INTERVENÇÕES
Intervenção
de Jorge Cordeiro na abertura dos trabalhos da
Conferência Nacional - O PCP e o Poder Local
10 de Maio de 2003
A conferência que hoje realizamos
e que temos vindo a preparar, centrada na intervenção
nas autarquias no quadro geral da acção local do Partido,
pretende-se marcada pelo objectivo de dar resposta a duas questões
essenciais: o de situar o nosso trabalho nas autarquias, com a importância
que lhe reconhecemos e as especificidades que coloca, enquanto um
espaço de intervenção e uma frente de trabalho
e de luta dos comunistas inserido e articulado com a acção
geral do partido; e o de contribuir para sistematizar e definir
um conjunto de orientações para a intervenção
nas autarquias e para o trabalho das organizações
locais com base na experiência da nossa actividade, nos êxitos
e resultados que dela decorrem, mas também nas comprovadas
dificuldades e insuficiências.
Não se trata por isso, e assim não a quisemos assumir,
de uma conferencia sobre administração autárquica
ou de uma conferência destinada exclusivamente à participação
de eleitos.
Compreende-se que assim seja. Limitar a aspectos de gestão
ou administração a conferência seria reduzir
o envolvimento, o interesse e a participação a um
conjunto restrito de organizações e corresponderia
a uma concepção redutora do conteúdo da nossa
intervenção autárquica.
O conteúdo da nossa acção autárquica,
tal com a concebemos, é bem mais denso e extravasa dos meros
limites da gestão, envolve e incorpora a fiscalização,
a proposta, a luta e a mobilização populares, e também
porque, limitar a conferência a eleitos, corresponderia a
excluir um número significativo de organizações
onde o Partido ou a CDU não dispõem de eleitos. De
todo se não compreenderia que o partido abdicasse nestas
circunstancias de intervir na defesa dos interesses das populações
e na representação desses mesmos interesses e reclamações
junto do poder aí constituído. Mas compreende-se,
sobretudo, porque em todas as situações a intervenção
do Partido nos problemas locais é responsabilidade do conjunto
da organização e de todos os seus membros, e não
de uma parte destes.
Delegar nos eleitos a responsabilidade exclusiva desta intervenção
seria desperdiçar a contribuição e o trabalho
de todos os outros membros do partido que militam nas organizações
e intervêm em outras frentes de trabalho associativas, de
massas ou de classe.
Três razões maiores avultam para a opção
assumida de realizar uma Conferência centrada no debate e
exame do nosso trabalho nas autarquias no quadro da acção
geral das organizações locais.
A primeira é a que decorre da ideia, e da sua assunção
prática, de que o trabalho nas autarquias e o exercício
dos mandatos de que aí dispomos não constitui um fim
em si, no desempenho do qual se esgotaria a acção
dos eleitos. Mas sim uma frente de trabalho, um espaço de
intervenção e de luta, o desempenho de uma tarefa
que, necessariamente deve ser articulada com a acção
e os objectivos gerais de luta do Partido e constituir factor de
elevação da nossa influência política
e social.
A segunda razão, é a que decorre da comprovada verificação
de que a possibilidade de traduzir em resultados e imprimir eficácia
política ao trabalho que na autarquia se realiza está
directamente associada à capacidade de esse trabalho ser
acompanhado pela acção geral do Partido, de se reflectir
na intervenção da organização partidária,
de ganhar dimensão e visibilidade pela actividade que o Partido
em simultâneo desenvolva.
A eficácia política do trabalho e da obra realizada
na autarquia é inseparável do conhecimento que o conjunto
da organização dela dispuser para a promover e valorizar,
do suporte que a influência e a intervenção
organizada dos comunistas possibilitar.
É notório por exemplo, que a sustentação
e a rentabilização política do trabalho realizado
a partir da autarquia com as organizações e estruturas
associativas é inseparável da influência e da
actividade dos comunistas nessa mesmas estruturas e organizações.
A identificação das populações com
as propostas e iniciativas dos nossos eleitos e o apoio que lhes
prestam depende fortemente da capacidade de acção
do Partido e das suas organizações no sentido de dinamizar
a luta, promover o envolvimento ou desenvolver a reivindicação
popular.
