Intervenção do Deputado
Lino de Carvalho

Declaração política sobre a utilização despudorada,
por parte do Governo e do PS,
dos meios do Estado para promover candidaturas
ou a comunicação social pública contra a oposição

17 de Julho de 2001


Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Era uma vez …

Um candidato do Partido Socialista à presidência de uma Câmara Municipal. No caso, o Seixal. Que lançou recentemente a sua candidatura. Que contou com ilustres presenças, desde logo o Dr. Jorge Coelho. Até aqui tudo bem. O que já não é normal é que no folheto de divulgação da cerimónia se informe que ela "contará com a presença do Sr. Governador Civil" e "de vários membros do Governo e da Assembleia da República".

Outro caso. O candidato do Partido Socialista à Câmara Municipal de Évora é o Presidente da CCRA que é simultaneamente vereador naquela autarquia. Situação só por si insólita. Mas mais insólito é que na falta de argumentos para a sua campanha eleitoral o Presidente da CCRA lance uma falsa e alarmista acusação à autarquia de que estaria a fornecer água sem qualidade e de origens não autorizadas. Tudo contra as análises existentes, que demonstram que a água está dentro dos parâmetros legais, e contra pareceres da Direcção Regional do Ambiente. Encerrado numa teia de contradições logo o Presidente da CCRA, vereador e candidato do PS, e antecipando a anunciada alteração da orgânica da Administração Pública em que passa a ter poderes de tutela sobre os Directores Regionais dos vários Ministérios, ordenou que o Director Regional do Ambiente do Alentejo se juntasse à campanha do Partido Socialista e se desdobrasse em declarações públicas contra a autarquia.

Entretanto, o Director Regional de Évora do IPPAR, que também é vereador do Partido Socialista no município eborense e igualmente candidato autárquico às próximas eleições, tendo-se oposto - sem resultado - na autarquia a um projecto de remodelação de uma determinada praça da cidade, logo tratou de usar a sua qualidade de Director regional para promover, junto dos seus pares, o embargo à obra, utilizando abusivamente os meios institucionais de que dispõe para procurar impedir que ela seja terminada antes das eleições porque tal não é, obviamente, do interesse da sua candidatura.

Outro caso: recentemente, na apresentação do candidato do PS à Câmara Municipal do Barreiro, afirmou o coordenador da Comissão Permanente do PS: "Aquilo que o Governo tem feito no concelho é a resposta ao que aconteceu aqui, nas últimas eleições legislativas, que o PS ganhou" ficando "no ar a promessa de muito mais, caso os eleitores entregassem o baluarte comunista ao partido da rosa".

Mas o exemplo mais recente da utilização dos meios do Estado ao serviço do PS e da propaganda do Governo vem do Ministro da Agricultura e do canal público de televisão, no passado domingo.

Tendo o Secretário-geral do PCP, no dia anterior, encerrado um Encontro Nacional de Agricultura, apresentando um vasto conjunto de propostas e, naturalmente, formulando críticas ao Governo e ao Ministro da Agricultura, logo este tratou de mobilizar a RTP-1, para, numa entrevista em plena Praça do Giraldo, em Évora, responder expressamente, de viva voz, no telejornal, às pertinentes críticas do PCP, enquanto do Encontro eram passadas imagens mudas. E não se limitando a isso logo ali fez anunciar que já não iria à reunião da Comissão de Agricultura deste parlamento que se deveria ter realizado esta manhã por proposta do PCP enviando em seu lugar os Secretários de Estado o que, tendo-se confirmado, nos levou, em defesa da dignidade das instituições, a abandonar a reunião. Claro que a RTP-1 nunca trata de ouvir expressamente os dirigentes da oposição quando o Ministro se pronuncia sobre a situação da agricultura portuguesa.

Só há uma palavra para classificar estes exemplos: vergonha.

O Partido Socialista e os seus dirigentes, de facto, perderam a vergonha e não têm qualquer pejo nem problemas de consciência em utilizar despudoradamente os meios do Estado para promover candidaturas ou a comunicação social pública contra a oposição.

A promiscuidade a que se tem vindo a assistir entre o Partido Socialista e o aparelho de Estado é intolerável e só contribui para enfraquecer o próprio regime democrático. Onde está a ética "republicana" de que alguns membros do PS tanto falam ? Onde está a transparência e a ética dos comportamentos ? Já não bastavam os exemplos que se multiplicaram nos últimos tempos. Fundações, Institutos, anúncios de projectos de decreto-lei elaborados por construtores civis, etc. À medida que se aproximam as eleições autárquicas a situação agrava-se a olhos vistos. É um fartar vilanagem. À medida que o PS e o Governo se apresentam cada vez mais fragilizados e desorientados e que as perspectivas globais para as próximas eleições se revelam pouco animadoras vale tudo. E sobretudo vale a utilização despudorada dos meios do Estado a favor dos interesses do Partido Socialista.

E depois, alguns, ingenuamente (ou talvez não) ainda se admiram que um certo discurso populista da direita, utilizando exemplos de falta de transparência na gestão dos interesses públicos, encontre nos comportamentos do Partido Socialista o melhor apoio às suas campanhas.

