Declaração política
Sobre a posição do Governo português de apoio a uma eventual
decisão unilateral dos Estados Unidos da América de desencadear
a guerra contra o Iraque, mesmo que não haja uma resolução
do Conselho de Segurança das Nações Unidas que a legitime
perante a Comunidade Internacional
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
12 de Março de 200
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
O senhor Primeiro-Ministro aproveitou uma recente deslocação ao Luxemburgo para anunciar ao país, em bom francês, que o Governo português apoiará uma eventual decisão unilateral dos Estados Unidos da América de desencadear a guerra contra o Iraque, mesmo que não haja uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que a legitime perante a Comunidade Internacional.
“Caso haja um conflito dos Estados Unidos com o Iraque, sem uma resolução das Nações Unidas, Portugal apoiará os Estados Unidos” – foi esta a tradução para português das palavras do Primeiro-Ministro reproduzidas num despacho da agência Lusa que acrescenta muito significativamente que o Primeiro-Ministro luxemburguês “menos comprometido com as posições norte-americanas” se dissociou dessa posição, afirmando que “todos os meios devem ser explorados para uma solução pacífica da crise iraquiana.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A posição do Primeiro-Ministro português, de um seguidismo inqualificável em relação à administração Bush, é uma vergonha para Portugal. Assim como é uma vergonha para Portugal que o seu Primeiro-Ministro, em vez de se empenhar em defesa da paz, como a Constituição da República lhe impõe, e em vez de pugnar pela defesa do Direito Internacional e do papel insubstituível das Nações Unidas como alternativa à selvática “lei do mais forte”, se tenha prestado nos últimos dias a desempenhar o papel secundário de embaixador dos Estados Unidos da América, procurando influenciar países com que Portugal tem relações privilegiadas a apoiar uma guerra declarada unilateralmente por esta potência imperial, que não tem evidentemente outro objectivo que não seja a pilhagem dos recursos petrolíferos do Iraque e a ocupação militar do Médio Oriente.
O apoio declarado pelo Primeiro-Ministro português a uma guerra desencadeada à margem, ou contra, as Nações Unidas, contraria frontalmente o dever constitucional do Estado Português de se reger nas relações internacionais de acordo com o princípio da resolução pacífica dos conflitos e traduz a aceitação de uma violação grosseira da Carta das Nações Unidas a que Portugal se encontra constitucionalmente vinculado.
Mais: A posição tomada pelo Primeiro-Ministro português numa questão tão relevante para o Estado Português e tão decisiva para os destinos da Humanidade, completamente à revelia deste Parlamento, em clara contradição com a posição em favor da paz e da valorização do papel das Nações Unidas recentemente assumida pelo Senhor Presidente da República, e contrariando um sentimento anti-belicista que anima a esmagadora maioria do povo português, não tem nenhuma legitimidade constitucional ou política.
E se é verdade que o Primeiro-Ministro anunciou que Portugal não irá participar em qualquer intervenção militar, não é menos verdade que também já cedeu a Base das Lages.
O Dr. José Manuel Durão Barroso pode aceitar que o Presidente Bush não se conforme com o Direito Internacional e use o poder militar de que dispõe para dinamitar a Ordem Jurídica Internacional e desencadear unilateralmente uma guerra de ocupação e até pode achar normal que a Administração americana tenha fornecido informações falsas à Agência Internacional de Energia Atómica sobre o armamento do Iraque conforme foi referido pelo seu próprio Presidente, mas o Primeiro-Ministro de Portugal não pode amarrar o Estado Português à aceitação submissa desse diktat, porque Portugal não se rege apenas pela opinião pessoal de um Primeiro-Ministro. Em Portugal há um regime democrático, há uma Constituição, há um Presidente e um Parlamento eleitos por sufrágio directo e universal, há um povo que o Primeiro-Ministro tem o estrito dever de respeitar.
Um país como Portugal, que soube levar a cabo com o maior consenso nacional de sempre, uma luta prolongada de solidariedade com o povo de Timor-Leste, na base do respeito escrupuloso do Direito Internacional e do papel decisivo das Nações Unidas, não pode deitar pela borda fora este património de coerência e aceitar o espezinhamento das Nações Unidas por uma administração norte-americana que representa os sectores mais belicistas desse país. Até por essa razão deveríamos ser os primeiros a valorizar a ONU como espaço de solução do problema e não o contrário !
Mas, senhor Presidente e senhores Deputados, como se não bastasse a gravidade política e institucional da posição assumida pelo Primeiro-Ministro, tivemos de assistir também às declarações ridículas com que o senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros tentou justificar o injustificável.
