Intervenção do Deputado
Bernardino Soares

Declaração política sobre o código do trabalho
e a luta dos trabalhadores

20 de Novembro de 2002

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O Governo confronta-se com cada vez maior descontentamento popular.

Primeiro porque a população vai crescentemente sentindo as consequências negativas para a sua vida, da política do PSD e CDS-PP.

Depois porque vão caindo as falsas justificações com que o Governo tenta esconder as reais características da sua governação.

Ao longo destes meses o Governo não hesitou em manter e aumentar os privilégios dos poderosos. Como não hesitou em sistematicamente praticar uma política de injustiça social.

Ao longo destes meses os portugueses viram os preços aumentar drasticamente, especialmente em bens essenciais, enquanto ao mesmo tempo se confrontam com a diminuição dos seus salários.

Os portugueses assistiram à degradação sucessiva da qualidade dos serviços públicos, para abrir caminho a privatizações tão gulosamente ansiadas pelos grupos económicos privados que têm no Governo fiel representante.

Os portugueses já perceberam que para satisfazer as seguradoras o Governo quer entregar-lhes uma parte das contribuições dos trabalhadores.

Os portugueses já perceberam que, o Governo, por muito que tente esconder as suas intenções, não quer resolver problemas do Serviço Nacional de Saúde, mas sim fazer da saúde um negócio para grupos privados, pago pelo Orçamento de Estado.

O Governo escolheu o caminho da confrontação com os reais interesses do país e dos portugueses. Foi o governo que escolheu esse caminho. Por isso se alarga e se generaliza o descontentamento.

O Código de Trabalho entregue na Assembleia da República é um dos traços fundamentais desta grave ofensiva. A convocação pela CGTP-IN de uma greve geral para 10 de Dezembro expressa a necessidade de dar resposta adequada a tão grandes ataques do Governo, nomeadamente na alteração da legislação laboral, e merece por isso o nosso inequívoco apoio.

Saudamos a decisão soberana daquela central sindical, porque traduz o sentimento de muitos trabalhadores portugueses, que tem vindo a ser expresso em sucessivas e diversificadas lutas. A greve geral é uma iniciativa de carácter profundamente democrático; porque é legítimo e profundamente democrático o protesto e o combate a uma política que prejudica a generalidade dos trabalhadores e da população. Não é uma confrontação no sentido pejorativo que o governo lhe pretende dar. Mas é sim uma iniciativa que confronta a política do governo com os seus desastrosos efeitos e com as suas graves injustiças.

A evidente intranquilidade do Governo começou já a vir à superfície fazendo considerações que não são verdadeiras:

- Não é verdade que a luta dos trabalhadores e a greve geral sejam a escolha da confrontação em detrimento do diálogo e da concertação. O que é verdade é que o caminho da confrontação foi escolhido pelo Governo quando resolveu satisfazer muitas das mais antigas reivindicações do grande patronato.

- Não é verdade que a proposta de lei tenha alterações fundamentais em relação ao anteprojecto. O que é verdade é que se mantêm, na esmagadora maioria dos casos, as intenções iniciais, o que nem sequer a encenação mediática de recuos circunstanciais conseguiu esconder.

- Não é verdade que o momento para o protesto geral seja extemporâneo por o processo de discussão continuar a decorrer. O que é verdade é que os fins a atingir pelo Governo, já estão bem definidos à partida, e que o combate deve ser feito a tempo de fazer recuar tal política.

Aliás é o próprio governo e em concreto o primeiro-ministro que se desmente a si próprio: diz que uma greve geral é extemporânea porque a discussão e a negociação continuam, mas reafirma imediatamente que não vai ceder nos seus objectivos ou, para citar mais rigorosamente o primeiro-ministro, “que o governo não se afastará um milímetro dos objectivos que traçou”.

- Não é verdade que a política do governo seja o único caminho. É apenas o caminho que o governo escolheu. Nem os sacrifícios de que tanto falam estão equitativamente distribuídos. Para os grandes grupos económicos não há sacrifícios, antes continuam as benesses.

- Não é verdade que as alterações à legislação laboral se destinem a resolver problemas de produtividade. A produtividade aumenta-se por exemplo com investimento na modernização tecnológica e na gestão empresarial. E também com aumentos salariais que, não sendo a única, são uma medida indispensável para o aumento da produtividade.

As alterações na legislação laboral servem isso sim para impor aos trabalhadores maior precariedade e para dar um crescente poder à entidade patronal. Para lhes impor diminuição de salário com trabalho igual com as horas entre as 20 e as 22 horas pagas como diurnas; para os sujeitar a diminuições no subsídio de natal ou de férias; para acrescentar anos à precariedade e insegurança; para introduzir limitações à liberdade de expressão nas empresas; para autorizar invasões patronais na vida privada.

Está em causa nesta matéria para além de inconstitucionalidades concretas que a seu tempo debateremos, uma alteração por via legislativa de uma matriz fundamental do nosso regime: a que qualifica como essencial a protecção dos trabalhadores, um entendimento que há desigualdade de forças entre quem emprega e quem trabalha e de que a legislação laboral corresponde a este desequilíbrio.

A greve geral anunciada não sendo certamente o único e muito menos o último momento de contestação a uma política negativa para os interesses de quem trabalha, é sem dúvida um momento privilegiado para que convirjam os mais variados descontentamentos com o caminho que o governo quer impor ao país. Um momento para afirmar que esta política não serve e que este caminho não é inevitável.

É uma oportunidade para os que têm visto sistematicamente aumentar a carne, o peixe, o pão e outros bens essenciais, ou os transportes públicos e a electricidade e sabem que já se preparam para novos aumentos em Janeiro como o já anunciado da electricidade; para os jovens que viram negado o acesso a casa própria; para os que vêm cada vez mais restrito o acesso a um ensino público e de qualidade; para os pequenos empresários que o governo discriminou no orçamento enquanto beneficia os grandes grupos económicos, e que sentem em primeiro lugar o cada vez maior aperto de cinto imposto aos trabalhadores; para os reformados a quem PSD e CDS-PP prometeram muito, para afinal recuarem até em relação ao que já estava previsto na lei.

É um momento de confluência dos justos anseios populares por uma vida melho,r a que todos têm direito e que lhes está a ser negada. E é uma oportunidade de mostrar ao governo que assim não pode ser! Que é preciso outra política, que respeite os trabalhadores e a população portuguesa. E que essa política é possível.