Intervenção do Deputado
Bernardino Soares
Declaração Política sobre a política do Governo
27 de Junho de 2002
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A cada dia que passa mais se clarifica a orientação profundamente anti-social da política do Governo e a sua clara subordinação aos grandes interesses económicos. E mesmo tendo em conta que, depois de uma entrada anunciando ataques em várias áreas aos interesses da população e dos trabalhadores, o governo suavizou agora o discurso tentando apresentar uma imagem mais moderada, as intenções e os projectos mantém-se.
Face à crescente contestação e impopularidade das suas medidas o governo ensaia agora diversos estratagemas.
O Governo assenta a justificação de muitas das suas medidas no fomento dos piores sentimentos e na demagogia populista.
Justifica as alterações ao rendimento mínimo com o pretexto do combate à fraude numa prestação social em que o valor médio recebido por cada beneficiário é de menos de 8.5000$00/mês. Como afirma hoje, e bem, o Professor Alfredo Bruto da Costa, "numa sociedade com os problemas sociais que este país tem - e, dizemos nós, com o elevadíssimo grau de evasão fiscal ao nível das grandes fortunas - é inaceitável que se eleja uma medida que diz respeito aos mais pobres dos pobres como a primeira a ser moralizada. Que moral social é esta?" E ainda por cima, acrescentamos nós, centrada nos jovens com menos de 25 anos!
Justifica o fim do acesso de milhares de estudantes ao ensino nocturno fomentando a ideia de que em geral se trata de um conjunto de relapsos que mais não fazem do que gastar dinheiro ao Estado e que utilizar expedientes legais para prejudicar os seus patrões.
E ontem o próprio Primeiro Ministro, depois de recentemente a maioria ter deixado de questionar o carácter positivo da descriminalização do consumo de drogas, insinuou já que os dados sobre o do consumo agora divulgados eram a consequência de um certo laxismo que se terá verificado nesta matéria.
Por outro lado o Governo tenta escusar-se a uma maior visibilidade e critica às suas intenções, preparando-se para diluir algumas medidas no período de férias.
Neste campo a forma como o Governo pretende fazer a discussão da nova lei de bases da segurança social é particularmente inaceitável. A acrescentar ao passeio do Ministro por diversos órgãos de comunicação social e outros locais de debate sem hipótese de qualquer oposição ou contraditório, prepara-se agora a limitação do pleno debate e discussão das alternativas políticas na própria Assembleia da República.
Numa matéria com esta dimensão e natureza e que afectará a vida de todos os portugueses e de várias gerações futuras; numa matéria em que se propõe fazer alterações de fundo na lei existente, que aliás note-se só tem pouco mais de um ano de vigência, o Governo pretende reduzir o debate à aprovação de uma autorização legislativa.
Trata-se de um procedimento politicamente inaceitável por diversas razões.
Desde logo pela exclusão da discussão pública das organizações de trabalhadores em momento anterior à própria discussão na generalidade. A discussão pública das iniciativas legislativas que incidam sobre legislação particularmente relacionada com os direitos dos trabalhadores, não é uma incómoda formalidade como tantas vezes parece ser apresentada pelos governos. Trata-se de um importante mecanismo de garantia dos direitos dos trabalhadores e da sua participação nos processos legislativos que mais o afectam e que enriquece e habilita as decisões da Assembleia da República nestas matérias. E que aliás foi concretizada na última Legislatura com a proposta e projecto de lei de Bases.
E nem tente o governo apresentar como sucedâneo a discussão em sede de concertação social, que efectivamente não substitui a apreciação e parecer pelas organizações representativas dos trabalhadores.
Esta importante matéria deve ser amplamente discutida pelo parlamento, incluindo na especialidade, permitindo apreciar as disposições concretas da proposta material
Nada obriga por um lado, a não ser talvez a pressa e a gula das seguradoras e da banca em deitar a mão às contribuições dos trabalhadores, que a matéria em causa seja discutida antes da interrupção dos trabalhos parlamentares.
