INTERVENÇÕES
Intervenção
de Carlos Carvalhas no encerramentos dos trabalhos da
Conferência Nacional - O PCP e o Poder Local
11 de Maio de 2003
As iniciativas de preparação
e o debate hoje realizado, são o testemunho do interesse
e da preocupação dos comunistas portugueses em aprofundar
o seu valioso e generoso projecto autárquico reconhecido
mesmo pelos nossos adversários.
Tratou-se de aprofundar, actualizar
e de ver como no concreto o levamos à prática.
E esta questão das formas e
maneiras da sua concretização é trabalho que
vai exigir das organizações a continuação
do debate e a troca de experiências.
O exercício do poder e a acção
distinta dos comunistas, a defesa e a concretização
da participação das populações, a prática
concreta de um poder local de proximidade, a informação
democrática, o trabalho colectivo, a concretização
da política de unidade em torno dos problemas concretos,
a definição de contornos, limites e objectivos essenciais
do papel de direcção que o Partido deve assumir foram
questões de grande relevo que exigiram e exigem avaliação,
reflexão e aprofundamento.
A concretização e avaliação
da componente de participação na gestão; a
política de atendimento e informação e dos
critérios fundamentais de relacionamento com o movimento
associativo e de descentralização para as freguesias;
a distribuição de pelouros e responsabilidades em
maioria e na aceitação ou renúncia de pelouros
e tempos inteiros em minoria; isto é o nosso trabalho e posicionamento
em maioria e minoria, a política em relação
aos trabalhadores das autarquias, de valorização das
suas condições de trabalho e carreiras; o acompanhamento
dos termos gerais de relacionamento com o Governo e a administração
central; o acompanhamento dos níveis de concretização
dos programas eleitorais e a respectiva informação
e transparência foram questões vivas no debate onde
há claramente traços distintos e positivos da gestão
autárquica do PCP e da CDU que exigem uma constante atenção
e aprofundamento.
Como afirmou Jorge Cordeiro na sua
intervenção inicial, a Conferência que hoje
realizámos não se confinou à administração
autárquica ou a uma Conferência destinada exclusivamente
à participação de eleitos, pois o conteúdo
da nossa acção autárquica, tal como a concebemos,
é bem mais larga do que os meros limites da gestão
envolvendo e incorporando no seu desenvolvimento: fiscalização,
proposta, luta e mobilização popular quer em maioria
quer em minoria quer ainda onde não temos eleitos. «...A
intervenção do Partido nos problemas locais é
responsabilidade do conjunto da organização partidária
e de todos os seus membros...».
E é este trabalho de envolvimento
e responsabilização que assegura o acerto do nosso
trabalho, mesmo ao nível da obra que tem de ser acompanhada
da devida valorização e informação,
e que deve ser decidida em correspondência com as sentidas,
justas e conhecidas aspirações e interesses das populações
no quadro mais verdadeiro de participação como elemento
fundamental democrático, que é o da participação
não para convencer os outros do que já se decidiu
mas para incorporar dialecticamente nas decisões a opinião
e a contribuição que é expressa pelas populações.
Na nossa Conferência foi também
analisada a ofensiva deste Governo contra o Poder Local, a sua desvalorização,
os cortes cegos em matéria financeira, a postura centralista
disfarçada de descentralização, como o testemunha
a lei do Governo sobre novas áreas metropolitanas que faz
tábua rasa de 10 anos de experiência na gestão
das actuais Áreas Metropolitanas, ou as chamadas comunidades
intermunicipais, que conjugada com a proposta anterior visa liquidar,
no essencial, a liberdade associativa dos municípios de fins
gerais e a assumirem-se como Órgãos de Administração
Territorial do Estado.
Mas esta ofensiva vai também
desenvolver-se com o concurso do Partido Socialista na continuação
da chamada Reforma do Sistema Eleitoral. Depois da aprovação
da vergonhosa lei dos Partidos e de Financiamento pretende-se agora
avançar com o dito processo de alteração do
sistema eleitoral para as Câmaras Municipais.
O PS já tomou a iniciativa a
que o PSD baterá palmas pois, numa altura em que o Governo
desenvolve a sua ofensiva anti-social e a concretização
das suas contra reformas, nada melhor para desviar as atenções
do que o debate sobre as leis eleitorais.
