Interpelação ao Governo, sobre política geral centrada nas medidas necessárias para combater a estagnação e a recessão económica e as crescentes dificuldades e desigualdades sociais
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho na Assembleia da República
28 de Maio de 2003

 

Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-ministro,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados,

A interpelação que acabámos de realizar teve dois méritos: pôs em relevo as consequências das erradas orientações do Governo e mostrou que o PCP tem propostas alternativas que podem conduzir o País para a saída da crise.

É verdade que o Governo quis fugir a este debate revelando o seu embaraço em ver-se confrontado com a sua política económica e com as críticas de especialistas da sua própria área ideológica e partidária.

É verdade que o Governo optou na abertura do debate, por um Ministro verbalista, especialista em comités de caridade e assistência à pobreza em vez do Ministro responsável pela pasta da economia.

Mas nada disso evitou que ficasse evidenciado o fracasso da sua política.

Demonstrámos que a responsabilidade fundamental da situação que o País vive tem a ver com as opções do Governo que conduziram a uma radical diminuição da procura interna e, com isso, à quebra da actividade económica e ao disparar do desemprego;

Afirmámos que o Governo, [numa errada visão monetarista da economia], se fechou num discurso autista em relação às necessidades da economia real confundindo a necessária disciplina e rigor das finanças públicas com as desacreditadas teses do caminho para o défice zero. O desastre está à vista.

Criticámos o facto de numa época em que a marcha forçada para o euro e para o federalismo económico retirou ao País quase todos os mecanismos de que deveria dispor para intervir na economia o Governo ter desprezado um dos poucos instrumentos de que ainda dispõe, o Orçamento e a sua utilização no quadro de uma política anti-cíclica, aumentando o investimento eficiente e reprodutivo como factor de ajuda para contrariar a crise.

Afirmámos a nossa profunda discordância com o facto do Governo pouco ou nada fazer para aumentar as receitas fiscais do Estado. Não atacou seriamente a necessidade de alargar a base tributária designadamente através do combate à fraude e evasão fiscais, especialmente em sede de IVA, IRC e Impostos Especiais de Consumo. [Todos os dias chegam notícias da multiplicação da fuga ao fisco em matéria de combustíveis, por exemplo, e na continuação da proliferação dos entrepostos fiscais, de que Portugal continua a ser campeão; continua a não abrir mão do sigilo bancário; facilitou ainda mais as operações no off shore da Madeira e a utilização da figura de não-residente que todos sabemos tem permitido elevadíssimos graus de fuga ao fisco; revogou a tributação das mais valias e mesmo a proposta de Reforma do Património que agora apresentou é tímida, não abrange o património mobiliário, beneficia as grandes fortunas e heranças, penaliza os sectores médios da sociedade portuguesa.] Mas, em contrapartida agravou a tributação em IRS sobre os rendimentos de quem trabalha e aumentou de forma intolerável a tributação sobre as Micro e PME’s com tal precipitação que agora foi obrigado a recuar em matéria de Pagamentos Especiais por Conta.

E, como têm denunciado os trabalhadores do sector, a Direcção Geral dos Impostos e os serviços de inspecção e fiscalização tributária continuam a não estar dotados dos meios mínimos que lhes permitam uma acção eficaz e permanente no combate à fraude e evasão fiscal. Em 2002 as acções de fiscalização das alfândegas caíram 6%.

Confirmámos a razão que nos assistia quando acusámos as projecções macro-económicas impostas pelo Governo e pela maioria no debate do Orçamento de Estado para 2003 como irrealistas e deliberadamente manipuladas com vista à criação de uma ilusão de crescimento que não existia, para conter as justas reclamações dos trabalhadores da Administração Pública, para apresentar em Bruxelas um deficit falseado. [Aí está, aliás, a execução orçamental de Abril para o demonstrar: uma quebra de 26,1% - 858,7 milhões de euros - na arrecadação do IRC (contra uma previsão de quebra de 6,6%; uma evolução quase nula do IVA contra uma previsão de aumento de 5,6% ou, no Imposto Automóvel, uma quebra de 20,2% contra uma projecção de aumento de 6,9%].