O PCP exige que seja posto termo imediatamente a esta promiscuidade. E se o PS e o Governo por sua iniciativa não o fazem então nenhum órgão de soberania pode ficar indiferente ao que se está a passar. Especialmente, o Presidente da República não pode guardar silêncio, porque é o próprio funcionamento das instituições que passa a estar em causa.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Infelizmente, e já seria demasiado, a desorientação do PS e do seu Governo não se exprimem somente nos exemplos de promiscuidade e de utilização abusiva dos meios do Estado a seu favor que acabámos de dar.

O filme recente do anunciado recuo do Governo em matéria de Reforma Fiscal, designadamente no que toca à tributação das mais valias líquidas em bolsa é outra expressão de um Governo que não tem vergonha em confessar publicamente a sua própria incompetência e a cedência à direita das suas opções. O Governo e o PS fizeram da reforma dos Impostos sobre o Rendimento uma das suas bandeiras. É certo que foi o PCP, com o seu agendamento potestativo, que obrigou o Governo a dar a cara e a apresentar as suas próprias propostas. Depois de um percurso acidentado lá se chegou a bom termo e a lei aprovada correspondeu, no entender do PCP, a um progresso nos Impostos sobre o Rendimento. Baixou-se a tributação sobre os rendimentos do trabalho, diminuiram-se as possibilidades de fuga ao fisco, iniciou-se finalmente a tributação das mais valias em bolsa, terminando com o escândalo de Portugal ser um dos poucos países onde a especulação bolsista não era tributada enquanto os salários e as pensões de reforma suportam taxas de 20% e mais. Naturalmente que uma reforma que vai no bom sentido, no sentido de mais justiça e equidade fiscal - tal como tinha acontecido com a Lei de Bases da Segurança Social - não podia agradar à direita e, em particular, aos grandes grupos económicos. Estes logo berraram, intrigaram, chantagearam. Uma espécie de "quartelada" contra a Reforma fiscal. E o Governo logo se desfez em múltiplas explicações e desculpas terminando por anunciar de forma patética a sua intenção de proceder à alteração da reforma conseguida, em particular, no que se refere à tributação das mais valias em bolsa. Sim. De forma patética. A justificação seria a de que em Espanha tinha havido uma recente alteração fiscal neste domínio que justificava uma nova ponderação do que no nosso País tinha sido aprovado por razões de competitividade da nossa economia. E a primeira perplexidade com que qualquer cidadão se defronta é a de perguntar se estas coisas, em matéria de regimes de tributação comparados, não tinham sido já estudadas, porque não passaria pela cabeça de ninguém que o Governo e a Assembleia da República não o tivessem feito. Mas a situação afinal revelou-se ainda pior. É que a justificação atabalhoada do Governo, e em particular do Primeiro-ministro e do Ministro da Presidência, é, pura e simplesmente, falsa. Em Espanha não houve, recentemente, nenhuma alteração da tributação fiscal em sede de mais valias obtidas em bolsa e as taxas existentes são bem mais pesadas do que as que foram aprovadas na nossa Reforma Fiscal. Englobamento a 100% das mais valias se as acções foram detidas até um ano (75% em Portugal) com a respectiva tributação a atingir quase os 50% (contra 30% em Portugal). E assim sucessivamente para os restantes tipos de acções.

Perante isto não são necessários grandes comentários. Falta de vergonha, incompetência, governação por ouvir dizer, cedência à direita, escolham os senhores deputados a adjectivação mais adequada.

Neste quadro que moral tem o Governo e o PS para virem pedir aos portugueses e, em particular aos trabalhadores para apertarem o cinto ? Como pode o Governo e o PS apresentarem um ar de falsamente surpreendidos com a contestação e as lutas sociais que já estão na rua ? São mais que justas, senhores deputados. E a responsabilidade é desta orientação errática do PS e do Governo, orientação errática mas sempre encostada à direita e aos interesses do capital.

Senhor Presidente,
Senhores deputados,

Neste quadro, o que significa o PS apelar às forças de esquerda, e em particular ao PCP para um esforço de convergência para um caminho conjunto? Não se pode fazer nenhum caminho de convergência com quem desdiz num dia o que acorda no dia anterior; não se pode apelar a entendimentos à esquerda quando o mínimo dos princípios de uma ética da responsabilidade e da transparência não são respeitados pelo PS, não se pode responsabilizar a esquerda pelas políticas de direita do Partido Socialista e do Governo. Nem podem querer que o País olhe com confiança para o futuro quando são figuras tão prestigiadas e tão próximas da família socialista como Eduardo Lourenço que vêm acusar o PS de dissolução em matéria de princípios.

O PCP e os trabalhadores não se furtarão nunca a assumir as suas próprias responsabilidades. Lutando, criticando e propondo, mas num caminho de seriedade, de coerência e, sobretudo, num caminho sempre à esquerda, com os trabalhadores e com os interesses do País.

Disse.