A maior ou menor eficácia na mobilização e
envolvimento dos trabalhadores da autarquia nos objectivos da nossa
acção numa Câmara Municipal não é
separável da existência ou não de células
do Partido no seio dos trabalhadores da autarquia.
Constituiria uma perigosa ilusão supor que o trabalho na
autarquia por si só, à margem de um trabalho e de
uma influência efectiva de partido no plano local, pode eternamente
garantir expressão e posições eleitorais.
A terceira razão é a que decorre da confirmada importância
que a iniciativa própria do Partido é chamada a desempenhar
nos problemas locais, da imperiosa necessidade de sermos capazes
de assegurar a inserção do trabalho nas autarquias
no quadro da acção do Partido e de evitar situações
que tendam para a diluição do partido no trabalho
autárquico.
A tendência negativa presente nesta ou naquela organização
para reduzir a intervenção local ao espaço
da autarquia e esgotar os organismos na exclusiva discussão
dos problemas autárquicos conduz inevitavelmente à
subestimação do universo mais amplo de problemas locais
sobre os quais o Partido deve intervir, assumir e promover.
Reduzir a intervenção local do partido à acção
dos eleitos representaria abdicar de uma indispensável presença
do Partido na defesa das populações, na promoção
dos seus interesses, na representação dos seus direitos
com consequências políticas e eleitorais negativas.
Esta concepção não desvaloriza em nada o reconhecido
mérito do trabalho, da obra e da intervenção
de milhares de comunistas nas autarquias. Bem pelo contrário.
É por se querer ver esse trabalho traduzido em resultados
e contributo para os objectivos da intervenção política
do Partido, que a todos une, e para a qual todos — eleitos
e não eleitos — se empenham, que se revela essencial
a afirmação desta concepção, segundo
a qual o trabalho no plano local não se esgota na intervenção
nos órgãos autárquicos e implica a dinamização
da acção política das organizações
locais, na qual o trabalho autárquico se insere, a par de
outras frentes.
Na verdade a experiência e a abordagem de aspectos relacionados
com o conteúdo político do trabalho das organizações
e do trabalho dos eleitos comunistas, as suas repercussões,
resultados, potencialidades e insuficiências põem em
evidência três constatações.
A primeira, a de que a influência política no poder
local é inseparável da influência política
e social do partido, não apenas no plano nacional mas também
no plano local. A vida tem provado que por melhor que seja o trabalho
realizado na autarquia ele se revela, mais tarde ou mais cedo, insuficiente
para se prolongar em influência eleitoral, se não for
acompanhado de uma acção de partido que contribua
para afirmar e ampliar a nossa influência social e política
em cada local. O que reclama da parte das organizações
uma afirmada intervenção e presença na vida
local, e da parte dos eleitos a clara consciência de que a
sua presença nas autarquias não pode deixar de contribuir
para a afirmação do PCP e para o alargamento da sua
influência.
A segunda, a de que as possibilidades de intervenção
nas autarquias para melhorar as condições de vida
não são independentes do rumo da política nacional
e das opções governativas. O que reclama das organizações
do partido e da acção dos eleitos uma intervenção
que se não reduza ao estritamente local, que não prescinda
de uma acção política sobre o conjunto dos
problemas que afectam as condições de vida da população
e dos trabalhadores dos respectivos concelhos ou freguesias, que
não perca de vista o objectivo de não concorrer ou
favorecer no plano local a aplicação de políticas
e opções de direita que o partido justamente combate
no plano geral e nacional.
E a terceira, que as exigências que ao nosso trabalho autárquico
se colocam para confirmar e ampliar posições é
incomensuravelmente maior se comparado com o que a outros é
exigido.
Desde logo ao nível da obra e do trabalho realizado enquanto
condição necessária e indispensável.
