Intervenção do Deputado
Lino de Carvalho
Interpelação ao Governo sobre política geral,
centrada na política económica
12 de Junho de 2001
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite,
Devo dizer-lhe que esta interpelação é um pouco estranha.
O Sr. Ministro das Finanças, visivelmente sem entusiasmo, «arrumou» a intervenção inicial em pouco mais de 11 minutos. A Sr.ª Deputada, ao fazer a intervenção inicial em nome do seu grupo parlamentar, para além do enquadramento que entendeu dar-lhe, falou sobretudo nas SCUT e não na política económica do Governo. Eu até pensei, a certa altura, que estava a fazer um debate sobre as SCUT e não sobre as questões estruturais que justificam uma interpelação ao Governo.
Como tal, perguntando-me por que é que decidiram fazer esta interpelação, chego à conclusão de que, perante a decisão já anunciada pelo Sr. Deputado Durão Barroso de viabilizar o Orçamento rectificativo, esta interpelação só se compreende no sentido de se criar um contraponto, uma certa margem de manobra para dar terreno a esse voto de viabilização do Orçamento rectificativo. De outro modo, não se compreende uma interpelação que, sendo dedicada à política económica, passa ao lado, na intervenção inicial do partido interpelante, das questões estruturantes da política económica que levam às dificuldades que hoje estamos a viver. É a única leitura que posso ter das condições em que esta interpelação, na sua primeira fase, se está a desenrolar, mas a Sr.ª Deputada esclarecer-nos-á.
Sr.ª Deputada, há aqui, obviamente, duas áreas que levam às dificuldades que estamos a viver hoje. Por um lado, são erros estruturais da política económica do Governo, uma política económica que apontou ao imediato, ao ilusório, ao marketing, ao apelo artificial a um consumismo não sustentado, a um apelo à redução dos salários e não apontou a uma alteração estrutural da economia portuguesa e a um reforço e a uma alteração da especialização do perfil produtivo, e, portanto, está a conduzir agora, que as condições conjunturais da economia estão a mudar, a um «apertar do cinto» aos portugueses, que vai ser exigido sempre aos mesmos, aos trabalhadores e aos de mais fracos rendimentos. Esta é uma área que eu gostava de ter visto o PSD desenvolver. Mas não. O que vi foi o PSD desenvolver a área das SCUT.
A segunda questão que o PSD não tocou - e percebo porquê, pois há aqui, de facto, uma cumplicidade e uma co-responsabilização entre o Governo, o Partido Socialista e o PSD - tem a ver com as condições impostas aos países no quadro do Pacto de Estabilidade, que, mais cedo ou mais tarde, como o PCP, em devido tempo, denunciou, levariam a que se tivessem de fazer cortes para as reduções artificiais do défice e da dívida pública não correspondentes ao desenvolvimento da economia portuguesa e ao desenvolvimento dos níveis de produtividade. E aí o PSD é, obviamente, co-responsável com o Governo por isso.
Eram estas as questões que queria colocar ao PSD.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro das Finanças,
Há pouco, na pergunta que coloquei à Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, tive oportunidade de sublinhar os dois aspectos essenciais que nos parecem ter conduzido a economia portuguesa à grave situação de preocupação que hoje está a atravessar: os erros estruturantes da política económica do Governo, que não apostou numa alteração das políticas económicas pelo lado da oferta, do aumento dos níveis de produtividade e da modernização tecnológica da economia, e as consequências do Pacto de Estabilidade. Estas são as duas questões graves, que seguramente depois desenvolveremos.
Quero agora colocar-lhe duas questões.
Uma delas decorre da intervenção inicial do Sr. Ministro. O Sr. Ministro veio aqui justificar-se com as alterações conjunturais da economia internacional que levariam à situação em que hoje se vive e que justificariam o Orçamento rectificativo, que o Governo vai entregar à Assembleia da República.
Ó Sr. Ministro, a memória não é assim tão curta que não nos lembremos que, no debate do Orçamento do Estado para 2001 que aqui foi feito, não só nós mas também outros partidos da oposição criticámos severamente o Governo pelo irrealismo dos dados que aqui trazia, pelo irrealismo, diria mesmo, da fraude das projecções macroeconómicas, designadamente em matéria de inflação.
Recorda-se o Sr. Ministro que dissemos que esses valores estavam claramente abaixo, já na altura, das perspectivas que estavam em cima da mesa, visíveis para toda a gente. Mas o Governo veio dizer que não, que lá estava a oposição a criticar aquilo que, depois, a vida demonstrava que o Governo tinha razão.
Sr. Ministro, afinal, cerca de seis meses depois, o Governo veio dar-nos completa razão. Isto é, os dados aí estão e, seguramente, como não éramos bruxos quando discutimos aqui o Orçamento do Estado, os dados já estavam em cima da mesa, só que o Governo quis esconder essa realidade, apresentando no Orçamento elementos e dados que eram claramente artificiais.
Por isso, Sr. Ministro, não se esqueça deste debate, porque isto não joga com os argumentos e com as desculpas que o Governo aqui traz, questões que, aliás, desenvolveremos, seguramente, aquando do debate do Orçamento rectificativo.
A outra questão, e vou terminar, é a seguinte: o Sr. Ministro,
numa entrevista recente que deu, lamentava-se da «pouca margem de manobra
na política orçamental, uma vez que ela se resumia a uns escassos
4,6% do total da despesa pública» - e, como vê, Sr.ª
Deputada Manuela Ferreira Leite, também estamos preocupados com isso
-, mas a verdade é que, apesar disso, o Sr. Ministro tem já um
conjunto de encargos assumidos para os próximos 30 anos de quase 8000
milhões de contos. Como é que isto é compatível
- e não são apenas as SCUT, não está aqui o novo
aeroporto - com o tal queixume do Sr. Ministro de que tem «pouca margem
de manobra»? Este é um erro estruturante das orientações
da política do Governo.