Debate do Programa do XV Governo Constitucional
(Encerramento do debate)
Intervenção do Deputado Bernardino Soares
18 de Abril de 2002

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhor Primeiro Ministro,
Senhores Membros do Governo,

Ao chegar ao final deste debate é possível concluir que se confirmam três linhas negativas que apontámos no início como estruturantes do Programa do Governo.

Por isso fundamentámos nelas a nossa moção de rejeição do Programa apresentado.

É verdade, e confirmou-se no debate, que o Governo prepara um ataque cerrado, mesmo que escondido em eufemismos vários, aos direitos de quem trabalha, seja no que diz respeito aos salários, à manutenção de postos de trabalho ou no que toca à desregulamentação das relações laborais. O Ministro do Trabalho enunciou até a visão de que o Estado não deve imiscuir-se nalgumas questões entre as empresas e os trabalhadores. Só que esta relação tem uma parte mais forte e uma parte mais fraca e portanto o que esta atitude significa é que o governo abdicará de garantir a protecção dos trabalhadores e se propõe deixá-los à mercê do arbítrio das multinacionais e dos empresários sem escrúpulos.

É verdade, e confirmou-se no debate, que a dramatização da situação das contas públicas é um instrumento para justificar medidas política e socialmente injustas, assentando fundamentalmente na diminuição da despesa, ignorando o lado da receita.

É aliás bem revelador que, quer o Primeiro Ministro, quer a Ministra das Finanças se esquivaram a responder à questão da taxa efectiva de tributação do sector financeiro e segurador indiciando claramente que pretendem manter a escandalosa situação de benefícios a estes sectores que hoje existe.

É verdade, e confirmou-se no debate, que em diversas áreas da governação a privatização é assumida como uma prioridade.

Para o PCP este Programa de Governo não se caracteriza por ser vago ou inócuo.

Descontando embora situações em que há de facto um texto de generalidade, em muitos casos escondendo certamente futuras medidas negativas, há exemplos mais do que suficientes para a aplicação de uma forte e justificada crítica negativa às intenções do Governo.

Porventura não tiveram, por exemplo, o destaque merecido neste debate alguns traços autoritários que se vislumbram em matéria de justiça ou de administração interna.

São exemplo disso:
- as promessas de revisão do quadro normativo aplicável à deliquência juvenil;
- a ligação das questões de insegurança aos fluxos migratórios;
- a referência obsessiva e repetida à autoridade do Estado, considerando os protestos, o bloqueio de vias públicas e os boicotes eleitorais como sinais "do aumento da intranquilidade pública e até uma certa banalização da desobediência civil;

Como não foi debatido como o merecia a total ausência de uma perspectiva de desenvolvimento integrado e ordenamento do território o que significa que se irão acentuar desequilíbrios entre o litoral e o interior, entre Regiões do País com níveis diferentes de desenvolvimento.

Vai mal o Governo por este caminho.

Na saúde, a par da falta de uma visão global das políticas para o sector e da escassez de medidas concretas para uma melhor gestão do conjunto do Serviço Nacional de Saúde, é clara a orientação privatizadora.

Aproveitando justas insatisfações da população, resultado da política de degradação e de ausência de uma reforma revitalizadora do SNS, o Governo pretende impor uma filosofia de menorização dos serviços públicos em favor dos privados.

É isso que significa a política anunciada, assente não no Serviço Nacional de Saúde universal, geral e tendencialmente gratuito que a Constituição consagra, mas num sistema nacional de saúde que pretende igualizar a intervenção pública, e privada, formulação que foi derrotada na Revisão Constitucional de 1997.

O que se prepara é portanto a entrega aos privados de áreas da prestação de cuidados de saúde com potencial lucrativo numa lógica de desnatação, mantendo obviamente no sector público as áreas de maior complexidade técnica e social.

Para além disso dá-se prioridade à entrega crescente da gestão de unidades públicas de saúde ao sector privado, trilhando o caminho diligentemente preparado pelo anterior Governo que até teve o cuidado de deixar já publicada a legislação necessária.

Na educação o governo fala num maior equilíbrio entre a componente pública, privada e social mas o que isto significa na prática é um desequilíbrio maior no acesso à educação e ao ensino agravando as desigualdades. Diz o Sr. Ministro que as desigualdades do sistema são agora maiores do que há 20 anos atrás - mas, se isso fosse verdade (e, apesar de tudo, não temos como líquido que assim seja) então é preciso lembrar que quem esteve no governo desde há 20 anos para cá foram o PS e o PSD.

O caminho agora traçado é de ataque à escola pública e à gestão democrática. Que tem uma visão da escola assente num director iluminado e em que a comunidade educativa é um tabu. Que pretende introduzir mecanismos de selectividade anti-democrática entre escolas e entre professores.

Este é um programa que pretende hipotecar o futuro das novas gerações.

Na verdade, todo o ataque que se anuncia no sentido da desregulamentação laboral visa para além do mais criar de facto uma geração sem direitos e com uma vida assente na insegurança, na precariedade e numa exploração acrescida é um ataque à juventude e às novas gerações.

O ataque à escola pública, mantendo as desigualdades na frequência e no acesso aos vários graus de ensino é um ataque à juventude e às novas gerações, e à sua formação e qualificação.

A linha privatizadora da Segurança Social é um ataque aos direitos em formação dos jovens trabalhadores e às suas expectativas em relação às prestações futuras e é assim um ataque à juventude e às novas gerações.

E que dizer do desaparecimento de referências à educação sexual, ou ao planeamento familiar, matérias fundamentais para a juventude e para a defesa da saúde sexual e reprodutiva. A maternidade consciente de que o governo fala não é mais do que a consagração de uma maternidade obrigatória.

Este Programa do Governo merece sem dúvida forte contestação e inequívoca rejeição.

Com o caminho que o Governo PSD/CDS apresenta neste Programa, aprofundar-se-ão as desigualdades, os atrasos e os problemas de um país e dos portugueses e seguramente, agravar-se-á a conflitualidade social.

Por isso apresentámos uma moção de rejeição ao Programa do Governo, expressando o carácter negativo do seu conteúdo.

Por isso votaremos contra o voto de confiança apresentado pelo Governo. Por isso combateremos nesta legislatura as políticas negativas deste Governo.

Disse.