Mas confirmadamente insuficiente se não acompanhada da devida
valorização, da justa correspondência com as
principais aspirações e interesses da população,
das condições em que se realiza, como se realiza e
quando se realiza. Mas também exigências acrescidas,
na avaliação que sobre nós é realizada,
no que respeita ao exercício de poder, à conduta e
ao desempenho dos cargos e mandatos, à sobriedade com que
os exercemos, o apego ou ostentação que devemos recusar
assumir no seu exercício.
O princípio que cada um dos eleitos do PCP deve procurar
respeitar e cumprir de não obter benefícios pessoais
pelo exercício de um mandato, constitui uma expressão
de elevada integridade política e pessoal. Mas é em
si também um factor de prevenção de manifestações
de apego ou de disputa de poder inaceitável entre comunistas,
e uma condição de saudável relacionamento entre
os membros do Partido a quem foi confiada a tarefa e a responsabilidade
de exercer um mandato e todos aqueles que pelo seu trabalho contribuíram
para o obter.
Exigências estas a que acrescem as relativas a aspectos de
importância decisiva como os da participação
e proximidade às populações, da atenção
dada ao relacionamento, aos direitos e às condições
de trabalho dos trabalhadores da autarquia, dos critérios
e opções de classe que não podem deixar de
ser assumidas em muitas das decisões, orientações
e investimentos da autarquia.
A participação constitui como se afirma no documento
uma condição básica de uma administração
democrática.
É verdade que a participação não esgota
por si o que é distintivo no nosso projecto autárquico
nem é condição absoluta de democracia plena.
Mas sem dúvida alguma que o caracter distintivo da nossa
intervenção nas autarquias é inseparável
da sua componente participativa e que sem participação
não há seguramente administração ou
intervenção democrática.
A participação das populações é
desde logo um dever democrático de quem exerce o poder, uma
condição de acerto de decisões, de aferimento
das aspirações populares, de identificação
com os seus principais interesses.
A participação é para nós comunistas
um modo de conduta permanente, não uma conduta ditada por
critérios de moda e conjuntura. Não despertámos
agora para a sua importância. Desde o primeiro momento que
o esforço e a preocupação de manter uma atenta
observação da componente participativa tem acompanhado
as orientações e o trabalho dos eleitos comunistas.
É essa acção que deve ser aprofundada e prosseguida
em todas as situações onde se realiza, e retomada
ou ampliada nos casos, e casos há, em que ela se encontra
esbatida, secundada e desvalorizada.
A participação que pretendemos prosseguir reclama
como condições para a sua efectiva concretização,
três aspectos da maior importância:
— Uma política de informação, assumida
não como mero instrumento de propaganda ou divulgação,
mas como condição para alargar o conhecimento, dar
elementos de reflexão, habilitar à construção
de uma opinião consciente;
— Uma política de proximidade e contacto com as populações,
que não se esgote nele e que seja orientada pelo objectivo
de se traduzir em efectivo envolvimento e contribuição
das populações na construção das decisões
que cabem aos órgãos em definitivo adoptar, condição
para se distinguir de outras formas e estilos de proximidade como
o populismo ou o caciquismo;
— Uma acessibilidade que garanta espaços e mecanismos
de contacto e participação, que aproxime os eleitos
às populações e favoreça a sua participação.
A participação que defendemos e procuramos promover
tem de ser, pelo seu conteúdo, efectiva e não apenas
formal, ou seja uma participação realizada não
para convencer os outros do que em definitivo já se decidiu
mas para procurar incorporar nas decisões a opinião
e contribuição que se expressa. Uma participação
que envolve não um mas dois sentidos — aquele que corresponde
ao que se comunica e se apresenta, e aquele que resulta do que se
ouve e recolhe.
A participação que defendemos e procuramos promover
tem de ser, pelo seu conteúdo, directa e não apenas
intermediada por espaços de representação indirecta
sob pena de se afastar de um nível de contacto mais amplo
e próximo do conjunto da população, tem de
ser acessível e simplificada o que conduz ao dever de procurar
apresentar de forma compreensível que facilite a construção
de opiniões e contributos sobre projectos, documentos ou
opções que se revelam tecnicamente mais complexas,
tem de ser dirigida para promover a participação dos
que primeiro tendem a ser excluídos, evitando que ela se
reduza e se veja condicionada apenas pelos que têm condições
mais favoráveis, em regra os mais bem informados, com mais
conhecimento e maior poder reivindicativo ou de “lobbie”.
