Intervenção do Deputado
João Amaral

Sessão Solene Comemorativa
dos 500 Anos do Achamento do Brasil e de Boas-Vindas
ao Presidente do Congresso Nacional da República Federativa do Brasil
Senador António Carlos Magalhães

16 de Maio de 2000



Sr. Presidente da Assembleia da República de Portugal,
Sr. Presidente do Congresso da República Federativa do Brasil,
Srªs. Autoridades
Srs. Convidados
Senhoras e Senhores Deputados

O Parlamento de Portugal associa-se, com esta sessão, ao solene assinalamento da passagem de quinhentos anos, desde que em 22 de Abril de 1500 um punhado de portugueses, capitaneados por Pedro Álvares Cabral, depois de atravessar o oceano que chamamos Atlântico, cruzou a sua história com a história dos povos que há muitos milénios ocupavam as terras, que hoje fazem o país que é o Brasil.

Esses povos também eles tinham feito, muito tempo antes, uma longa viagem. Provavelmente vindos da Ásia, depois de atravessarem a estreita ligação com a América criada na época glaciar. E até há quem ponha a hipótese de outras origens, via Continente Antártico, provenientes do Continente austral.

Sabemos ainda muito pouco destas e doutras viagens que a espécie humana, provavelmente a partir de um tronco comum, fez sobre o planeta, no seu caminho lento, mas determinado de expansão e domínio. Olhamos para o século que agora acaba, para o milénio que agora acaba, como se neles se resumisse o tempo.

Mas, também na terra de onde partiu Pedro Álvares Cabral e os seus homens, a ocupação humana tinha muitos milénios. E olhando só os tempos mais próximos, aqui estiveram, formando o povo e caldeando o país, que hoje somos, povos tão variados como os Lígures e Celtas; os Fenícios, Gregos e Cartagineses; os Iberos; os Romanos; os Alanos; Suevos e Visigodos; os Árabes.

Na nossa história, como na história do Brasil, há no entanto momentos únicos, e forças determinantes. Não seriamos, aqui em Portugal, este Portugal que somos se estas terras que chamamos nossas não tivessem feito parte do império romano. Também o Brasil não seria este que é se não fosse a viagem de Cabral e a colonização portuguesa.

Assinalando esse encontro de há quinhentos anos, fazemo-lo em nome dos povos e países que somos hoje, formados na sua específica contingência histórica, que moldou as identidades, que não podem ser rescritas.

Vivemos, depois desse encontro, as grandezas e misérias que marcam a espécie humana. Está na história tanto a aventura do conhecimento e da construção, como a ignomínia da escravatura e a crueldade da exploração sem limites do trabalho humano. Há uma história de arte, beleza e cultura, como há uma história de domínio, sangue e guerra. Cá e lá. Na mesma época, fez-se o comércio negreiro no hemisfério Sul e a inquisição no Terreiro do Paço.

E mesmo depois do Brasil ser independente, centenas de milhar de portugueses, nos limites da pobreza a que eram condenados em Portugal, fizeram a rota de Cabral, emigrantes com lugar a monte, em obscuros navios, para fazerem trabalhos sem qualificação, e assim poderem sobreviver e dar um futuro aos seus filhos. Permitam-me um parêntesis pessoal, porque tenho essa experiência na minha família. Os meus avós paternos, camponeses sem terra, como muitos outros portugueses, foram para o Brasil nos anos vinte, pobres, ignorantes, mas generosos na sua vontade de trabalhar duro, para o país que amigavelmente os acolhia. Recordo as descrições que ouvi, das cidades de Santos e São Paulo, descrições míticas e ao mesmo tempo ingénuas. Descrições que invertiam o sentido da Carta de Pero Vaz de Caminha. Era o mundo e as grandes urbes brasileiras que esses emigrantes portugueses tinham deixado, que representavam o progresso e a "civilização", enquanto a aldeia nas faldas da Serra da Estrela para onde regressaram nos anos cinquenta continuava sem electricidade, com uma agricultura próxima da subsistência, e uma larga maioria de analfabetos.

A história das Nações não é só a história das suas elites e das suas guerras. Faz-se também e fundamentalmente destas muitas histórias anónimas, de povos que sofrem e trabalham, para que as Nações engrandeçam.

