Intervenção do Deputado
Octávio Teixeira

Interpelação ao Governo sobre política geral,
centrada na política económica

12 de Junho de 2001

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhoras e senhores Deputados

Os tempos que correm não estão para retóricas, nem para desculpas de mau pagador.
Não pretenda o Governo iludir-se e iludir os portugueses.

Não se satisfaça o Governo continuando a dizer que a economia não está em crise, porque ainda temos um crescimento económico positivo. Assuma o Governo que, apesar disso, a situação económica portuguesa é deveras preocupante.

Os sinais claros da situação são públicos e notórios:

· A desaceleração do crescimento económico é maior que a registada nos nossos parceiros na UE.

Com uma agravante de peso: enquanto na generalidade desses países a desaceleração tem razões conjunturais, em Portugal ela assenta em factores estruturais. A divergência real com a média comunitária não é apenas do corrente ano e ameaça prolongar-se durante muitos mais anos.

· Os défices das relações económicas com o exterior não cessam de agravar-se.

O défice da balança de mercadorias ultrapassou os 13% do PIB, o da balança corrente atinge já os 2.400 milhões de contos, as entradas de capitais, designadamente dos fundos estruturais, não conseguem reduzi-lo senão em cerca de 1/6, o défice da balança comercial representa já 85% das exportações portuguesas! O aumento do preço do petróleo pouco mais representa que "os trocos" desta pesada e incomportável factura. Os défices externos são de sempre e o seu forte agravamento já se prolonga há vários anos. E há vários anos que Portugal tem vindo a perder quotas de mercado no exterior.

· Portugal é hoje um país perigosamente endividado.

É o endividamento crescente das famílias portuguesas, engodadas pelas baixas taxas de juro e enganadas com as declarações optimistas e pouco responsáveis do Governo, sobre o futuro risonho e sem regresso que prometia para a economia portuguesa. Mas é também, e fundamentalmente, o endividamento do país face ao estrangeiro. Expressivamente espelhado nos 6.000 milhões de contos da dívida líquida do sector bancário ao exterior, cerca de 25% do PIB! Também aqui a situação não é conjuntural, não apareceu hoje. É o resultado de um acelerado endividamento externo nos últimos três anos, que serviu para cobrir os défices externos e para sustentar o endividamento doméstico das famílias.

· A inflação disparou e absorve os aumentos salariais negociados e os aumentos nominais dos pensionistas e reformados.

No ano corrente, estes, os reformados, os mais pobres dos pobres portugueses, empobrecem ainda mais.

E a própria taxa de desemprego parece ter já sofrido um ponto de inflexão no primeiro trimestre do ano!

· As receitas fiscais derrapam pelo segundo ano consecutivo.

E o Governo prepara-se para, de novo, cortar de forma mais ou menos cega as despesas orçamentais, em acto de vassalagem ao sacrossanto limite do défice das contas públicas imposto pelo famigerado, cego e obsessivo pacto dito de estabilidade.

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores Deputados

Este é, de forma sucinta embora, um retrato fiel da situação económica do País.

Pela nossa parte, pela parte do PCP, ao fazermos este retrato não pretendemos contribuir para a criação de qualquer situação de pânico, nem sequer pintar a realidade com cores demasiado escuras.

O que queremos é impedir que o Governo continue a escamotear a verdade, pintando-a com cores cor-de-rosa.

O que queremos é confrontar o Governo com as suas responsabilidades, ou melhor, com a sua irresponsabilidade pelos erros de política económica que por acção ou omissão cometeu.

E, mais do que isso, queremos dar a nossa contribuição para obrigar o Governo a abrir os olhos, a olhar para o País real, a definir e aplicar uma política económica que corrija os graves erros do passado. Para corrigir os erros de forma séria e sustentada, não para aos erros anteriores vir agora somar novos erros ditados pela desorientação, por uma qualquer fuga para a frente visando ultrapassar conjunturalmente os desequilíbrios macroeconómicos aparentes, mas continuando a olvidar as causa profundas dos problemas económicos do país, os desequilíbrios estruturais da nossa economia.

Tememos, e com justificadas razões, que o Governo julgue que ultrapassará a situação impondo cortes mais ou menos pesados em despesas orçamentais de natureza social, impondo o "apertar de cinto" dos trabalhadores e dos reformados, dando mais umas benesses fiscais aos rendimentos de capital com o pretexto do fomento da poupança e da incentivação do investimento.