A participação que defendemos e nos cumpre concretizar
deve ser, pelos seus objectivos, factor de reforço da consciência
social e política das populações; deve ser
factor de progressiva compreensão dos seus direitos perante
o poder, que contribua para reduzir ou anular aquele sentimento
de grata expectativa que alimenta posturas de dependência,
que contribua para uma mais afirmada ideia de que todos e cada um
têm, pela sua intervenção, uma palavra a dizer
na luta pelos seus direitos perante o poder.
As autarquias são sem dúvida um espaço privilegiado
de resolução de problemas e de promoção
da melhoria das condições de vida. Mas as autarquias,
pelo trabalho que aí se realiza ou junto das quais se intervém,
encerram em si um potencial inestimável de luta e mobilização
popular que devemos saber aproveitar e desenvolver.
É na mobilização popular que será possível
encontrar aquele apoio que dará mais força quer à
reivindicação e à luta, quer às propostas
dos nossos eleitos, das nossas autarquias ou do próprio Partido.
Como no documento se sublinha a ofensiva contra o poder local continuadamente
desenvolvida por sucessivos governos do PSD e do PS tem-se traduzido
no empobrecimento das suas características democráticas
originárias, tem contribuído para reduzir e limitar
expressões da sua autonomia administrativa e financeira,
e tem constituído um factor limitativo das possibilidades
e capacidades de realização do poder local e de satisfação
das necessidades locais.
Seria um erro concluir que esta ofensiva e estas alterações
de enquadramento jurídico e institucional do poder local
corresponderiam a políticas erradas, opções
mal pensadas ou imprevidências de governos menos competentes.
As sucessivas alterações legislativas, as imposições
de normativos e regras de procedimento, a progressiva transferencia
de encargos, as limitações financeiras, a desvalorização
do estatuto remuneratório e profissional dos trabalhadores
da administração local correspondem, bem pelo contrário,
a políticas construídas e orientadas premeditadamente
para prosseguir no plano local as mesmas opções das
políticas nacionais.
Alterações e imposições filhas da mesma
política de redução da despesa pública,
de desresponsabilização social do Estado, de imposição
coerciva de uma distribuição cada vez mais desigual
do rendimento nacional.
Alterações e imposições, filhas da
mesma política de desvalorização do serviço
público e do trabalho, que mais não visam do que justificar,
pelas dificuldades criadas à fixação de trabalhadores
qualificados a redução da intervenção
directa das autarquias, ou os processos de privatização
e entrega externa de serviços públicos, que em força
eleitos de direita e do PS se aprestam a acelerar.
A ofensiva mais recente do actual governo contra a capacidade financeira
das autarquias, que acentuando e agravando disposições
já assumidas e consideradas pelo anterior governo em matéria
de limitações ao crédito, acrescida da implicações
da redução de receitas em impostos arrecadados pelos
municípios, constitui um sério atentado à autonomia
das autarquias com consequências na concretização
de programas de investimento e com reflexos na vida económica
local.
A condução centralista das políticas regionais
e o combate á efectiva descentralização têm
constituído eixos das políticas de direita no processo
contra-revolucionário.
Ao longo dos anos os governos têm mantido um cerrado controlo
das políticas regionais, assegurando a definição
central das estratégias e opções de investimento,
governamentalizando os processos de decisão e aplicação
de milhões de contos dos fundos comunitários, em muitos
casos transformados em armas de discriminação e favorecimento
eleitoral.
Há mais de 20 anos que os objectivos centralizadores e os
meios de os concretizar são disfarçados por medidas
de desconcentração ou de falsa descentralização,
para assim poderem manter por cumprir a Regionalização
que a Constituição consagra, e que PS e PSD se encarregaram
de enredar em novos espartilhos na última revisão
constitucional.