Que esperam os povos deste assinalamento da história? Temos obrigação de olhar o passado, com verdade, de redescobrir a história, não para fazer dela um juízo ético que seria sempre anacrónico, mas para assim compreendermos o que fomos. Mas temos ainda mais obrigação de olhar o presente e o futuro, para garantir que tiramos da leitura do passado os ensinamentos necessários.

Hoje, o Brasil é uma grande Nação no Mundo. É quase 100 vezes maior que Portugal, em área. Tem mais de 16 vezes que a população portuguesa. É a 8ª. economia mundial, com um PIB que é 8 vezes o português, e que, no seu total, se aproxima da soma dos PIB dos países árabes e dos países da África Subsariana.

No Brasil como em Portugal, procura-se maior justiça e desenvolvimento. No dia 22 de Abril passado, em Porto Seguro, estiveram pedindo justiça os sem terra e os índios. Mas nestes dias, aqui em Portugal, também há trabalhadores que usam os seus direitos constitucionais, incluindo o direito de greve, para lutarem pelas suas reivindicações.

O Brasil acaba de debater o valor do salário mínimo. Ninguém aqui nesta sala duvida que também em Portugal o salário mínimo é excessivamente baixo.

O povo brasileiro e o povo português são povos determinados e lutadores. Viveram já neste século sob ditaduras, conquistaram a democracia e a liberdade, conquistarão justiça e desenvolvimento.

Vivemos hoje as ameaças da globalização, o Brasil por exemplo com o peso da dívida e com a pressão sobre a moeda e a sua relação de troca com o dólar; em Portugal, por exemplo com industrias de grande peso como a têxtil sujeita aos efeitos devastadores de uma .desregulamentação mundial tal como a OMC a deseja.

Brasil e Portugal têm língua comum, entre si e com outras Nações - Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e talvez Timor. É possível e desejável encontrar no desenvolvimento multilateral de relações um ponto de vantagem comum e recíproca para enfrentar os desafios que hoje se nos apresentam! É preciso por isso dar uma maior dinâmica à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

O desenvolvimento das relações bilaterais entre o Brasil, país da Mecorsul e Portugal, país da União Europeia, tem óbvias vantagens mútuas. Se mais não fosse, devemos o esforço e a determinação de fortalecer essas relações bilaterais ao respeito devido às fortes comunidades de emigrantes, portugueses no Brasil, e a crescente comunidade de brasileiros em Portugal, cuja presença aqui saudamos especialmente. Quero aqui lembrar que, na nossa opinião, Portugal deve-lhes maior consideração na fronteira, que não pode ser uma muralha hostil, como lhe deve o aprofundamento do princípio da reciprocidade de direitos.

Hoje, os fluxos humanos entre Portugal e Brasil passam-se na sua maioria com estratos sociais bem diferentes dos do passado. São maioritárias as camadas urbanas com presença forte dos níveis médios e superiores de formação. Estes fluxos são uma riqueza acrescentada aos dois países, que deve ser estimulada.

Sentimos aqui o Brasil como uma Pátria. Faço parte de uma geração que se formou também com a leitura de Jorge Amado, de Caio Prado Júnior, de João Cabral de Melo Neto, entre muitos outros. Que viveu todos os grandes nomes da música brasileira, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Betânia, Tom Jobim. Que se emocionou com o Pagador de Promessas. De há uns anos para cá, a televisão do Brasil mostra a sua força e capacidade todos os dias nos canais portugueses.

Os projectos que podemos construir, a partir do cruzamento de histórias, da língua comum e do potencial do presente, são cada vez maiores.

O Sr. Presidente Senador António Carlos Magalhães vem aqui assinalar, como Presidente das Câmaras Parlamentares representativas de todos os cidadãos brasileiros assinalar connosco uma data do passado. Da nossa parte, PCP, leve para o Brasil um abraço fraterno e o alento e solidariedade ao povo brasileiro para as lutas milenares pela justiça e pelo desenvolvimento, que, essas sim, fazem a definitiva grandeza das Nações.

Nos meses de Maio, Sr. Presidente, em Lisboa, acontece um sempre esperado momento de rara beleza. Estão a começar a florescer os jacarandás, a árvore trazida do Brasil para as ruas da nossa Cidade, a árvore que tão bem pode simbolizar as relações que desejamos para os povos de Portugal e do Brasil, no seu roteiro para um futuro melhor, de paz, de respeito, de amizade.

Disse.