Se assim vier a ser, com a forte restrição do consumo interno o Governo poderá vir a reduzir os desequilíbrios no comércio externo, o endividamento externo e a taxa de inflação.

Mas essa seria uma via socialmente injusta e politicamente inaceitável. Mais uma vez obrigando os trabalhadores a pagarem o peso da factura de que não são responsáveis e os dislates governamentais que sempre criticaram e combateram.

Por acréscimo, esse seria o caminho que conduziria a manter as condições geradoras de desequilíbrios macroeconómicos crescentes no próximo futuro. Seria remendar e caiar um edifício que, comprovadamente e de há muito, exige reparações profundas e urgentes para evitar uma sempre temida e perigosa derrocada.

É mais que tempo de o Governo assumir que os problemas da economia portuguesa são estruturais, e que é a eles que tem de ser dada resposta.

Não é na queda da Bolsa de Valores - resultante fundamentalmente da falta de transparência que nela alastra e da ausência de uma acção efectiva e atempada na fiscalização e regulação do seu funcionamento que a desacreditam aos olhos externos - que reside o melhor ou pior desempenho da economia portuguesa.

Os problemas da economia assentam num padrão de especialização produtiva sem futuro, designadamente face ao previsto alargamento da UE a leste e à acelerada abertura dos mercados europeus à exportações dos países asiáticos.
É na alteração desse padrão de especialização que o Governo tem de empenhar-se, com a definição de políticas económicas adequadas e com uma selectiva acção de incentivo através dos subsídios e comparticipações financeiras como do sistema fiscal.

Os problemas da economia portuguesa passam pela necessária e urgente melhoria da produtividade, indispensável para sustentar um crescimento económico duradouro, com produções competitivas nos mercados doméstico e externos. Mas esse aumento de produtividade não pode continuar a ser meramente aparente, com base nos baixos salários. Essa é uma aposta perdida, nas perspectivas social e económica. Os Governos do PSD e do PS sabem-no por experiência própria, e os trabalhadores portugueses conhecem-no de sacrifício sentido.

O aumento da produtividade de que a nossa economia carece exige reformas profundas e estruturais.

No âmbito, por exemplo, das insuficiências na gestão e organização das empresas e na inovação dos processos produtivos. O Governo tem de motivar e pressionar essas alterações, com políticas coerentes e incentivadoras da prossecução desses objectivos. Desde logo não mais pactuando com, antes combatendo, o modelo económico assente nos baixos salários. E substituindo o esbanjamento dos fundos comunitários por uma política selectiva e exigente de atribuição dos mesmos.

Mas reformas profundas também no âmbito da formação profissional, nos sectores da educação, da saúde e da justiça, na desburocratização da administração central e na descentralização administrativa. O Governo tem de o fazer, com políticas activas e com a utilização eficiente dos recursos públicos.

E, se não sabem como o fazer, aprendam com quem o saiba. Mas não peçam aos ex-ministros das Finanças do PSD, porque esses também no Governo demonstraram não o saber.

Todos sabemos que as reformas estruturais são mais difíceis, exigem trabalho, convicção e persistência. Mas os Governos não existem para fazer apenas as coisas fáceis. E se o Governo do PS quer continuar a governar, então é tempo de arregaçar as mangas e de suar. A conjuntura deu-lhes cinco anos de "vacas gordas", de facilidades para manterem a aparência do oásis.

Cinco anos que demonstraram que o forçar da convergência nominal e o levar a cabo um amplo processo de privatizações não garantem um processo de crescimento económico sustentado.

Pelo contrário, fragilizam-no e dificultam-no. E não se queixem agora de que o Governo não tem instrumentos de política macroeconómica à sua disposição, ou de que o BCE está a baixar as taxas de juro quando ao País mais conviria que o não fizesse. A moeda única e o pacto de estabilidade foram opções vossas, que não nossas.

De qualquer modo, o tempo do semear de ilusões acabou.

Mas ainda é tempo de lançar mãos à obra. Para a construir. Não para a estucar.

A opção cabe ao Governo do Partido Socialista. Mas a última palavra caberá aos portugueses.

Para uma das opções terão o contributo e a participação empenhada do PCP. Para a outra terão o nosso combate, a nossa inequívoca oposição. Sobre isso, que não lhes restem dúvidas.
Não se trata de uma ameaça. É apenas isso: para que não tenham dúvidas!

Disse.