Intervenção do Deputado
Agostinho Lopes

Moção de censura ao Governo apresentada pelo BE

30 de Maio de 2001

Senhor Presidente,
Senhor Primeiro Ministro e Senhores Ministros,
Senhores Deputados,

Manifestamos fortes e claríssimas reservas quanto à oportunidade, utilidade e previsíveis resultados desta moção de censura apresentada pelo Bloco de Esquerda.

Pensamos que, independentemente dos objectivos proclamados por quem a apresenta, é compreensível que o Governo a encare com toda a tranquilidade, e que a agradeça, por lhe propiciar, ao menos durante uns dias, uma imagem de solidez parlamentar.

Acresce que a apresentação desta moção, em nome de uma mitificada «clarificação» (que aliás se sabe não se poder produzir), parece não ter em conta que daqui por seis meses ocorrerá um momento, ele sim portador de uma inegável possibilidade de clarificação: a saber: a votação do Orçamento do Estado.

E é neste quadro que, pela sua parte, o PCP investe os seus esforços e procura contribuir para um real processo de clarificação e de mudança, não apenas prosseguindo a sua acção política geral contra a política do Governo, mas também apoiando e estimulando a luta dos trabalhadores e das populações (que conhecerá seguramente uma importante expressão na jornada da CGTP-IN do próximo dia 7 de Junho), o que pode receber menos atenções do sistema mediático e oferecer menos protagonismos que uma moção de censura, mas acabará por pesar muitíssimo mais na evolução dos acontecimentos.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Desde 1995, ainda o quadro das forças parlamentares não era o que resultou das eleições de 99, que condenamos de forma inequívoca e combatemos de forma sistemática a política de direita dos governos PS.

Uma condenação que usou essa , e continuará a usar, todos os meios constitucionais para se manifestar. Uma condenação sem quaisquer pressupostos politiqueiros de ganhos de poder.

Uma condenação que não precisa de inventar grandes temas nacionais ou mediáticos para uma abordagem séria, persistente e coerente dos principais problemas dos portugueses.

Uma condenação que se faz não por se ser oposição, mas porque a política de direita fere os interesses dos portugueses, fere os interesses nacionais, abre portas à direita e põe em causa o futuro do País.

Condenação porque o PS e os seus governos defraudaram as expectativas dos eleitores portugueses. Uma maioria de cidadãos portugueses manifestou a vontade maioritária de uma ruptura com as políticas de direita, de uma mudança efectiva de política.

O PS e os governos PS mantiveram a identidade essencial dessas políticas. Os seus eixos estratégicos. As suas opções centrais. E até acabou por macaquear a prática política dos governos de Cavaco Silva.

O Governo devia responder aos défices estruturais do País. Em grande parte agravou-os.

O Governo devia corrigir a herança cavaquista de uma brutal desigualdade na distribuição do rendimento nacional - a maior da União Europeia. O Governo conservou-a. Mantêm-se os mais baixos salários, as mais baixas pensões, os menores apoios às pequenas e médias empresas. Rendimentos baixos, crescentemente comidos pela subida do custo dos bens essenciais.

O Governo devia assegurar serviços públicos de qualidade, em condições de acesso e tarifas iguais para todos os cidadãos e empresas, o Governo degradou-os com uma política de privatizações e liberalizações sem rei nem roque, acentuando assimetrias sociais e regionais.

Privatizações que o PCP critica e condena pela questão essencial: pela opção política e ideológica que o Governo fez e faz de tudo privatizar porque é público, e não só, pela forma como o processo de privatizações tem decorrido.

O Governo devia assegurar a isenção e a neutralidade da Administração Central, inclusive dos seus órgãos desconcentrados, recuperar para o Estado um comportamento democrático exemplar, e o Governo tudo tem transformado em instrumentos e agências de propaganda eleitoral.

O Governo devia sanear o aparelho do Estado de vícios centralistas, da burocracia, do nepotismo e favoritismo, e faz exactamente o contrário. Acentua o centralismo da direcção e comando político-administrativo, cultiva a burocracia e objectivamente cria uma anafada rede clientelar de amigos do partido no poder.

O Governo devia recuperar margens de manobra perdidas na União Europeia, com a defesa intransigente do interesse nacional e da soberania nacional, e o Governo prosseguiu e prossegue uma política de cedência após cedência, CIG após CIG, retirando ao Estado português capacidade de decisão e de intervenção, no apoio a um desenho federalista da União Europeia.

O Governo devia olhar para os trabalhadores. Defende o muito grande capital.

Acentua a precarização das relações laborais, mesmo na função pública. Crescem os acidentes de trabalho. Prossegue a política de baixos salários - ao que parece a única variável da economia portuguesa e estratégia económica única do Governo. (Gostaria de saber como o Governo vai justificar a partir dos dados recentemente conhecidos do Observatório Têxtil do Centro de Estudos Têxteis Aplicados - CENESTAP, a manutenção da política de baixos salários no sector têxtil - em 2000 o valor das remunerações nominais no sector têxtil aumentou 1.6%, e no vestuário diminuiu 1.1% enquanto que as produtividades aumentaram, respectivamente, 8.3% e 3.2%).

O Governo devia olhar para as pequenas e médias empresas, e em particular para o sector produtivo e o comércio tradicional. Mas não. O Governo defende os grandes grupos nacionais - os que o Sr. primeiro-ministro um dia destes nesta Assembleia deve querer que ganhem dimensão -, o grande capital internacional , e em particular o capital financeiro. (Um dia o Sr. primeiro-ministro ou o Sr. ministro da Economia, ou alguém por eles, certamente explicará a esta Assembleia da República e aos portugueses, como é que num país onde a evolução do PIB e os salários rastejam pouco acima de zero, há pelo menos três sectores económicos cujos lucros crescem anualmente pela casa das dezenas de pontos percentuais! A banca (das mais rentáveis da Europa), a grande distribuição (as margens de lucro dos hipermercados portugueses são duas a três vezes superiores às dos seus congéneres europeus), e as privatizadas empresas públicas. Alguém se queixou de portagens especulativas?? É que por cada cem escudos de portagens pagas pelos utentes, cinquenta são lucros para os accionistas!

O Governo devia governar à esquerda! Governou, governa e pretende continuar a governar à direita. Se houvesse falta de argumentos, aí está a novíssima promessa privatizadora do Serviço Nacional de Saúde.

O Governo devia, de forma séria, responsável, responder aos problemas dos portugueses. O primeiro-ministro resolveu culpá-los de falta de profissionalismo e tira da cartola o projecto megalómano do TGV/RAVE para esconder a ausência de uma política ferroviária e o escândalo da renovação da Linha do Norte.

A nossa censura às orientações de direita do Governo está feita, e estrutura e continuará a estruturar parte essencial da nossa luta e intervenção.

É assim que, reafirmando com clareza a nossa qualidade de oposição de esquerda ao governo do PS e de destacados protagonistas da luta por uma alternativa de esquerda, confirmados nesta Assembleia da República e na nossa intervenção na sociedade portuguesa, nos demarcamos da oportunidade e da utilidade da moção de censura apresentada.

Mas fica claro que, com o nosso voto, apenas confirmamos a nossa firme censura política à política do Governo. E nada mais.

Disse.