A legislação agora aprovada pela nova maioria, e
apresentada como descentralizadora, é uma nova tentativa
de iludir a questão essencial para uma efectiva descentralização
só possível de concretizar com a instituição
de um novo nível de poder administrativo, e uma nova e indisfarçável
iniciativa no sentido de esbater, impedir ou até de enterrar
definitivamente (como descaradamente confessou o Secretário
de Estado) a criação das regiões administrativas.
Apresentar como descentralizadoras soluções que não
ultrapassam os limites de fórmulas de associações
de municípios, para prosseguir no essencial competências
destes, distanciando ainda mais a participação cívica
na decisão, ainda por cima, sem os meios e poderes efectivos
para assumir a condução de políticas regionais
não passa de um enorme logro, capaz de animar expectativas
ou de fazer despertar disputas por lideranças supramunicipais,
mas incapaz de preencher a ausência de um nível de
poder administrativo regional com legitimidade democrática.
Sendo verdade e certo que a ofensiva contra o poder local o atinge
por igual não é menos verdade que é sobre o
nosso projecto autárquico, as nossas opções
e critérios de acção e administração
que mais negativamente se reflecte. Mas é também necessário
assumir que, sendo certo que apesar do muito que pesa e hoje condiciona
a nossa intervenção nas autarquias, este peso e condicionantes
não impedem, nem é desejável que permitamos
que impeçam, a afirmação do nosso projecto
e uma acção distintiva no poder local.
Sem dúvida que a legislação assume uma crescente
concepção presidencialista do funcionamento dos órgãos
e uma progressiva desvalorização dos órgãos
deliberativos. Mas nada impede que na nossa acção
se preserve, desejável e indispensavelmente, a colegialidade
e o trabalho colectivo nos órgãos, o respeito pelas
freguesias e pelo funcionamento e papel das assembleias.
É certo que a legislação afastou progressivamente
as organizações populares de um papel mais directo
de presença e representação junto das autarquias,
mas nada impede que nas nossas autarquias se procurem formas de
aproximação, valorização e intervenção
dessas organizações.
Sem dúvida que a deliberada desvalorização
do estatuto remuneratório e profissional dos trabalhadores
da administração local trouxe novas e maiores dificuldades
à sua fixação e atracção. Mas
não é menos verdade que uma maior atenção
dada pelas nossas autarquias aos trabalhadores, aos seus direitos,
à sua progressão nas carreiras, às suas condições
de trabalho podem constituir um factor de estímulo e incentivo
que contribua para compensar os factores gerais negativos e atrair
à autarquia os trabalhadores indispensáveis a uma
prestação de serviço público de qualidade.
É verdade que as políticas nacionais se orientam
para a progressiva desresponsabilização pública
do Estado e pelo incentivo à alienação do controlo
e gestão de serviços públicos e a sua entrega
a privados. Mas não será menos verdade que não
só teremos de procurar nas nossas autarquias combater e denunciar
essa desresponsabilização como contrariar tentações
de entrega a privados de serviços básicos essenciais
que são competência da autarquia prosseguir.
Não será assim errado afirmar que talvez o principal
e mais importante desafio que temos na nossa presença seja
justamente o de sermos capazes de ver como fazer diferente, que
soluções adoptar e que respostas encontrar para não
nos deixarmos arrastar para um quadro de políticas locais
moldadas por opções e interesses dominantes ditadas
pela lógica e critérios da direita e da sua política.
Respostas seguramente bem mais exigentes e complexas hoje que no
passado, mas que têm de ser encontradas não apenas
nos estritos limites de soluções técnicas e
de administração, naturalmente necessárias,
mas na sua articulação com a acção política
e a intervenção do Partido e das suas organizações,
na relação e na proximidade com as populações
e os trabalhadores, no desenvolvimento da luta e na recolha do apoio
popular que daí resulta.
O poder local não é neutro, como neutras não
são as suas políticas e os responsáveis que
em cada autarquia as implementam.
A defesa do poder local, das suas características e condições
de exercício não pode nem deve deixar de conduzir
a uma postura de rigorosa fiscalização e controlo
do funcionamento das autarquias, de denúncia do uso e abuso
do exercício de cargos e de ostentação do poder,
e de um decidido combate em cada situação concreta
à falta de transparência, ao compadrio ou a outras
atitudes ilegítimas.