Na verdade, depois das hesitações
e contorcionismos em relação ao pacote laboral, depois
de ter dado o seu acordo ao Pacto de Crescimento e Estabilidade
do Governo, depois das negociatas sobre a lei dos Partidos e do
seu financiamento, vamos ter mais uns conluios do bloco central
de interesses entre o PS e a maioria de direita sobre as leis eleitorais.
Como se sabe e como várias vezes
o temos afirmado e a experiência o confirma o sistema eleitoral
para as autarquias locais em Portugal apresenta características
particulares e diferenciadas do modelo da maioria dos restantes
países europeus. Um sistema que traduz um real avanço
democrático e que ao longo de mais de 25 anos permitiu elevados
índices de realização que fizeram do poder
local uma das expressões maiores da melhoria das condições
de vida das populações.
É esta rica e positiva experiência
que se quer eliminar ao pretender extinguir o direito das populações
a elegerem directamente os eleitos que melhor os representem na
Câmara Municipal, ao propor-se que o Presidente da Câmara
Municipal seja automaticamente o primeiro candidato da lista mais
votada para a Assembleia Municipal e ao atribuir a este o poder
absoluto de escolha dos vereadores que irão constituir o
executivo municipal, na versão maximalista do PS, ou sem
eliminação da eleição directa mas transformando
as maiorias relativas em absolutas na proposta do PSD.
A verdade é que a pretexto da
estabilidade e da operacionalidade o que se visa é sacrificar
a representatividade e a legitimidade democrática.
A constituição de executivos
monocolores traduzir-se-ia num efectivo empobrecimento dos mecanismos
de fiscalização e constituiria um rude golpe na transparência
da gestão de muitas das autarquias.
Não deixa de ser esclarecedor
que aqueles que repetem hinos à participação
dos cidadãos e à proximidade entre eleitos e eleitores
lhes neguem logo à partida o simples e inalienável
direito de, com o seu voto, poderem escolher aqueles que melhor
os representem.
Queremos aqui apelar às populações
e aos democratas que combatam estas regressões democráticas
e queremos também, aqui, reafirmar o nosso empenho em travar
a batalha para impedir a concretização da alteração
do sistema eleitoral para as autarquias. Não por razões
de cálculo de ganhos e perdas globais, mas sim, pela firme
convicção de que o sistema actual tem um insubstituível
valor democrático que, a perder-se levaria consigo o que
de mais importante assegura em termos de eficácia, participação
democrática e transparência de procedimentos.
E reafirmar que com maioria absoluta
ou relativa manteremos inalterável a nossa forma de gerir
o poder local: em diálogo, com apelo à participação
e ao envolvimento no trabalho de todos os eleitos interessados na
resolução dos problemas. Com a tranquilidade de quem,
convivendo bem com opiniões diferentes e com contribuições
diversas, não teme a presença fiscalizadora e exigente
de outros.
Esta nossa Conferência realiza-se
após a recente aprovação da lei dos Partidos
com a prestimosa acção do PS.
Trata-se de uma inaceitável
ingerência na vida interna dos partidos. Trata-se de procurar
impor um modelo único em questões como as formas de
votação, os procedimentos eleitorais internos ou o
universo de órgãos de direcção, com
a retoma de traços de judicialização da vida
partidária. É uma afronta à soberania dos militantes
e ao livre prosseguimento da actividade dos partidos.
Algumas das propostas e das alterações
visam especialmente o PCP. Não pode deixar de se chamar a
atenção para o totalitarismo que consiste em Partidos
adversários do PCP procurarem impor por via da sua maioria
na Assembleia da República alterações à
vida e funcionamento do PCP.
Para nós o aprofundamento democrático
do nosso modo de funcionamento é uma preocupação
e uma necessidade constante. Mas somo nós a decidir quando,
como e em quê.
Pensamos que colectivamente deveremos
continuar, tal com no passado, com as alterações que
pensarmos serem úteis à melhoria e aprofundamento
dos métodos democráticos, à participação
dos militantes e à eficácia da nossa acção.
Mas podem estar certos que não copiaremos, por exemplo, as
palhaçadas que temos visto em congressos do PS, PSD e PP.
Sabemos que o PCP como força
de oposição mais consequente à política
de direita é um obstáculo e um impecilho. Sabemo-lo
bem.