Mas se a preocupação é apenas cumprir o compromisso assumido com a Assembleia no que diz respeito à entrega dos diplomas do governo, e não a de efectivamente evitar um maior debate da alteração proposta, afirmamos desde já que não nos opomos a que o governo entregue mais tarde a sua iniciativa se isso garantir a, politicamente indispensável, entrega de uma proposta de lei material.
Acresce que não pode ser invocado contra a Assembleia da República um calendário que o próprio governo estabeleceu na concertação social e que é da sua inteira responsabilidade.
Desafiamos assim o governo e a maioria a aceitarem a plena discussão no parlamento e a enfrentar o debate político democrático com a oposição e as suas alternativas para que todos os portugueses saibam verdadeiramente o que está em causa com esta proposta.
Do que se trata de facto é de pôr fim às mistificações e aos eufemismos com quem o governo tem vindo a envolver a grave machadada que pretende aplicar no sistema público de segurança social.
Fala de aumentos de reformas escondendo que eles já estavam previstos na lei de bases e que a maioria chumbou as propostas do PCP para um mais que justo aumento intercalar, na discussão do orçamento rectificativo.
Fala de sustentabilidade financeira quando na prática e com os tectos contributivos causará uma diminuição de receitas que ainda não explicou se e como compensa.
Fala despudoradamente de solidariedade quando o que propõe se traduzirá, a ser aprovado, numa quebra de facto do princípio de solidariedade intergeracional e num incentivo objectivo à não contribuição para o sistema de solidariedade das camadas mais jovens da população activa.
Trata-se de mais um aspecto de uma política de diminuição de direitos, que contribuirá para o aumento da pobreza, da exclusão e da desigualdade social.
Sr. Presidente
Um outro campo que merece referência atenta, sendo aliás uma das principais causas de problemas de exclusão social, de saúde pública, nomeadamente no que diz respeito às doenças infecto-contagiosas, e até de pequena criminalidade é o da toxicodependência.
E neste campo não se conhece do governo qualquer explanação de uma política coerente para o sector. Até agora a preocupação única do governo nesta área foi: como gastar menos nos serviços públicos da área da toxicodependência?
E isto independentemente dos recentes estudos que nos indiciam poder haver um aumento de consumidores de droga, o inicio do consumo mais cedo, a alteração de alguns consumos ou uma maior disseminação regional do fenómeno.
Nada disto importa ao governo. Até agora a política do governo para a área do combate à droga resumiu-se a mandar fundir dois serviços, o SPTT e o IPDT, sem qualquer ponderação ou análise prévia. É sem dúvida aceitável que se discutam os melhores modelos para a organização dos serviços, podendo certamente discutir-se se deve ou não, e em que termos, haver fusão. Mas para além de esse não ser certamente o problema mais premente nesta área, o que está por detrás desta intenção não é uma perspectiva de melhorar o desempenho, mas apenas uma preocupação de emagrecimento dos recursos, aliás bem confirmada pelo enquadramento da matéria no orçamento rectificativo.
Nada se diz sobre os problemas do risco de diluição ou desaparecimento de unidades com funções próprias ou sobre a dificuldade de compatibilização de funções de grande diversidade e de potencial incompatibilidade.
Nada se diz sobre o gravíssimo problema de pessoal que enfrenta o SPTT, que o governo não excepcionou nunca da política geral da não renovação de contratos, o que poderá significar, a curto prazo, o encerramento de diversas unidades, para além dos problemas da perda da experiência adquirida pelos profissionais e do impedimento que isso significa para o crescimento consoante as necessidades.
Nada se diz sobre o grave problema de financiamento, que se traduziu num corte de 12% no orçamento do SPTT, que deixou de receber verbas da Presidência do Conselho de Ministros.
É uma política de grave insensibilidade social e que poderá conduzir ao agravamento deste fenómeno na nossa sociedade.
Disse.