Exigimos que o Governo abandone a pressão sobre o factor trabalho que é, no fundo, a grande arma que está a utilizar para diminuir as despesas correntes. O aumento dos rendimentos do trabalho é condição essencial para animar a procura interna. Como afirma, aliás, o último relatório do Fundo Monetário Internacional (que o Governo e a maioria tanto gostam de referir) o crescimento dos rendimentos do trabalho é uma das condições para se evitar o risco de deflação em várias economias, incluindo a portuguesa. É, aliás, chocante que em Portugal enquanto se congelam os salários dos trabalhadores, administradores, gestores, executivos continuem a beneficiar anualmente dos maiores aumentos de toda a União Europeia. [Em 2002 tiveram um dos maiores aumentos salariais a nível europeu (mais 5,4%), alcançando o terceiro lugar em toda a Europa, só ultrapassados pela Grécia e pela Irlanda].

Alertámos para a importância de uma Administração Pública moderna e eficiente o que só pode ser conseguido com trabalhadores motivados e não contra os trabalhadores.

Sublinhámos que é intolerável que o Governo se mantenha insensível às profundas consequências sociais da sua política: cerca de mais 100 mil desempregados entre Abril de 2002 e 2003 e, designadamente no segmento dos recursos humanos mais qualificados. Já atingimos os 8% da taxa de desemprego. Tivemos a evolução mais desfavorável de toda a União Europeia. [E, entretanto, regressam em força os salários em atraso (mais 82,6% em 2002) e, com eles, dramáticos problemas de ordem social e humana, contribuindo seriamente para novos focos de exclusão].

Criticámos o facto de, simultaneamente, não se vislumbrarem sequer medidas nos vários sectores da economia que permitisse, aí, fazer-se algo para a redinamização da actividade económica.

Reconhece-se que o turismo é um dos sectores estratégicos da economia que mais rapidamente podem produzir resultados. Mas o Governo limita-se a anunciar pela enésima vez 40 medidas que mais não são do que o repositório, de acções anteriormente anunciadas, e nada aponta com impacto imediato.

No que se refere ao PPCE (o Programa para a Produtividade e Crescimento da Economia), apresentado com tanta pompa e circunstância, visando a “eliminação integral dos factores que constituem obstáculos ao crescimento da produtividade” nenhuns indicadores são apresentados que permitam aferir dos bons resultados do Programa. [Onde está a “rede de Marcas Portuguesas” ? Que é feito quanto à promoção externa a não ser o anúncio da chamada diplomacia económica mas que até ao momento não saiu do cais enquanto se vão esvaziando as compertências do ICEP e desprezando o saber aí acumulado ?]

No plano internacional está em curso uma importantíssima nova ronda de negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio, a realizar-se já em Setembro, no México, mas nos Ministérios da Economia e da Agricultura o silêncio é total. Nada se sabe que orientações é que o Governo defende na União Europeia com vista a salvaguardarem-se os interesses portugueses designadamente em matéria têxtil e agrícola.

Discordámos de uma política que sacrifica o interesse público ao interesse privado. Prossegue e acelera um programa de privatizações, desde a Portucel à água, passando pela TAP até às políticas sociais, [na área da Saúde, da Educação ou da Segurança Social] tendo como consequência a liquidação dos tão chorados mas nada protegidos centros de decisão nacional e a entrega de sectores responsáveis por serviços públicos essenciais à lógica do máximo lucro.

O Senhor Ministro veio afirmar a bondade das suas políticas em matéria social. Nós avançámos com um debate e medidas de fundo. O Governo e a maioria responderam com o 112.

Mas mesmo aí o Senhor Ministro esqueceu que os magros aumentos das pensões de reforma nada têm a ver nem com as necessidades nem com as suas propostas eleitorais.

O Senhor Ministro veio aqui dizer que com ele foi descoberta a “diferenciação positiva”. Mas não disse que a diferenciação positiva, com que estamos de acordo e já vinha de trás, com este Governo quer dizer fim da universalidade das prestações da segurança social.

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados,

A crise em que o País se está a afundar é preocupante mas não era inevitável e tem saídas.

Para isso apresentámos propostas.

