Intervenção do Deputado
Octávio Teixeira
Declaração política sobre a situação económica portuguesa
26 de Julho de 2000
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Na passada sexta-feira, à entrada de um fim de semana convidando ao
remanso, o Governo entendeu ser o momento para trazer "boas novas"
aos portugueses, que delas tão carenciados andam.
O Ministro das Finanças, veio descansar-nos a todos afirmando que "
o ano de 2000 está e vai ser um ano de crescimento forte e robusto".
Mais nos disse que, "existindo alguns factores de preocupação
e de quebra das expectativas ao nível dos consumidores e das famílias",
os portugueses não precisam de se preocupar porque o Governo está
atento à situação socio-económica. E finalizou
declarando-se "em condições de garantir que o objectivo
de atingir um défice de 1,5% do PIB para 2000 está assegurado,
sem qualquer dúvida".
Uff ... que peso o senhor Ministro nos tirou das costas.
Aos portugueses dá a sensação que a inflação
registada está a comer mais que os aumentos salariais nominais? É
pura ilusão. É um facto matemático que a inflação
anual será superior a 2,4%. Mas o Governo e o Ministro das Finanças
garantem que a inflação será de 2% ... pronto, acabou-se.
São a vida e a matemática que estão erradas. Quem manda
é o Governo, não é a realidade. Por isso é esta
que tem de se adequar à vontade daquele, não o inverso. Era
o que faltava ...
O INE vem dizer-nos que nos primeiros quatro meses do ano o défice
comercial com o exterior aumentou 33,5%, ou que o índice de produção
industrial em Maio baixou relativamente ao mesmo mês do ano anterior?
O INE pode ter o poder das estatísticas, mas quem tem o poder político
é o Governo. A este Governo, não preocupam os números.
E se existe uma quebra de confiança dos consumidores, para o Ministro
das Finanças a explicação é simples: "é
uma contradição da economia nacional"! Ele o disse, assim
terá de ser...
As receitas orçamentais cresceram apenas 3,2% quando o Governo previa
um crescimento de 9,9%? E depois? Errar é humano, e o actual Primeiro-Ministro
não é como o anterior, que dizia nunca se enganar. E, para além
disso, não há qualquer problema. Por cada milhão de receitas
a menos, o Governo cortará um milhão nas despesas. Como já
o começou a demonstrar com a redução das bonificações
das taxas de juro para habitação. Tudo, e sempre, para bem dos
portugueses, para que às famílias portuguesas lhes não
falte nada. Aliás, o Governo antecipou a concessão das licenças
UMTS não por uma questão de contabilização da
receita extraordinária, mas tão só e apenas "para
que os portugueses tenham mais cedo acesso" aos telemóveis de
terceira geração...
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Infelizmente para os portuguesas e para a economia portuguesa, a realidade
é a que é, e só ela conta e pesa no dia a dia dos cidadãos.
A situação económica e financeira das famílias
e do País não navega em águas mansas, antes está
a ser fortemente batida por vagas altas, fortes e perigosas.
Os trabalhadores foram e continuam a ser lesados pelo Governo com a burla
da inflação prevista, sentindo dia a dia que ou os meses estão
a crescer ou é o salário que cada vez menos dá para chegar
ao fim do mês. E aqueles que têm de pagar a prestação
da habitação sofrem a dobrar.
Mas, garantida que está a derrapagem da inflação, sobra
a exigência ética, política e social de que o Governo
reabra no imediato o dossier das actualizações salariais de
2000 para os trabalhadores da função pública. Não
podem ser estes a pagar os dislates do Governo!
A projecção para o final do ano das receitas fiscais, com base
no padrão de execução do ano anterior, aponta para um
desvio negativo da ordem dos 300 milhões de contos, derrapagem de que
não há memória no nosso país. É o ISP,
mas é igualmente o impacto da baixa da taxa do imposto sobre os lucros
ou do inaceitável benefício fiscal no I Automóvel à
compra dos "todo-o-terreno". A garantia do Governo de que manterá
o défice orçamental, só pode ter um significado: o de
que vai enveredar por reduções brutais da despesa, pois os 80
milhões das UMTS não tapam metade do buraco. Cortando a torto
e a direito, atrasando obras públicas rodo e ferroviárias, construção
de escolas, de hospitais e de centros de saúde, prejudicando o desenvolvimento
do país e o bem estar das populações.
E o aumento exponencial do défice comercial é o espelho da persistente
perda de quotas de mercado das exportações, da permanência
da fragilidade da estrutura produtiva e da incapacidade de convergência
da produtividade nacional com a média comunitária. É
o resultado da assumida demissão do Governo de ter uma política
económica para o País. Mas é, ainda, um pesado fardo
financeiro que Portugal terá de pagar. Se não o pagar com euros
ou com qualquer outra moeda, terá de o pagar com empresas ou qualquer
outro património nacional. O certo é que os défices terão,
mais cedo ou mais tarde, de ser pagos. Pelos trabalhadores, pelos portugueses.
É mais que tempo de o Governo deixar de ser autista. O défice
externo, o elevado nível de endividamento das famílias e o "buraco"
das receitas orçamentais são três graves e críticos
desequilíbrios da economia portuguesa, que é preciso atalhar.
O que exige, rapidamente, novas políticas com novas e diferentes orientações.
Se assim não for, se o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças
persistirem em fazer a figura daquele outro que não vê, não
ouve, não fala e só descansa, então terão razão
os que já vão dizendo que a crise em Portugal é inevitável.