Não são poucos os que
gostariam de o liquidar para terem as avenidas limpas para a sua
política neoliberal e de concentração de riqueza.
Mas tirem o cavalinho da chuva. Este Partido com os 82 anos de vida
e de luta continua e continuará a ser soberano e insubmisso;
continua e continuará a decidir pela vontade dos seus militantes;
continua e continuará com as suas características
essenciais e a ser comunista e português, aberto à
vida e à mudança; continua e continuará a lutar
pela convergência e pela unidade na acção, a
tudo fazer para derrotar a política de direita e para conquistar
para Portugal uma política de esquerda e uma alternativa
democrática.
Quanto à lei do financiamento
dos partidos o que se aprovou foi um gordíssimo aumento das
subvenções públicas dos partidos, numa concepção
dos partidos como uma espécie de repartições
públicas do Estado.
E esse aumento concentra-se sobretudo
nos grandes partidos e limita ao mesmo tempo a angariação
de fundos por parte dos demais partidos. Chega-se ao ponto e ao
ridículo de ter criado uma norma nesta lei que premeia com
financiamento público os partidos que não realizarem
um euro de angariação de fundos!
E tudo isto com o aumento substancial
dos limites para as despesas nas campanhas eleitorais procurando
fazer destas cada vez mais o espectáculo, o circo e não
a seriedade da apresentação das propostas, do confronto
de opiniões e de soluções, do debate e do contraditório.
Como se vê para aqui já
não há penúrias, já não há
dificuldades, já não há falta de meios, já
não é preciso apertar o cinto nem dar o exemplo.
Na Assembleia da República,
no debate sobre a lei do Financiamento dos Partidos, o deputado
António Filipe afirmou: “... é de notar a obsessão
da maioria em relação à Festa do Avante, em
querer impedir, por via do financiamento dos partidos políticos,
a realização dessa grande iniciativa política
e cultural.”, “... Os Srs. Deputados, ao quererem atingir
a festa do Avante, estão a insultar milhões de portugueses
que passaram, ao longo dos últimos 25 anos, por esta grande
iniciativa... estão a insultar a cultura portuguesa, que
tem nesta iniciativa, um grande ponto de encontro anual, estão
a querer, objectivamente, cercear liberdades democráticas.
Mas Srs. Deputados da maioria, quanto a esse aspecto, desiludam-se
porque, em democracia, não podem proibir a Festa do Avante,
pelo que a Festa do Avante continuará a realizar-se e a ser
seguramente, um grande ponto de encontro fraternal dos portugueses,
de todos aqueles que prezam a cultura portuguesa e a participação
popular...”
Sabem qual foi a resposta do deputado
do PSD, Luís Marques Guedes? Foi dada neste naco de prosa:
o que acontece, disse ele, “... é que os senhores estão
num ressabiamento completamente incomportável, porque, à
outrance, na discussão da lei do financiamento dos partidos
políticos, os senhores queriam salvaguardar aquela que é
a fonte de receitas normal do PCP – a Festa do Avante –,
«deitando às malvas» uma visão objectiva
e princípios e regras objectivos iguais para todos os partidos.
Como o PS, PSD e o PP não realizam nem de perto, nem de longe
qualquer festa com a dimensão da Festa da Avante, fica-se
a perceber o que significam os princípios e as regras objectivas
iguais para todos os partidos. Foi a confissão.
Ficou claro que o PSD com o apoio do
PP o que visam é a Festa do Avante e o financiamento legítimo
do PCP.
Mas também nós daqui
lhe dizemos: tirem o “cavalinho da chuva”. A Festa do
Avante continuará e crescerá para bem da cultura e
do país, e lembramo-lhes que o que descredibiliza a política
é isto mesmo, é a prática dos dois pesos e
duas medidas, é prometer em campanha eleitoral que se vai
baixar os impostos e que os portugueses vão melhorar o seu
nível de vida e depois procederem precisamente ao contrário.
O que descredibiliza a política
são os escândalos de eleitos ou o facto de um ministro
de Estado se manter em funções agarrado à pasta
como uma lapa quando a sua idoneidade e credibilidade são
postas em causa diariamente na praça pública e que
nem uma tonelada de medalhas dadas todos os ex-combatentes consegue
apagar.