No imediato é absolutamente necessário abandonar o critério estrito do dogma do défice, aliviar este constrangimento, para permitir mais folga ao necessário aumento do investimento público eficiente e ao incremento dos rendimentos do trabalhos, únicos caminhos que permitirão aumentar a procura interna e assim contribuir-se para a retoma da economia e a criação de emprego. E só é meia verdade afirmar-se que o incremento da procura interna se traduz em novos desequilíbrios da balança externa. Mesmo que, porventura, isso seja assim no imediato teríamos, a prazo, estimulado o aumento da capacidade produtiva do País em bens transaccionáveis, que constitui o essencial. Mesmo a aposta na captação de IDE, que concordamos se trouxer valor acrescentado e envolver empresas nacionais numa malha de relações produtivas, está claramente a falhar: não só o IDE caiu 50% nos primeiros dois meses de 2003 como continuam a multiplicar-se os processos de deslocalização de empresas que deixam atrás de si rastos de depressão, desemprego e miséria.

É preciso apostar a prazo no que o PCP desde há muito afirma, mais a mais agora face ao alargamento da União Europeia, a alteração do perfil de especialização da economia portuguesa. Continuar a apostar, como o Governo tem feito, num modelo assente em baixos salários, diminuição dos direitos dos trabalhadores, [de que o Código Laboral é o exemplo mais recente] actividades subcontratadas, investimento estrangeiro beduíno que não contribui para o aumento do valor acrescentado nacional, é um caminho suicida que não constrói nenhuma economia sólida e com futuro.

Há 10 anos, o Governo de então, também do PSD, encomendou e pagou um célebre relatório, o relatório Porter, que continha um conjunto de medidas merecendo um largo consenso visando resolver o problema central da economia portuguesa o baixo nível de produtividade das empresas e da competitividade da economia. Mas uma década depois continuam por identificar os sectores que são estratégicos; a nossa base industrial continua a ser demasiado estreita; os gestores portugueses continuam a apresentar sérias deficiências em aptidões básicas; as empresas continuam a apresentar baixos níveis de sofisticação; a aposta nos recursos humanos continua a não passar dos discursos. Mas, entretanto, o Governo deu um passo: encomendou um novo estudo, agora ao Mckinsey Global Institute !!!

Como também nada está a ser feito para serem criadas condições para um aumento rápido do emprego. Aqui, e no que se refere ao sistema de Segurança Social, a solução não está em desequilibrá-la financeiramente através de contínuos subsídios às empresas ou da baixa das taxas de contribuições. O caminho alternativo é o da alteração do modelo de financiamento, como o PCP propôs, [de modo a termos um sistema que estimule a criação de emprego, alivie as empresas menos produtivas de trabalho intensivo e assegure uma concorrência mais sã entre empresas com desigual composição orgânica de capital].

Senhor Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Senhores Deputados,

Se não se optar pelas soluções que propomos o caminho continuará a ser o de uma política cegamente vinculada à redução arbitrária do deficit que vai continuar a gerar cada vez mais recessão. Porque isso só será conseguido, se o for, com mais quebra de investimento, com mais venda de património ao desbarato, com mais sacrifícios impostos aos portugueses e com mais malabarismos e operações excepcionalmente graves como a utilização de 1,3 milhões de euros do Fundo de Pensões dos CTT à custa do já precário equilíbrio da Caixa Geral de Aposentações.

Portugal continuará a ser, como o já é hoje, o País com pior desempenho da União Europeia, incluindo os dez novos países aderentes.

A síntese de conjuntura do INE para o primeiro trimestre de 2003 confirma que se agravou a evolução negativa de toda a actividade económica.

As políticas conduzidas desde, pelo menos a última grande crise de 92/93, revelaram-se um desastre: convergência nominal para o euro, privatizações a esmo, pressão sobre os salários, aumento da produção de bens não transaccionáveis, nada disto se traduziu na construção de uma economia sólida e sustentada.

Está na altura de optarmos por outro caminho.

O PCP trouxe, aqui, hoje, um caminho alternativo. Criticámos e discordámos. Mas também apresentámos propostas. Assumimos as nossas responsabilidades. O Governo e a maioria PSD/CDS-PP ao recusarem um caminho diferente do que têm prosseguido são os exclusivos responsáveis pelo agravamento da crise e pela continuação do desemprego. A vida, infelizmente, será a melhor demonstração do que afirmamos.

Disse.