Intervenção do Deputado
Carlos Carvalhas
Debate sobre o Estado da Nação
28 de Junho de 2001
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhor Primeiro-Ministro
Neste fim do primeiro semestre o "Estado da Nação"
não é já o das paixões altissonantes quer em relação
ao ensino, quer em relação à saúde, nem o da incontinência
discursiva sobre a modernização do país, a Internet, ou
a "nova economia", mas o da dura realidade da velha economia, com
as suas debilidades estruturais e a sua crescente dependência e subordinação
ao estrangeiro, o do abrandamento económico, dos défices externos,
do endividamento dos cidadãos e do país e o da contínua
concentração da riqueza.
Enquanto a envolvente externa foi favorável, enquanto o leilão
das empresas públicas e a especulação bolsista foi soprando
o bom vento, enquanto as benesses e os dinheiros públicos foram engrossando
os grandes grupos económicos, foi-se vivendo em maré de rosas,
não faltando os jobs para os boys, nem o laxismo nos gastos.
Mas agora quando o vento já não sopra de feição
e quando as pratas para leilão já estão a chegar ao fim
vê-se que o montante das facturas por pagar é astronómico,
ameaçando estoirar com o festim.
Onde está agora o discurso da "nova economia", das "novas
tecnologias", da "cultura da responsabilidade", do "governar
com consciência social", num País que após o drama
de Entre-os-Rios, acordou para o atraso das suas estruturas, para as assimetrias
regionais, para a cultura do "tapa buracos", do remedeio e de tantas
obras de fachada.
Num país que, de um dia para o outro lhe foi dito que a despesa tinha
de ser travada a quatro rodas, que vinha aí a austeridade, não
pela arreata do FMI, mas pela "mão de veludo" do «pacto
de estabilidade» e dos constrangimentos de Maastricht cozinhados e aceites
pelo PSD e pelo PS.
E em vez da célebre Teresa Ter-Minasean, do FMI, dos tempos de Cavaco
ouvimos agora a voz de um Comissário Europeu, Pedro Solbes, dando sentenças
como se estivesse em sua casa, sobre a economia portuguesa e sobre a excelência
das medidas de contenção.
Ao velho estilo, procura-se fazer crer que o aperto do cinto é para
todos os portugueses. Não é para todos. É sim, sempre para
os mesmos, para os trabalhadores da Função Pública e por
arrastamento para os outros assalariados, para os reformados e de forma indirecta
para os pequenos e médios empresários.
Para os grandes senhores do dinheiro e para os grandes senhores do capital
financeiro o aperto passa ao lado.
As cinquenta medidas agora aprovadas bem como o Orçamento rectificativo
são a confissão clara do fracasso de uma política que liquidou
oportunidades e meios consideráveis.
Quando estava na oposição o Eng. Guterres costumava perguntar
ao PSD para onde estavam a ir os dois milhões de contos que o país
recebia diariamente dos fundos estruturais. Hoje pode fazer a mesma pergunta
a si próprio e dar a resposta óbvia que um milhão por dia
vai para os lucros da banca que foi a "pornográfica" média
declarada ao fisco no ano transacto e que o restante vai para pagar as compras
ao exterior, ao séquito do Governo e à sua clientela e também
para algumas obras públicas...
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhor Primeiro-Ministro
Temos das mais altas taxas de lucro do capital financeiro e dos mais baixos
salários e pensões e reformas de todos os países da União
Europeia. Apesar disso quer-se criar o clima psicológico para que os
trabalhadores paguem a factura dos desmandos governamentais.
Na verdade assistimos de há um tempo a esta parte a uma das mais violentas
campanhas de propaganda contra os salários.
De forma pensada, articulada e faseada, numa sucessão de notícias,
artigos, declarações, de representantes dos grandes interesses,
entendidos como "salva Pátrias" e de ex-governantes mal sucedidos
quando tiveram responsabilidades na área das finanças e da economia
e hoje denominados de "sábios", o Governo encontra a velha
mezinha de facturar aos trabalhadores, e em particular aos trabalhadores da
Administração Pública, as dificuldades resultantes da sua
política económica.
Rasgando compromissos estabelecidos no célebre Acordo de 1996 com a
Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública (na
altura agitado como grande bandeira da capacidade de diálogo e negociação),
o Governo vem agora tentar impor de forma draconiana a restrição
de direitos e dos salários.
As medidas que propõe nesta área consubstanciam uma autêntica
declaração de guerra aos trabalhadores colocando mesmo uma nova
e ameaçadora questão: e que é o da própria liberdade
de negociação e de contratação colectiva.
