Intervenção da Deputada
Luísa Mesquita

Celebração do 1º Aniversário
do falecimento de Amália Rodrigues

12 de Outubro de 2000

Senhor Presidente
Senhoras Deputadas, Senhores Deputados

Há um ano, Lisboa despedia-se de Amália, transportando de S. Bento à Estrela e aos Prazeres, quer pelo silêncio, quer pelo poema cantado a emoção, o afecto e naturalmente a dor de quem perdia, por morte não anunciada, parte de um todo que a todos pertencia.

Homens e Mulheres de um povo que anónimo se identificava, ria e chorava, lembrando acordes de guitarra que à DOR INÚMERAS VEZES MATARAM A SEDE.

Amália GOSTAVA DE SER QUEM ERA.

Filha de uma família pobre e numerosa que um dia parte para Lisboa à procura de melhores dias.

Mas as expectativas não se concretizam e ei-los que partem e Amália fica.

Aprende a língua portuguesa a cantar para O POVO QUE LAVA(S) NO RIO, para as vizinhas que lavam a roupa na selha e os aplausos ecoam pelas ruas apertadas do bairro lisboeta, quando não tinha, sequer, meia dúzia de anos.

Não conhece brinquedos mas sabe algumas cantigas.

No bairro, pedem-lhe que cante e em troca, enchem-lhe as algibeiras do bibe com rebuçados e moedas.

Não longe desta casa, na Escola Primária da Tapada da Ajuda, menina ainda, ela ouve, pela primeira vez, as palmas de um público mais vasto, que a escuta, adivinhando a prazo talento e sucesso.

Mas a escolaridade acabou cedo.

Foi necessário aumentar os parcos recursos da família com o seu próprio labor.

Parece fado de gente pobre.

Grandes e pequenos garantem o sustento da casa.

E ela parte para o Cais da Rocha, em Alcântara, vendendo fruta e cantando alegrias e tristezas de um povo que então, parcas razões tinha para cantar o presente, porque distante ainda estava a MADRUGADA DA LIBERDADE.

ESTRANHA FORMA DE VIDA, não por ser desconhecida mas diferente diria o poeta de Bárbara Escrava, a Negra Cativa, e talvez, em rodapé, acrescentasse, igual a tantas outras.

António José Saraiva diz que o fado é a expressão mais popular deste "gosto de ser triste: é um lamento entrecortado de soluços".

Amália interpretou este sentir, apreendeu este ser e estar português, cantou e recriou o fado.

Ela explica o seu engenho e arte com uma simples e natural metáfora:
"Nem sei como hei-de chamar a isto. Talvez eu não seja criadora, mas quando canto estou a inventar. E, para inventar, preciso de música. O fado, quando comecei, era amarrado como se tivesse só uma divisão e a minha maneira de cantar deu-lhe mais duas casas."

No Teatro de Revista, nas Operetas, no Cinema, nas Casas de Fado a sua voz sofrida ecoa e talvez por isso, ela confesse:
"Quando canto escuto-me, e quando me escuto acabo a chorar."

O país é então insuficiente para a cantadeira e o mundo abre as suas portas a uma voz que expressa e sente o sofrimento sem precisar de fingir que é dor a dor que deveras sente.

Europa, África, América, Ásia rendem-se ao seu fascínio.

O mundo conhece e reconhece em Amália, Portugal e os Portugueses.

A língua portuguesa, ri e chora, com ela ao som da guitarra.

Poetas anónimos, Trovadores medievais, Camões, Ary dos Santos, Mourão-Ferreira, Natália Correia, Vinícius de Morais são apenas e só alguns dos textos fadados pela arte de uma voz prenhe de emoção sensual e musical que "é património vivo da nossa cultura, do nosso país e do nosso povo".

Há um século a cantiga, o fado irrompia nos bairros operários de Lisboa; depois cresceu, invadiu o urbano e o rural e hoje ANDA AINDA NA MINHA RUA E O SOL TAMBÉM.

Amália canta.
Disse.