Ficámos a saber que o Governo português apoia os Estados Unidos porque os Estados Unidos são uma democracia e são nossos aliados. O que significa que quem tenha um certificado de democrata, reconhecido pelo Governo português, pode fazer tudo, incluindo cometer os mais hediondos crimes contra a Humanidade, sem que o Governo português se incomode com isso. E significa também que havendo um aliado que quer desencadear a guerra e havendo aliados que são a favor da paz, o senhor Ministro conclui que há uns aliados que são mais aliados que outros.
Brindou-nos o senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros com a afirmação inacreditável de que, em caso de ataque – não se percebe muito bem de quem – não são a Alemanha nem a França que nos defendem. E aproveitou para brindar a França com umas observações no mínimo indelicadas quanto às suas capacidades militares – que esperamos, a bem da nossa auto-estima, não sejam retribuídas por nenhum ministro francês a respeito do equipamento das nossas Forças Armadas – rematando o senhor Ministro que, em caso do tal ataque, seria a NATO, ou seja, os Estados Unidos, a defender-nos.
É muito significativo que o senhor ministro se esqueça que os países a que se refere indelicadamente por contrariarem o unilateralismo dos Estados Unidos, também são membros da NATO. Simplesmente, ao contrário do que acontece com o Governo português não estão dispostos a aceitar tudo o que venha dos Estados Unidos, e mantém o sentido de responsabilidade que os leva a recusar embarcar numa aventura militar que, a acontecer, será responsável por muitos milhares de vítimas inocentes.
Mas quanto à posição do Governo português no âmbito da NATO ficamos esclarecidos: A NATO é os Estados Unidos e é apenas a opinião dos Estados Unidos que conta na NATO. Entre a maioria dos aliados europeus que escolhem o caminho da paz e o aliado americano que escolhe o caminho da guerra, o Governo português escolhe o aliado americano e apoia o caminho da guerra.
Se os Estados Unidos pretendem atacar o Iraque, o Governo português apoia. Não importam as razões, que todos conhecem desde há muito tempo. Ninguém ignora, porque nem sequer é segredo, que não estão em causa nesta guerra, nem razões humanitárias, nem razões de defesa da liberdade ou da democracia, nem sequer os perigos de um armamento de destruição maciça que ainda ninguém encontrou. Ninguém ignora as razões geo-estratégicas e económicas em que esta guerra cinicamente se baseia.
Se os Estados Unidos pretendem atacar o Iraque, o Governo português apoia, esquecendo que no Iraque vivem homens, mulheres e crianças que anseiam tanto viver em paz como os homens, mulheres e crianças que vivem em Portugal, mas cuja morte já foi decretada pelos Estados Unidos, com o apoio do Governo português.
O Governo português apoia o massacre do povo iraquiano se os autores do massacre forem nossos aliados e se as bombas usadas forem provenientes de uma democracia.
Mas qual é afinal a razão última da guerra? Alegadamente, a falta de respeito do Iraque pelas Resoluções das Nações Unidas que impõem o seu desarmamento. Estamos já no reino do absurdo: Mesmo que as Nações Unidas não concordem com a guerra e se oponham a ela, o Iraque vai ser atacado e ocupado por alegadamente não respeitar as resoluções das Nações Unidas.
E o Governo português aceita e apoia essa suprema hipocrisia. Um país como os Estados Unidos, que usa e abusa do direito de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas sempre que se trata de condenar o Estado de Israel pelo massacre do povo indefeso da Palestina ou pelo assassinato de funcionários das Nações Unidas nos territórios palestinos ilegalmente ocupados, que não levanta a sua voz em relação às resoluções da ONU sobre Israel, arroga-se o direito de ameaçar com retaliações os membros do Conselho de Segurança que não aceitem a sua imposição da guerra contra o Iraque e declaram o seu propósito de avançar para a guerra seja qual for a posição do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A presença anunciada do ministro dos Negócios Estrangeiros nesta Assembleia não isenta o Primeiro-Ministro em assumir aqui pessoalmente as suas responsabilidades políticas e institucionais. O PCP insiste por isso na necessidade de ser promovido um debate de urgência com a presença do Primeiro-Ministro para debater a posição do Estado Português na actual situação internacional.
O PCP, tal como seguramente a maioria do povo português, demarca-se tanto desta guerra como da ditadura que há muitos anos oprime o povo iraquiano. O PCP não aceita esta guerra, que constitui uma afronta ao Direito Internacional e um crime contra a Humanidade, não aceita a posição do Governo português que enxovalha o nosso país e ofende a nossa dignidade enquanto povo, e não aceita o envolvimento directo ou indirecto de Portugal nesta guerra de pilhagem e ocupação.
Disse.