A defesa e valorização do poder local tem de rejeitar
as campanhas não pouco inocentes que tendem a generalizar
e a concentrar nas autarquias todas as suspeitas ou acusações.
Mas esse combate em nome do poder local não pode ser sinónimo
de uma postura acrítica ou de defesa em abstracto de todas
as autarquias ou da acção de todos os eleitos como
se, a umas e a outros, não correspondessem políticas,
opções e orientações que devem ser avaliadas
pelo seu conteúdo, consequências e interesses que em
concreto prosseguem.
Uma palavra final para a questão do papel de direcção
do Partido e da contribuição decisiva que é
chamado a dar para o desenvolvimento do nosso trabalho local e nas
autarquias.
Um papel de direcção que tal como o concebemos é
inseparável da inserção e da contribuição
dos eleitos, que deve no seu desenvolvimento procurar assegurar
um adequado acompanhamento dos eleitos e assegurar uma efectiva
direcção pelos organismos locais, e constituir garantia
de que a nossa acção nas autarquias se realiza de
acordo com os objectivos e o projecto político do Partido.
Um trabalho de direcção que se tem de afirmar como
indispensável na definição e concretização
das orientações políticas locais, para a integração
do nosso trabalho autárquico na acção geral
do partido no plano local e nos objectivos mais gerais de luta do
PCP.
Um trabalho de direcção capaz garantir uma intervenção
distintiva na autarquia só possível de assegurar pelo
trabalho colectivo, à margem do qual a tendência para
nivelamento de atitudes e comportamentos se avoluma.
Um trabalho de direcção destinado a assegurar o envolvimento
do conjunto dos militantes, o debate colectivo dos problemas locais,
assegurando assim que o colectivo partidário seja chamado,
não a uma mera acção de apoio ou justificação
das decisões tomadas na autarquia, mas a uma activa intervenção
na condução das políticas locais.
Esta Conferência é expressão da importância
que atribuímos ao nosso trabalho nas autarquias e das acrescidas
responsabilidades de quem como nós comunistas se pode orgulhar
de estar associado ao que de mais genuíno o poder local assume
enquanto conquista de Abril, espaço de realização
e luta pela melhoria das condições de vida do povo,
factor de mobilização e contribuição
cívica, espaço de participação e de
democracia.
Uma responsabilidade que reclama de todos, sem qualquer desvalorização
do mérito e da dimensão do trabalho feito e da acção
desenvolvida, um olhar mais exigente, a coragem de olhar para as
nossas próprias dificuldades e para tendências negativas
que reduzem o alcance e a eficácia política do trabalho
que realizamos.
As exigências da situação, a complexidade dos
problemas, a ofensiva contra os comunistas e o seu partido reclamam
a procura de soluções que contribuam para vencer as
insuficiências, erros ou dificuldades; reclamam o esforço
para generalizar o que de positivo a experiência do nosso
trabalho tem revelado.
É por isso necessário prosseguir o trabalho, debate
e adopção de medidas iniciado com a conferencia e
a sua realização.
Não teremos seguramente a obrigação de resolver
e ultrapassar todo o conjunto de problemas e obstáculos com
que nos deparamos, muito dos quais nos ultrapassam e de nós
não dependem. Mas teremos seguramente o dever, que colectivamente
assumimos, de prosseguir no esforço de identificação
e reconhecimento de dificuldades que são nossas, de tudo
fazer para as procurar vencer e assim afirmar uma mais decidida
presença e influência do partido junto das populações
e o prosseguimento de uma acção nas autarquias que
prolongue o reconhecido valor e mérito conquistado pelo trabalho
de milhares de comunistas, homens e mulheres, eleitos e não
eleitos, ao longo de quase três décadas.
Um trabalho que por si tem de continuar a constituir um factor
de aproximação, apoio e influencia do Partido e de
atracção às suas propostas para o país,
ao seu projecto de transformação da sociedade, ao
seu ideal comunista.
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