Acentuando os traços mais negativos
do governo PS, prosseguindo com contra-reformas, liquidando conquistas,
direitos e avanços na Segurança Social, na legislação
laboral, na saúde e no ensino, este Governo impulsiona cada
vez mais a concentração de riqueza e os privilégios
do capital financeiro.
Enquanto os trabalhadores, estudantes
e professores, forças de segurança, micros, pequenos
e médios empresários e várias camadas da população
atingidas por esta política protestam, os banqueiros e os
grandes senhores do dinheiro batem-lhes palmas! É o fartar
vilanagem.
Os resultados estão à vista: recessão; quebra
no investimento; crescente dependência e subcontratação
da economia portuguesa; reforço do domínio pelo estrangeiro
dos centros de decisão nacionais e as respectivas consequências
sociais: disparo do desemprego, nomeadamente do desemprego de quadros
e jovens licenciados, endividamento das famílias portuguesas,
redução dos salários reais e diminuição
do nível de vida de milhares de trabalhadores, acentuação
das desigualdades e aumento das bolsas de pobreza.
O demagogo-mor do reino, Ministro da Segurança Social,
dizia há dias que com a entrada do Código Laboral,
o emprego iria aumentar...
O que ele devia explicar é porque é que o Código
estando já aprovado, se sucedem as deslocalizações
e o encerramento de empresas. Se o Código tivesse o efeito
que o Ministro diz, o natural seria essas empresas continuassem.
O que é evidente, é que este código vai desvalorizar
ainda mais a força do trabalho nacional, sendo um factor
de desincentivo da produtividade e um atractivo apenas do capital
estrangeiro, de baixa qualidade, inovação e complexidade.
As suas inconstitucionalidades são conhecidas e há
dezenas de matérias que faltam regulamentar. É necessário
continuar a travar a luta e a denunciar os reais propósitos
deste Governo e a quem serve a sua política.
A mesma demagogia vemo-la na saúde.
Na verdade na saúde está cada vez mais à
vista a verdadeira natureza da política do governo, com o
prosseguimento da linha privatizadora e de benefício dos
interesses privados. Mas os portugueses já perceberam que
depois de muita retórica e demagogia do Governo, se foram
as promessas e ficaram os problemas.
Onde já vai a promessa, de mais cirurgias e mais consultas,
que justificariam a entrega de hospitais a privados e a transformação
de hospitais públicos em sociedade anónimas. Os portugueses
sabem que a situação não melhorou e que as
dificuldades aumentam. Na verdade os novos hospitais S.A. enfrentam
cada vez maiores dificuldades orçamentais, havendo situações
que conduzirão a breve prazo a situações de
ruptura e em que a qualidade e segurança dos serviços
prestados estão cada vez mais postos em causa.
Onde já vai também a promessa tantas vezes repetida,
de um médico de família para cada português.
Na realidade centenas de milhares de portugueses continuam a não
ter direito a um médico de família. E vão percebendo
que afinal a prioridade do governo foi abrir porta à privatização
dos centros de saúde, permitindo que sejam entregues a grupos
privados. E não tomou nenhuma medida para aumentar a formação
de médicos e enfermeiros, de que os centros de saúde
estão cada vez mais carentes.
Aliás este governo não demonstrou até agora
nenhuma preocupação com a dramática situação
que se vive no nosso país em matéria de profissionais
de saúde. Os crescentes problemas e situações
de pré-ruptura nos hospitais portugueses só se resolvem
com o reforço e a plena utilização dos seus
meios humanos e materiais ao serviço do interesse público.
Não se resolvem com a imposição autoritária
da vontade do governo, como aconteceu com a demissão de um
responsável do Hospital de Sta. Maria, apenas porque denunciou,
face à irresponsável teimosia ministerial, que aquele
hospital não tem condições para o isolamento
de doentes com pneumonia atípica, o que demonstra a precariedade
das respostas a uma eventual propagação entre nós
da doença.
Ao contrário do governo o PCP propôs na passada semana,
na Assembleia da República, um projecto de resolução
que obrigue o governo a encarar a grave insuficiência de recursos
humanos como uma questão decisiva para o país e que
concretize um plano de acção para o aumento da formação
destes profissionais.
