INTERVENÇÕES

Intervenção de Jorge Pires no encerramentos dos trabalhos da
Conferência Nacional - O PCP e o Poder Local
11 de Maio de 2003

Camaradas Delegados
Amigos

Se dúvidas existissem sobre a necessidade do nosso Partido realizar esta Conferência Nacional, o debate que ontem foi realizado na 3ª secção sobre as “Linhas de trabalho para uma gestão democrática e de qualidade”, não só confirmou a justeza da decisão, como deixou claro que vamos ter de o continuar, naturalmente agora mais virado para o aprofundamento de matérias onde o debate foi insuficiente e também, onde existem profundas diferenças de opinião, mas sobretudo muito virado para o encontrar das formas de concretização das orientações definidas.

Os protagonistas do debate, dirigentes partidários, autarcas, activistas associativos, jovens da JCP, entre outros, mostraram que entre nós, existe para além da enorme experiência acumulada, um nível de conhecimento das matérias em discussão e das soluções para os problemas, o que conferiu ao debate, uma qualidade e uma seriedade, só possível de atingir, com gente que sabe do que está a falar.

Sentiu-se durante as mais de quatro horas, que duraram os trabalhos da secção e no qual cerca de 25 camaradas tiveram oportunidade de intervir, que o Partido no seu conjunto compreendeu a importância de olharmos a nossa intervenção no Poder Local, de forma integrada, em que a gestão autárquica é uma importante componente, mas não a única e sobretudo, compreendeu, que a intervenção no Poder Local se insere na luta mais geral do Partido pela transformação da sociedade.

O debate confirmou que a ligação da acção das autarquias, ao trabalho mais geral do Partido, intervenção que deve ser orientada para aproximar o Partido das populações, para estimular a luta e a participação popular e elevar a consciência social e política das populações, indispensável aos objectivos mais gerais do Partido, é o principal objectivo que se coloca à actividade do Partido nas autarquias.

Tal como já tínhamos concluído na fase do debate preparatório da nossa Conferência Nacional, também ontem ficou claro, que muitas das dificuldades que enfrentamos e dos erros cometidos, resultam em muitos casos da não concretização de orientações no concreto no todo ou em parte.


Mas esta constatação, não pode ser entendida como um valor absoluto, porque sendo verdade que no essencial os nossos problemas não residem na falta de orientações, também é conhecido que algumas dessas orientações precisam de actualização, no quadro de uma realidade objectiva muito difícil e complexa, que coloca novos problemas à nossa intervenção, realidade que se tem vindo a alterar para pior nos planos; legislativo e económico, mas também, porque relativamente a uma mesma orientação existem em várias matérias da maior importância para a gestão, interpretações diferentes e até discordâncias profundas.

Refiro-me por exemplo, no primeiro caso, às soluções empresariais de natureza pública que têm vindo a ser adoptadas, como as empresas municipais, ou às diferentes interpretações sobre privatização e prestação de serviços, e no segundo, à legislação sobre a criação dos Conselhos Municipais de Educação, matéria em que fomos confrontados com manifestações de discordância profundas entre eleitos e docentes.

Tal como é salientado no capítulo 5, do projecto de resolução política, na nossa acção autárquica as dificuldades que enfrentamos na nossa gestão, não são impeditivas, antes pelo contrário exigem na afirmação do projecto autárquico do PCP, uma acção política distintiva da que os outros desenvolvem.

O debate não só confirmou esta necessidade, como foi todo ele percorrido pela afirmação, de que o projecto autárquico do PCP, o prestígio conquistado, a identificação com as mais sentidas e profundas aspirações populares e o nível da obra realizada pelos eleitos do PCP nas autarquias , no decurso dos vários mandatos, estão estreitamente ligados ao estilo de gestão e de exercício do poder.

Projecto autárquico do Partido, que na sua essência, traduz uma concepção do exercício do poder, que é inerente a uma conjunto de características essenciais, que marcam e diferenciam o estilo de gestão desenvolvido pelos eleitos, aspectos distintivos da gestão profundamente ligados à natureza de classe do Partido e aos seus objectivos políticos.

Da sua efectivação e verificação depende, tal como foi confirmado no debate, a própria afirmação do nosso projecto, a eficácia e democraticidade da gestão e os níveis respectivos de realização.

Ao longo dos mais de 25 anos de Poder Local Democrático, têm sido muitos os condicionalismos impostos pelo Poder Central, um poder que se tem caracterizado pelo seu carácter centralizador e altamente burocratizado, que tem apostado num quadro legislativo contrário ao objectivo de aproximar as autarquias das populações, de não dotar os municípios e freguesias dos meios financeiros justos para o desempenho das suas funções, de descentralização de novas responsabilidades e competências sem os respectivos meios, para além de uma grande incapacidade de perceber a importância decisiva das autarquias locais, na elevação dos níveis de desenvolvimento das regiões deste país.


Esta realidade, com todos os condicionalismos e o crescente grau de complexidades a que as autarquias têm hoje de responder, bem como a densificação dos muitos problemas que se colocam hoje à gestão, muitos deles com soluções que são da responsabilidade do poder central, exigem dos nossos eleitos e do nosso Partido, as melhores respostas, sempre num quadro de soluções distintivas, contrárias a qualquer ideia de nos deixarmos empurrar para as soluções dominantes.


O debate confirmou que é justa a necessidade de chamar a atenção para o facto de, as transferências de encargos corresponderem no essencial a objectivos políticos e que sempre que, e após uma avaliação rigorosa entendermos que existem vantagens no plano local, em assumirmos responsabilidades que são do poder central, que se assumam essas responsabilidades acompanhadas sempre do necessário esclarecimento e que só o fazemos porque para nós em primeiro lugar estão as pessoas.

