Debate mensal do Primeiro-Ministro com a Assembleia da República
sobre o tema “A situação política internacional,
designadamente a questão do Iraque” (pergunta ao Primeiro-Ministro)
Intervenção do Deputado Carlos Carvalhas
19 de Setembro de 2002
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhor Primeiro-ministro
Depois do Senhor Presidente da República ter afirmado que, um ataque unilateral ao Iraque seria “um convite à anarquia”, o Senhor Primeiro-ministro agastado, veio dizer num ralhete ao Presidente da República, que é ao Governo que compete a condução da política externa.
No seu entender, o Senhor Presidente da República não tem que emitir opinião sobre este assunto, nada tem a ver com a política externa, nem com as Forças Armadas.
Depois do “beija mão” em Washington, no que foi já considerado um acto vergonhoso de vassalagem, o Senhor Primeiro-ministro entende que o Presidente da República deve ficar calado, de mordaça!
Esta posição é, no plano político, institucional e ético, intolerável.
Diz o Primeiro-ministro que é um erro excluir qualquer opção, o que traduzido à letra significa que o Governo estará de acordo com uma acção unilateral dos EUA, que ainda agora perante as cedências do ditador de Bagdad às exigências da ONU, declara numa postura de cowboy, que vai ajustar contas com este. Os opressores e os tiranos devem ser afastados pelos oprimidos e pelos tiranizados e não por missionários externos de botas cardadas, a pretexto da nova dilatação da fé e do império (leia-se do petróleo e do capital financeiro).
Os EUA não têm qualquer legitimidade para desencadearem um novo conflito.
Nós não aceitaremos a lei do mais forte nem o princípio de Talião na regulação das questões internacionais. Também neste caso, é necessário dar uma chance à paz. Como já foi afirmado, “o crepúsculo da razão engendra os monstros...”.
A resolução da questão do Iraque passa também, pela resolução do problema da Palestina, do cumprimento das resoluções da ONU por Israel e pelo levantamento do bloqueio ao Iraque. Segundo a UNICEF, mais de 500 mil crianças com menos de cinco anos morreram no Iraque depois de 1991 devido ao embargo. Isto deveria levar à reflexão dos que tanto evocam os direitos do homem e da criança.
Um ataque militar ao Iraque e a manutenção do bloqueio não resolvem qualquer problema do povo iraquiano nem facilita a resolução do problema do Médio Oriente, nem a segurança de Israel e dos EUA.
Portugal é um país soberano, defensor da paz. Não temos querelas com o mundo árabe.
Assim, face ao unilateralismo então evidenciado pela arrogância belicista e maniqueista da administração Bush, e às posições de reserva de vários países da União Europeia, o que no mínimo se impunha ao Governo de Portugal, era a do claro distanciamento e que o Primeiro-ministro tivesse ouvido a Assembleia da República, ou os líderes partidários ao abrigo do Estatuto da Oposição, antes de se ter prestado a um inaceitável seguidismo.
Portugal deve contribuir activamente para a resolução política e diplomática da questão do Iraque e não esquecer que o objectivo primeiro da ONU é o de prevenir os conflitos.
Pela nossa parte, juntaremos a nossa voz aos que em todo o mundo se vão
manifestar amanhã, na jornada mundial de paz da ONU e ao apelo do Fórum
Social Europeu, em Bruxelas, afirmando que a guerra contra o Iraque será
em primeiro lugar sinónimo de um verdadeiro desastre para o povo iraquiano,
mas igualmente, para o conjunto das populações do Médio
Oriente.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
De facto lutámos contra o regime fascista, mas lutámos também contra a ditadura de Saddam Hussein.
Sabe que o Partido Comunista iraquiano, com o qual temos relações, está ilegalizado.
Havia outros que andavam com o «livrinho vermelho» e que não atacavam!
Nessa altura, os Estados Unidos da América apoiavam o regime de Saddam. Os Estados Unidos da América criaram o «monstro», vários «monstros», e agora têm o «reverso da medalha».
O Sr. Primeiro-Ministro trouxe a «lição» estudada de casa, trouxe o discurso escrito e quis imputar ao Partido Comunista uma colagem em relação a um ditador, a um facínora. Mas nós não temos qualquer relação ou qualquer aproximação com ditadores e com facínoras.
A questão que colocamos é que não nos pomos «de joelhos» perante o Sr. Bush e não aceitamos uma decisão unilateral. Foi esta a questão que lhe coloquei e à qual o senhor não respondeu.
Aceita uma acção unilateral dos Estados Unidos da América, como foi dizer a Washington, vergonhosamente, atrelando Portugal a uma acção que é perigosa e aventureira? Esta é a questão central. Ou quer calar a oposição? Quer calar o Presidente da República?
A questão que lhe coloquei há pouco não foi a de saber se o Governo tem ou não competência para conduzir a política externa. O que o Sr. Primeiro Ministro fez foi, depois da declaração do Sr. Presidente da República, vir lembrar isto. Foi lembrar ao Sr. Presidente da República que devia estar calado, que não se devia referir a estas questões.