Conferência Intergovernamental da União Europeia e iniciativas no sentido da reforma da Administração Pública e do combate à evasão fiscal
Intervenção de Bernardino Soares
17 de Setembro de 2003

 

Sr. Presidente, Srs. Deputados

Tm razão o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares quando refere que, sobre a questão europeia, o debate e o esclarecimento são indispensáveis. Entendo essa afirmação como um certo mea culpa pelas responsabilidades que o partido que o Sr. Ministro integra tem tido na não existência desse debate e desse esclarecimento quando, noutros momentos, fatias importantes da nossa soberania foram transferidas para a União Europeia e em que, ou recusando ou inviabilizando na prática, por este ou aquele expediente, nunca houve possibilidade de o povo português se pronunciar cabalmente e com consequências sobre o comprometimento do Estado português na questão europeia, na evolução da União Europeia.

Portanto, este é certamente um mea culpa.

Agora vamos ver se tem consequências.

A questão que se coloca, estando de acordo com a necessidade de debate e de esclarecimento, é a de saber que consequências o Governo está disposto a retirar do pronunciamento dos portugueses. O que queremos saber é se estamos perante uma vontade de debate, certamente útil mas sem consequências práticas, porque o Governo não alterará a sua posição ou tomará a posição que muito bem entender, ou se o Governo julga que este debate e o eventual referendo devem ser feitos de forma a que a opção dos portugueses condicione a opção do Estado português no âmbito da União Europeia.

Esta, sim, é que é a questão fundamental.

Sobre a reforma da Administração Pública, o Sr. Ministro utilizou a técnica — já conhecida — de falar em duas ou três benfeitorias óbvias para justificar uma série de outras questões menos positivas (veja-se a questão da limitação de mandatos dos altos dirigentes e tudo o mais). Mas, o que o Governo propõe, quando fala em abolir os burocráticos concursos, é a substituição dos concursos burocratizados pelas nomeações partidárias e desburocratizadas. Essa é a opção que o Governo toma nesta matéria.

A Administração Pública tem, como um dos seus princípios fundamentais, as suas autonomia e independência, o que depende de vários factores, como seja, por exemplo, a autonomia dos seus dirigentes e de processos não vinculados politicamente para a sua escolha, bem como a autonomia e a protecção dos seus trabalhadores, que devem ter um vínculo que lhes permita desempenhar as suas funções com segurança e não estar sujeitos a esta ou aquela alteração política, a esta ou aquela mudança de Governo ou de direcção dos seus departamentos. Estas são duas condições indispensáveis para a autonomia e a independência da Administração Pública, que é uma trave essencial de um Estado democrático.

Finalmente, Sr. Ministro, estranhei a sua intervenção sobre a evasão fiscal, depois de ter sido anunciado um relatório de uma entidade internacional em que se apontava como primeiro problema do País a questão da evasão fiscal.

E lembro-lhe que, desde há muito tempo, o Governo tem vindo a falar desta matéria como grande prioridade da sua intervenção. Como os resultados não aparecem, julgo que é um segundo mea culpa: o Governo vem aqui reconhecer que, apesar de ter falado muitas vezes na prioridade do combate à fraude e à evasão fiscais, não a concretizou, como está bem patente no relatório que ontem foi anunciado.