Estamos em Portugal Senhor Primeiro-Ministro, estamos num País de baixos
salários, num quadro de grande precariedade, numa situação
em que se anunciam mais despedimentos colectivos e encerramento de empresas,
vivendo os dramas da sinistralidade do trabalho que durante os seus mandatos
já atingiu mais de um milhão de trabalhadores a receberem pensões
miseráveis.
Assistimos anteontem, aqui, à "sensibilidade social" do seu
Grupo Parlamentar quando votou contra o Projecto-lei do PCP que visava tão
só a reposição de alguma justiça através
da revalorização das pensões e aumento das remissões
por acidente de trabalho e doenças profissionais, quando o ramo dos acidentes
de trabalho aumentou no último ano 32,5%. E tudo quando o Governo, como
disse o deputado Jorge Coelho, trava um braço de ferro com os grandes
grupos económicos...
Ao contrário, a sensibilidade do Governo indicia a sua predisposição
para alterar gravosamente duas leis estruturantes do direito do trabalho - a
lei da contratação colectiva e a lei dos despedimentos - que ficaram
congeladas perante a derrota do Pacote Laboral por força da luta dos
trabalhadores.
O Governo continua surdo e mudo face ao protesto, às reivindicações
e à luta daqueles milhares de trabalhadores que por todo o país
se manifestaram no passado dia 7 de Junho, mudo e quedo perante o descontentamento
e a luta dos reformados e de diversos sectores e camadas sociais.
Ouvi-los-á mais cedo que tarde! Porque do que estamos aqui a tratar
é de aspirações concretas, direitos concretos que colocam
como incontornável a necessidade que os trabalhadores sentem de lutar
por uma vida melhor, por mais justiça social, por uma mais justa distribuição
do rendimento Nacional.
A situação a que se chegou deve-se no fundamental a orientações
da política económica que nas questões mais decisivas são
idênticas às que foram prosseguidas pelos anteriores governos do
PSD - nomeadamente, no que respeita ao processo de privatizações,
à subalternização e enfraquecimento de importantes sectores
produtivos, às benesses dadas aos grandes grupos económicos, à
estratégia de sustentar a "competitividade" das empresas numa
prática inaceitável de trabalho precário e baixos salários,
à delapidação de recursos com a criação de
institutos e mais institutos, dos jobs for de boys. À perda de milhões
pelo erário público em várias negociatas, como as da Siderurgia
Nacional, ou as da Partest em que o Governo do Partido socialista, de acordo
com a auditoria do Tribunal de Contas "entregou" 50 milhões
de contos a grupos privados na Lisnave, na EDP, na Seguradora Trabalho, no Hospital
da Cruz Vermelha, na Soporcel....
Numa semana anunciou-se propagandisticamente projectos megalómanos,
apesar das dificuldades já serem conhecidas. Na semana seguinte toca-se
o sino a rebate e apresenta-se nesta Assembleia um Orçamento rectificativo,
seis meses após o início da execução orçamental
e cinquenta medidas de cega contenção de despesa.
Perante esta situação mais necessário se torna rever
os projectos anunciados e dar eficácia económica e social a outros
grandes empreendimentos em curso.
O que se passa por exemplo, com o projecto de Alqueva deve ser motivo para
a maior das preocupações. Projecto essencial como componente de
uma estratégia global de desenvolvimento do Alentejo, a sete meses do
início do seu enchimento (a cumprirem-se os novos prazos oficiais) tudo
ou quase tudo está por definir. Planos de Ordenamento; reorganização
fundiária; definição dos novos sistemas culturais; revisão
dos constrangimentos da PAC; sistema de rega e preço da água;
formação dos agricultores; organização do escoamento
das produções; apropriação das mais valias. Está
tudo na estaca zero ou pouco mais. O PCP assumiu as suas responsabilidades desencadeando
um debate público envolvendo técnicos, agricultores, autarquias
e populações e apresentando uma solução legislativa
para a questão central, a questão da terra. Uma parte do Governo,
a que se exprime pela voz trauliteira e insultuosa do Ministro da Agricultura,
respondeu da pior maneira possível contra, aliás, o consenso e
apoio generalizado ao reconhecimento da importância dos problemas que
o PCP tem vindo a suscitar. A atitude do Governo é também aqui
claramente irresponsável e incompetente perante um investimento que envolve
mais de 350 milhões de contos de dinheiros públicos e que corre
o risco de não atingir os objectivos para que está a ser construída
por exclusiva responsabilidade do PS.
