticadas.
Da nossa parte, PCP, estamos sempre disponíveis e empenhados em percorrermos um caminho alternativo comum de estratégias e medidas que conduzam a um Portugal mais desenvolvido, mais próspero, com mais justiça social, onde o Estado não se demita das suas responsabilidades no plano económico e social. Mas isso não é, seguramente, com este Governo e com esta política.
Disse.