Entretanto, e no país da União Europeia em que os
cidadãos mais pagam directamente do seu próprio bolso
as despesas de saúde, o governo vai anunciando a possibilidade
de aumentar taxas moderadoras, que para muitos utentes são
já incomportáveis.
Com a direita no Governo, temos na prática o célebre
slogan do PSD: “quem quer saúde que a pague”
e nós acrescentamos “porque os Mellos e a General des
AUX querem lucrar e acumular”.
No campo da Educação, nos últimos anos acentuou-se
também, no que respeita ao poder local, uma atitude de desresponsabilização
no ensino básico com a perspectiva de o transferir, sem contrapartidas
para as autarquias, o que, como tem sido referido é inaceitável
considerar sem antes estarem resolvidas importantes lacunas no Pré-Escolar
e 1º Ciclo.
As perspectivas neoliberais, já transportadas dos governos
PS, têm-se acentuado, dramatizando as dificuldades na Educação
procurando criar na opinião pública receptividade
a medidas que, sendo negativas, são embrulhadas num discurso
demagógico e populista.
Isto está particularmente patente nas ofensivas do Governo
para restringir e sufocar a gestão democrática da
escola, como se uma boa gestão não fosse compatível
com a democracia, com a aprovação nas últimas
semanas das orientações para a avaliação,
revisão e consolidação do ensino superior,
de que destacamos:
– o aumento drástico de propinas, com o consequente
maior afastamento do ensino superior dos filhos das camadas sociais
com menos recursos financeiros, entregando às instituições
a responsabilidade de definir os seus montantes;
– a quebra de financiamento do Orçamento do Estado,
com apelo à obtenção de receitas extraordinárias,
que afectarão mais a actividade docente com reflexos na qualidade
do ensino público, enquanto as instituições
privadas vêem crescer os financiamentos públicos;
– a interferência de lobbies empresariais na gestão
das instituições de ensino e a redução
do peso electivo, particularmente dos estudantes, em decisões
de diferentes corpos;
– a manutenção do sistema binário,
alicerçado numa crescente dificuldade na mobilidade entre
diferentes cursos consagrada na recente reestruturação
curricular no secundário.
Com a direita no poder a elitização do ensino e
a sua regressão democrática são as grandes
prioridades que têm, naturalmente, a larga contestação
dos corpos docentes, dos democratas e dos alunos.
Permitam-nos ainda algumas referências, embora que breves,
à situação internacional e mais concrectamente
aos problemas e sequelas derivadas da ilegítima ocupação
do Iraque pelos Estados Unidos.
A primeira referência é para reafirmar, diante desta
importante iniciativa do nosso Partido, a firme e total oposição
do PCP à deriva indignamente subserviente do Governo que,
na sequência do vergonhoso apoio político que prestou
ao desencadeamento da guerra contra o Iraque, manifesta agora o
propósito de envolver forças militares ou de segurança
portuguesas na ocupação do Iraque, borrifando-se completamente
na inexistência de qualquer mandato internacional e assumindo,
com inaudito descaramento, uma postura de mera extensão nacional
da Administração Bush.
A este respeito é ainda indispensável dizer que
ninguém bate este governo no campeonato da desonestidade,
da hipocrisia e do cinismo.
De facto, é de desonestidade, de hipocrisia e de cinismo
que se trata, quando vemos Durão Barroso e o Governo do PSD
e do CDS/PP a procurar legitimar o envolvimento de Portugal na ocupação
do Iraque com a invocação dos problemas de desordem,
anarquia, insegurança e catástrofe humanitária
que existem naquele país.
Mas esta desonestidade, hipocrisia e cinismo derrota-se e desmascara-se
com duas simples perguntas:
– ao apoiarem a guerra contra o Iraque, não sabiam
os senhores do governo que o que vinha a seguir, como tantas vozes
advertiram, eram precisamente a desordem, a anarquia, a insegurança
e o sofrimento generalizado do povo iraquiano?
– será que não percebem que, sendo eles os
responsáveis pela situação que hoje existe
no Iraque, não podem pedir aos que se opuseram a essa guerra
e a essa ocupação que se verguem agora perante os
factos tragicamente consumados que os falcões da guerra desejaram
e concretizaram?