Mas não é só na área da macroeconomia e dos investimentos
que se exprime o fracasso da política do Governo.
A saúde é justamente considerada como uma das áreas mais
críticas da governação do Partido Socialista. Mas as razões
que nos levam a fazer este diagnóstico nada têm que ver com a barragem
cerrada, feita pelos defensores do neoliberalismo contra o Serviço Nacional
de Saúde.
Há razões para que a população se queixe das dificuldades
no acesso a importantes cuidados de saúde, como acontece com muitas cirurgias,
consultas de especialidade ou simplesmente a ter médico de família.
Não é penalizando os trabalhadores que se melhora o funcionamento
dos serviços de saúde. O que é preciso é desenvolver
um plano urgente para a formação de recursos humanos, exigido
por unanimidade em resolução da Assembleia da República
e que o Governo se comprometeu em Abril a apresentar até ao final do
primeiro semestre.
Se o Governo quer de facto melhorar o funcionamento das unidades de saúde
então acabe com o regime de nomeação das suas direcções,
tantas vezes orientada por critérios partidários ou outros. E
passe a escolhe-las por concurso baseado na competência e na capacidade
dos profissionais.
Se o Governo que de facto racionalizar a despesa na saúde, então
que aproveite a capacidade instalada dos serviços públicos, comprando
menos ao sector privado. Que tome as medidas da política de medicamento
necessárias à redução dos custos para o Estado e
para a população porque os genéricos não são
tudo, embora sejam uma importante medida sobretudo se tiverem força e
coragem para vencer a resistência à sua prescrição.
Cumpra por exemplo, o que incluiu no próprio Programa do Governo: aplicação
de um formulário nacional do medicamento que permita em todo o Serviço
Nacional de Saúde, a prescrição pelo princípio activo.
Ou passe a dispensar gratuitamente, pelo menos nas consultas dos hospitais,
os medicamentos que assim custem menos ao Estado do que através da comparticipação
nas farmácias privadas, com a óbvia poupança também
para a população. Bem sabemos que são medidas que atingem
interesses mas que beneficiam e muito a população portuguesa.
Uma outra área, a da educação, fundamental para o nosso
desenvolvimento, sofre agora no sector decisivo do ensino superior público
um corte de 11 milhões de contos, o que só por si é revelador
da prioridade que lhe é atribuída.
E isto depois da contestação que a política do Governo
tem tido por parte dos professores, pais e alunos.
Na verdade, nesta sessão legislativa, o Ministério da Educação
e o PS ficaram completamente isolados da comunidade educativa, na defesa de
uma revisão curricular que não foi discutida com ninguém,
que aprofunda os caminhos da elitização e da desresponsabilização
do Estado e que o próprio Governo reconhece não ter condições
materiais e humanas para ser aplicada.
É necessário a suspensão da revisão curricular
e a abertura de uma processo exigente de discussão com professores, pais
e alunos.
Uma outra reivindicação e fonte de mal estar dos estudantes
prende-se com a aplicação efectiva da educação sexual
nas escolas. A esperança criada com a aprovação da nova
lei em 1999 começa a desvanecer-se. Não se vislumbram no terreno
acções concretas. O nosso País está a perder um
tempo precioso no combate à gravidez indesejada e adolescente e à
propagação de doenças sexualmente transmissíveis,
nomeadamente da Sida. Por proposta do PCP aprovou-se um diploma que prevê
uma protecção especial para os pais adolescentes, combatendo o
abandono escolar. Esperamos que este seja levado à prática e que
não estejamos perante mais um «faz de conta» legislativo.
Não nos podemos esquecer que Portugal ocupa um tristíssimo segundo
lugar europeu em matéria de mães adolescentes.
Mas a frustração e o mal estar com a política que vem
sendo seguida atinge hoje as mais diversas camadas e grupos sociais e áreas
socioprofissionais.
É notório por exemplo, o sentimento de profundo mal estar existente
nas forças de segurança, a par das grandes dificuldades do governo
para corporizar uma necessária, verdadeira e sustentada política
de segurança interna, nomeadamente na vertente da segurança das
populações.
Não é compreensível, nem justificável para os
cidadãos e para o País e representa um escândalo nacional
que nas forças de segurança que gastam dos contribuintes 225 milhões
de contos e que contam nas suas fileiras com cerca de 50 mil agentes, somente
45% estejam afectados à patrulha e a funções ligadas à
segurança dos cidadãos.