O debate recusou qualquer tese, que procure justificar e defenda a revisão oportunista desta orientação, mesmo que uma postura de cedência perante as pressões do poder central, possa trazer algumas vantagens imediatas, nomeadamente financeiras.

É que no essencial a vida tem confirmado, e dizemo-lo com profunda convicção, de que no essencial a superioridade do trabalho e eficácia dos eleitos do PCP e da nossa gestão nas autarquias locais, reside na firme e criativa aplicação das orientações gerais do Partido e que sempre que nos desviamos desta linha, surgem erros e dificuldades que acabam por agravar os problemas no futuro.


Camaradas


A nossa intervenção autárquica e de uma forma geral no plano local, não está desligada, antes pelo contrário, da luta pelos objectivos políticos mais gerais do nosso Partido e por isso as opções que são feitas no planos da gestão, nas decisões tomadas e das prioridades assumidas, não podem deixar de ter em conta a natureza de classe do Partido.

Assumir com toda a convicção esta necessidade de ligar a acção das autarquias ao trabalho mais geral do Partido, orientado-a para nos aproximar das populações, para estimular a luta e a participação popular e elevar a consciência social e política das populações, indispensável aos objectivos mais gerais de transformação da sociedade, é o principal objectivo que se coloca à actividade do Partido nas autarquias.

Foi neste contexto que se inseriu o debate travado, em torno da salvaguarda do serviço público municipal prestado às populações, nas áreas de atribuições do Poder Local e a defesa dos interesses e direitos colectivos sobre os particulares e a confirmação de que é fundamental nos casos em que se tenha de recorrer a novos instrumentos de gestão, designadamente a soluções empresariais de natureza pública, estas opções não retirem poder de decisão aos orgãos autárquicos na definição de políticas locais, no afastamento das populações do seu direito de participação e fiscalização ou na redução dos direitos dos trabalhadores, da estabilidade do emprego e das condições de trabalho.

É que na nossa concepção de democracia e tal como concluímos no XVI Congresso do Partido, em áreas fundamentais da gestão autárquica, só os serviços públicos podem assegurar a concretização dos direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos.

Os objectivos conhecidos de privatização do abastecimento de água e do tratamento das águas residuais, bem como o tratamento dos resíduos domésticos e industriais, pode ser e é certamente um dos grandes negócios na entrada deste novo século, mas é certamente uma opção contrária ao desenvolvimento do país e da elevação dos níveis de bem estar e conforto das populações portuguesas.

O debate não só reafirmou esta posição de princípio do nosso Partido, como salientou a necessidade de uma intervenção das organizações locais do Partido e dos comunistas individualmente, na organização e dinamização das comissões de utentes na defesa do serviço público, nestas e noutras áreas onde os apetites privatizadores se têm vindo a desenvolver.

Tal como foi afirmado por um camarada durante o debate, as políticas distintivas não visam apenas a solução dos problemas elas encerram em si a defesa da participação das populações e dos trabalhadores na defesa dos seus direitos.

Foram muitas as sugestões e propostas apresentadas pelos intervenientes no debate, para a nossa intervenção nas autarquias locais em muitos domínios da gestão, sempre com a preocupação de elevar a qualidade da gestão, aproximar os eleitos das populações, dar uma contribuição decisiva para elevar os níveis de qualidade de vida e bem estar.

Pela impossibilidade de dar a conhecer todas, destaco algumas pela sua importância:

.A necessidade das autarquias garantirem a posse do solo, solo para a habitação social e a custos controlados, mas também vocação industrial, como forma de poderem conduzir o processo de crescimento das cidades e darem o seu contributo para o desenvolvimento económico.

.Procurar fazer regressar ao centro das cidades os trabalhadores, associando a este regresso formas vivência colectivas já testadas e de grande importância social e política.

.O entendimento das políticas para a juventude, como políticas transversais, não caíndo no vício redutor de as limitar às áreas da cultura e do associativismo, alargando-as aos domínios da habitação, da educação, da criação de postos de trabalho, do ambiente, no combate à toxicodependência.

.Dar maior atenção às questões do desenvolvimento económico local e regional, apostando em planos integrados de desenvolvimento.

.Avançar no desenvolvimento de políticas desportivas locais, apostando num triângulo estratégico que envolva as autarquias, as escolas e o movimento associativo, apoiando fundamentalmente projectos na área da formação e na prática desportiva como forma de defender uma vida saudável.

Existe a consciência de que são medidas que fazem parte integrante de um modelo de desenvolvimento, que é o preconizado pelo PCP, um desenvolvimento integrado, sustentável e humanista, modelo que se confronta no dia a dia com um modelo dominante que não depende em grande medida das autarquias, modelo que tem sido marcado no essencial pelas políticas neoliberais defendidas pelo PS e pela direita em sucessivos Governos.

As autarquias em termos gerais e particularmente as autarquias CDU, fizeram e fazem muito nestes domínios pelo desenvolvimento do país, mas não podem colmatar as carências e aberrações que resultam do modelo de desenvolvimento em vigor.


Por último dizer-lhes que o debate reafirmou que não é possível termos uma acção distintiva na gestão autárquica, que não passe pelo entendimento de que os trabalhadores das autarquias são uma importante componente no complexo processo de gestão. Sem a sua participação empenhada, criativa e motivada, dificilmente os resultados da gestão podem ser positivos. A adopção de políticas de gestão que passem pela valorização profissional e material dos trabalhadores das autarquias são da maior importância para o trabalho da autarquia, mas o que pode ser distintivo na gestão dos eleitos comunistas é a valorização dos trabalhadores das autarquias enquanto pessoas que pensam, que têm opiniões, que se bem aproveitadas as suas capacidades podem dar uma importante contribuição para o êxito do nosso trabalho.


Viva o Partido Comunista Português