E é esta mesma lógica infernal dos factos consumados
a servirem de base para mais factos consumados que se desvenda na
vergonhosa proposta de Resolução que os EUA e a Grã-Bretanha
acabam de apresentar ao Conselho de Segurança da ONU e que,
é preciso que se saiba, se traduz no intuito de, deixando
na penumbra a indiscutível violação do direito
internacional que a agressão norte-americana representou
(e que, em rigor, deveria ter sido condenada pelo Conselho de Segurança),
coloca a ONU a legitimar a guerra e a ocupação e a
dar a sua caução aos poderes totais de controlo, decisão
e gestão (desde o petróleo às soluções
políticas internas) de que os EUA não abdicam nesse
verdadeiro protectorado que, no início do terceiro milénio,
acaba de ser criado no Médio-Oriente.
E é preciso ainda que se lembre aos apoiantes da guerra
e que agora se dizem preocupados com a situação humanitária
no Iraque que é uma vergonha que a nação mais
poderosa do mundo, com todos os meios que dispõe, depois
de mais de três semanas de ocupação ainda não
se tenha preocupado em pelo menos abastecer os hospitais de medicamentos
continuando a deixar processar os saques, porque a única
estabilização que lhe interessa é a dos poços
do petróleo.
E, por isso, aqui queremos reafirmar que os comunistas portugueses
e o seu Partido, tal como milhões de cidadãos em todo
o mundo, prosseguirão a luta contra esta dita “nova
ordem” internacional imposta pelo imperialismo, e que afinal
agrava as mais velhas prepotências e as mais inadmissíveis
dominações, pelo direito dos povos a decidirem livremente
do seu destino, pela paz e pela solidariedade entre os povos.
Fizemos esta Conferência, porque era nossa convicção
que precisávamos de fazer balanço, actualizar e aprofundar
o nosso projecto autárquico.
E fizemo-lo tendo em conta de que havia questões a sublinhar,
a levar à prática e também procedimentos aqui
e ali que necessitavam de correcção, designadamente
a não correspondência entre o projecto e a prática.
Mas fizemo-lo também tendo em conta a imensa intervenção
que nos orgulha e que nos estimula e a exigir e a continuar, aperfeiçoar
e a melhorar sempre.
Somos por natureza exigentes e insatisfeitos e devemos continuar
sempre com uma grande avaliação crítica o que
não significa postura criticista.
Mas a verdade é que, também realizámos esta
Conferência Nacional com uma obra autárquica que em
qualquer domínio não teme comparações
e com um reconhecido empenho, generosidade, honestidade e competência
que pautam a nossa gestão e intervenção.
E não vale a pena ignorar que, por mera conjunção
dos astros ou acaso, esta nossa Conferência Nacional se realiza
também num momento em que a opinião pública
se depara com “casos” e “escândalos”
com contornos de abuso de poder ou corrupção precisamente
na esfera de algumas autarquias.
A este respeito, que ninguém espere que venhamos aqui fazer
qualquer mesquinha exploração política desses
casos, designadamente para crucificar outras forças políticas.
Mas também que ninguém espere que não combatamos
com toda a firmeza qualquer tendência para, a pretexto destes
casos, fazer generalizações abusivas sobre todas as
forças políticas ou para dar corda a essa ideia, tão
difundida quanto mentirosa, de que «os partidos são
todos iguais».
Nós não temos de responder pelos outros. Respondemos
por nós próprios e, em coerência com o nosso
património ético e político, aqui reafirmamos
nesta Conferência, que é um sólido compromisso
do PCP e dos comunistas portugueses o exercício do Poder
Local e a participação nas suas diversas instâncias,
com firmes critérios de honestidade, isenção
e total vinculação na defesa do interesse público.
E, também por isso, nesta precisa conjuntura de notícias
como as que temos lido e ouvido, que cremos ser justo que nesta
Conferência Nacional afirmemos com clareza que, desde o 25
de Abril de 1974, milhares e milhares de homens e mulheres têm
honestamente dedicado a sua generosidade e capacidade ao serviço
das populações no Poder Local e que os comunistas,
não pretendendo disso ter o exclusivo, podem justamente orgulhar-se
de ser uma forte e destacada componente desse grande trabalho ao
serviço do povo e da democracia.