Também assume particular gravidade a posição pública
do Ministério da Administração Interna, quanto à
arquitectura das Forças de Segurança, ao defender que a GNR se
mantenha sob o rígido e desadequado estatuto militar, incompatível
com as suas responsabilidades e atribuições na segurança
pública das populações e dos cidadãos.
Na mesma lógica se insere a restrição de direitos fundamentais
dos profissionais das forças de segurança com o desenvolvimento
de uma linha repressiva que tem expressão na GNR, com a instauração
inaceitável e ilegítima de processos disciplinares a dirigentes
associativos e a continuada recusa em dar satisfação às
legítimas reivindicações dos agentes, com destaque para
o associativismo socioprofissional para a GNR e de liberdade sindical para a
PSP. O Primeiro-Ministro e o Ministro da Administração Interna
não podem lavar as mãos como Pilatos desta situação,
passando para os comandos a responsabilidade. Estes têm que se conformar
com o regime democrático e a Constituição da República.
E se não se conformam devem ser prontamente demitidos.
Da mesma maneira o PS e PSD não podem continuar com o jogo do empurra
e fechar os olhos ao protesto dos milhares de polícias que anteontem
se manifestaram pelas ruas de Lisboa e às portas deste Parlamento.
Também a situação existente mas Forças Armadas
se caracteriza, como temos vindo a alertar por um grande descontentamento resultante
da acumulação de expectativas e problemas não resolvidos,
acompanhados da degradação de diversos factores ligados com a
situação social dos militares de que são exemplo, a forma
como foi revisto o seu Estatuto e a desvalorização funcional que
consagrou; o bloqueamento das carreiras; o não cumprimento de direitos
consagrados para os militares em regime de contrato; a manutenção
e insistência em opções no plano externo contrárias
aos interesses e prioridades nacionais.
É necessário que o Ministro da Defesa com as suas declarações
não desprestigie as Forças Armadas e é necessário
dar resposta a estas questões e designadamente ao problema dos direitos
dos militares consagrando um moderno e efectivo regime de direitos, nomeadamente
quanto ao associativismo socioprofissional.
E não deixa de ser curioso também que o mesmo Partido que demagogicamente
fala nos mais carenciados e que apela ao derrube do Governo, seja o mesmo que
já combinou com o PS a lei de Programação Militar para
Setembro, lei que não consagra nos seus aspectos fundamentais a aquisição
de meios prioritários para as F.A's, e que amarrará Portugal para
décadas aos vultuosos encargos e opções que agora foram
tomados...
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhor Primeiro-Ministro
Do que o País precisa não é de orçamentos rectificativos,
nem do corte abrupto e cego de despesas em que mais de 50% incide sobre áreas
sociais, para cumprir as imposições dos critérios monetaristas
de Maastricht e do Pacto de Estabilidade, nem de remodelações
ministeriais, no «faz de conta» de que é preciso mudar de
caras para que tudo fique na mesma. Nem a questão está em o Primeiro-Ministro
dar a cara em vez se de esconder atrás de tal ou tal ministro. E também
não está nas declarações eventualmente para satisfazer
camaradas de que irá "às fuças" à direita.
A questão central está no conteúdo concreto da política.
Do que o País precisa é de outra política que tenha a
coragem de fazer a ruptura com a política de direita, de um governo que
tenha a coragem de enfrentar os grandes interesses e que não se constipe
mal aqueles comecem a espirrar.
Reafirmamos e relembramos que o PS teve todas as oportunidades eleitorais
e políticas para a realização de uma política de
esquerda, mas tem-nas desbaratado com a sua deliberada opção pela
realização, nos aspectos mais determinantes, de uma política
similar e, nalguns casos agravada, à dos governos do PSD.
E é necessário sublinhar e relembrar que foi a política
do Governo do PS, designadamente através do saque das privatizações,
que fortaleceu consideravelmente o poder do grande capital e acentuou factores
de subordinação do poder político ao poder económico.
Pela nossa parte prosseguiremos com a nossa firme atitude de oposição
de esquerda ao Governo do PS, dando combate às suas opções
de direita e prosseguiremos ao mesmo tempo com uma atitude responsável
e construtiva com as nossas próprias propostas e pelo apoio a propostas
alheias para alcançar medidas, decisões e linhas de orientação
positivas ainda que pontuais e parcelares e a batermo-nos, e com renovado vigor,
pela intensificação da luta social, pela resposta eficaz a sentidas
reivindicações e aspirações dos trabalhadores e
da população, por uma vasta agregação do descontentamento
popular e forte mobilização dos cidadãos em torno da exigência
de uma política de esquerda para melhorar o estado da Nação.
Disse.