Interpelação ao Governo, sobre política geral centrada nas medidas necessárias para combater a estagnação e a recessão económica e as crescentes dificuldades e desigualdades sociais
Intervenção de Vicente Merendas na Assembleia da República
28 de Maio de 2003

 

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados

A explosão do desemprego verificada nos últimos meses assim como a recessão económica em que o País já está mergulhado são simultaneamente sintomas e consequências de uma situação que tenderá a manter-se e mesmo a agravar-se, se o rumo que o país está a seguir não for alterado rapidamente.

Estamos a viver uma situação em que quase todos os dias os anúncios de falências de empresas fazem títulos na comunicação social

A crise económico-social desenvolve-se por todo o país. Parece não haver sector que escape.

Tendo como referência o mês de Abril de 2002, todas as actividades económicas sofreram acréscimos do seu número de desempregados. A “construção” com + 70,1% de desempregados. As indústrias do couro (+ 64,9%), os correios e telecomunicações (+ 54,2%), as actividades imobiliárias, informáticas, investigação e serviços prestados às empresas (+ 46,6%). Os operários e trabalhadores similares da indústria extractiva e construção civil (+ 77,2%) , especialistas de ciências físicas, matemáticas e engenharia (+ 55,8%), técnicos de nível intermédio da física, química e engenharia (+ 44,8%).

Globalmente, o aumento do desemprego foi de 26,6% em relação ao mês de Abril do ano anterior. Chega agora a mais de 420 mil pessoas.

A destruição de um número significativo de postos de trabalho em alguns sectores tem estado e continua a estar relacionado com decisões de deslocalização de empresas estrangeiras.

Empresas que encerram e abandonam as suas unidades produtivas, desviam equipamentos, deixam de pagar salários, despedem os seus trabalhadores.

Multinacionais, onde se têm imposto milhares de rescisões forçadas de contratos sob a capa de “mútuo acordo”.

A lista de empresas que enveredam por esta prática é extensa: Yazaki (Ovar), Philips (Ovar), Alcatel, Autosil, Siemens/Sede, Siemens/Sabugo, Multicirauto, Schneider, Visteon, Nec, Eid, Siemens/Corroios, Epcos, Ste, Efacec, Kaz Ibérica, Prequel, Cambalacho, Delphi - Carnaxide, Castelo Branco e Guarda.

Outra lista longa é das empresas que, com os elevados ritmos de trabalho e incorrectos processos de produção, têm milhares de trabalhadores incapacitados com doenças profissionais como é o caso da tendinite. Estima-se que cerca de cinco mil trabalhadores estejam afectados por esta doença profissional.

O sector têxtil, vestuário e calçado também se encontra sob grande pressão, cerca de 10 mil postos de trabalho destruídos ou em perigo.

A concentração de algumas actividades em certas zonas do país deixa antever gravíssimas dificuldades em alguns distritos e concelhos. Casos preocupantes como o Distrito de Castelo Branco em que, de Agosto de 2001 até hoje, já encerraram 19 empresas e, em consequência disso, foram destruídos 2.200 postos de trabalho.

Mas se com estes dados a situação já é grave, tudo aponta para um drástico e preocupante agravamento da situação com os salários em atraso a intensificar-se após o final do ano de 2002.

Juntando as duas situações (empresas em laboração com salários em atraso e as empresas encerradas), a cerca de 3 mil trabalhadores são devidos 6,6 milhões de euros.

Mas o mesmo se passa em Aveiro, Porto, Braga e Setúbal. Aqui, por exemplo, a taxa oficial de desemprego já vai em 11,5%. Entretanto já está anunciado o despedimento colectivo de 350 trabalhadores na Alcoa Fujikura.

Em Braga o desemprego começa a ganhar contornos preocupantes com mais de 37.000 desempregados. Só em 2002, no Vale do Ave, mais de 2.000 pessoas ficaram sem trabalho.

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados

Um número significativo de empresas tem recebido apoios com vista ao desenvolvimento das suas empresas.

Mas modernizar e reestruturar, zero. Há empresas que encerram e reabrem uns quilómetros depois, com as mesmas máquinas mas com outros trabalhadores, deixando um rasto de miséria e sofrimento. No final, ficam a dever a toda a gente, transformam os contratos efectivos em contratos a prazo, para de novo lançarem as novas empresas na mesmíssima situação das primeiras.

Muitas das empresas fecharam as suas portas sem assumirem, sequer, as dívidas para com os trabalhadores.

O atraso reiterado no pagamento das dívidas resultante de salários em atraso e indemnizações aos trabalhadores que perderam os postos de trabalho como consequência do encerramento das empresas, constitui uma das situações mais chocantes que existem em Portugal.

Só no distrito de Lisboa o montante global da dívida dos trabalhadores decorrente de processos de encerramento e falência de empresas atinge mais de 107 milhões de euros, mais de 21 milhões de contos, e só com base numa amostra que abrange 291 empresas.

No distrito de Setúbal, os casos da Mundet e da Gefa são escandalosos, mas este escândalo atinge praticamente todos os distritos.

O Governo e os tribunais não podem continuar indiferentes perante esta situação que acaba por ser aproveitada para a realização de negócios ilegítimos, quando não negócios ilícitos, enquanto os trabalhadores continuam a aguardar que lhes seja feita justiça.

Os baixos salários, a extrema precariedade e a falta de qualidade do emprego, que impera em muitos sectores e empresas, são bem o exemplo da degradação do emprego que vai sendo criado à sombra da desregulamentação a que o Governo fecha os olhos ou até estimula. Existe hoje de norte a sul do país trabalho ilegal e clandestino, trabalhadores que laboram durante anos sem seguro, sem segurança social e, por conseguinte, sem qualquer protecção social em caso de acidente de trabalho, doença ou desemprego.

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados,

A situação economia tem-se vindo a deteriorar, com pesados custos humanos, sociais e económicos.

As condições de subsistência das pessoas estão afectadas.

O relacionamento familiar e social deteriorado, provocando problemas psicológicos graves.

A situação dos reformados e pensionistas com a esmagadora maioria a viver abaixo dos limites de pobreza é um grave problema social.

Um estudo do INE sobre a pobreza é bem elucidativo em relação à distribuição do rendimento. 50% da população recebe apenas 24,7% do rendimento, enquanto os rendimentos mais elevados que representam 10% da população aufere 29% do rendimento.

Senhor Presidente
Senhores Membros do Governo
Senhores Deputados

Desafiamos o Governo a reconhecer que existe um problema grave no país com o encerramento de empresas e a destruição de postos de trabalho.

Desafiamos o Governo a reconhecer que esta situação constitui um facto de debilidade da economia portuguesa.

Desafiamos o Governo a terminar com a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores.

Desafiamos o Governo a não ficar impassível perante a degradação social de milhares de trabalhadores, dos reformados e das camadas mais desfavorecidas.

Ao lançarmos este desafio, pretendemos confrontar o Governo com as suas responsabilidades.

Não tem futuro uma sociedade baseada na instabilidade e no medo do amanhã.

O PCP propõe e exige que se aposte na qualificação profissional, na formação e educação, na valorização do trabalho e do emprego de qualidade.

O PCP prosseguirá a luta e este decidido combate contra as desigualdades e contra esta política económica, atentatória dos trabalhadores, dos portugueses e do país.

Estamos certos de que os trabalhadores responderão ao mesmo nível dos ataques que lhe estão a ser dirigidos.

Disse.