Como já afirmámos a verdade é que o PCP e
a CDU se podem apresentar também como força que deu
prova de uma intervenção distintiva nas autarquias
que, ancorada no seu projecto e na proximidade das populações,
deu solução aos problemas básicos, lançou
e concretizou as bases de planeamento e desenvolvimento sustentável
equipou e animou socioculturalmente os concelhos e assegurou uma
gestão que atenuou desigualdades.
Um trabalho e uma gestão a que presidem, como orientação,
critérios de unidade na acção, para a resolução
dos problemas, de isenção e de participação,
de respeito pelos trabalhadores das autarquias e dos seus direitos.
As autarquias geridas pela CDU são as que apresentam, como
o confirmam os dados oficiais, as mais elevadas taxas de atendimento
e cobertura de infra-estruturas básicas. Aquelas onde é
mais expressivo a participação e envolvimento populares
e o apoio e estímulo às inúmeras expressões
do associativismo.
As que deram os primeiro passos no domínio do planeamento
e ordenamento do território e que hoje apresentam os mais
avançados planos estratégicos de desenvolvimento gerais
ou sectoriais. Mas também as que não se limitando
a dotar os respectivos concelhos dos equipamentos colectivos indispensáveis
à valorização sociocultural das populações
conceberam e implementaram programas de animação e
de desenvolvimento cultural e desportivo.
As nossas autarquias estão associadas ao trabalho de afirmação
e valorização urbana que permitiu conduzir concelhos
do interior à situação de cidades e vilas reconhecidas
pela sua exemplaridade e que possibilitou a construção
de cidades urbana e ambientalmente equilibradas em concelhos metropolitanos
que até aí não eram mais do que áreas
suburbanas, urbanisticamente desqualificadas e sem vida própria.
Os exemplos são muitos, mas olhe-se com olhos de ver para
a política de democratização da prática
desportiva e de envolvimento regular de milhares de praticantes.
Atente-se no trabalho de requalificação e de reabilitação
urbanas realizadas com as populações e para as populações
quer nos bairros de génese ilegal, quer nos bairros e centros
históricos.
É comparar a atenção dada à valorização
ambiental, à construção de espaços verdes
e parques urbanos, à preservação do património
cultural e à sua valorização e fruição.
É observar a política e as opções de
uso do solo orientada, não para favorecer a apropriação
especulativa de investimentos públicos mas sim para fixar
e construir equipamentos e zonas de uso público em áreas
nobres e bem localizadas.
Foi nas autarquias da CDU que se elaboraram os primeiros Planos
Directores Municipais e os primeiros Planos de Desenvolvimento Regionais.
Foi em autarquias da CDU que se deram os passos mais consistentes
de apoio à cultura e ao teatro. É nestas autarquias
que se podem encontrar os primeiros projectos de difusão
de massas do ensino, da música e da dança, assente
numa política de equipamentos.
É nas autarquias da CDU que se constrói uma nova
relação com a escola e da sua ligação
ao meio, uma nova fruição da leitura, do livro, do
audiovisual.
Mas a nossa intervenção tem que ser divulgada e
conhecida, pois designadamente nas grandes urbes e nas grandes freguesias
dormitórios, há milhares de cidadãos que desconhecem
o que é feito pela CDU e muitos pensam que muita da obra
se deve à administração central. Os que a conhecem
de perto mesmo sendo militantes de outros partidos não hesitam
nas autarquias em escolher a CDU, em votar CDU.
Não nos consideramos isentos de erros. Procuramos identificar
os principais problemas e manter viva uma atitude crítica
de avaliação do nosso próprio trabalho.
Até porque conhecemos que os erros e as deficiências
em nós são olhadas com um grau de exigência
e de penalização maior do que relativamente a outros.
Mas continuamos convictos, e com fundadas razões, que temos
um projecto e uma obra que não teme comparações
e um trabalho comprovado e reconhecidamente superior.
E esta Conferência em que tanto os convidados como os delegados
deram uma inestimável contribuição é
também uma significativa afirmação –
que nenhum conjunto de mentiras, intrigas e meias verdades, que
nenhuma especulação mediática ou manobra anticomunista
consegue apagar – da vitalidade deste grande e generoso partido
que é o Partido Comunista Português, do seu conhecimento
do Poder Local, do seu enraizamento popular, dos seus traços
distintivos e da vontade de fazer melhor e melhor servir os trabalhadores,
o povo e o país.
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