Intervenção do
deputado Joaquim Matias
Obrigatoriedade da elaboração e aprovação pelos municípios de planos de urbanização
26 de Fevereiro de 1999
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
O projecto-Lei 603/VII do CDS/PP, segundo a exposição de motivos apresentada, procura dar resposta a três questões reais e concretas que constituem problemas sérios que se verificam em muitos municípios do nosso país e a que urge efectivamente pôr cobro:
1ª - Descaracterização e destruição de parte do urbanismo de algumas das nossas cidades, vilas e aldeias que constitui importante património cultural da nossa arquitectura e urbanismo tradicionais, adoptados e integrados na paisagem e reflectindo uma organização espacial característica e proporcionadora de um modelo próprio de convivência colectiva. Descaracterização feita através do loteamento de terrenos, reconstruções de zonas degradadas e expansões urbanas, completamente desinseridas do espaço em que se integram e onde apenas a mais valia obtida pela máxima densificação do solo foi tomada em consideração.
2ª - Crescimento urbano feito exclusivamente à custa de planos de pormenor, e às vezes nem isso, executados sem a necessária articulação e visão do conjunto, constituindo o somatório destas parcelas por vezes aglomerados de betão extensos, sem qualidade e, pior, sem condições que permitam a articulação de serviços e funções que integram a especificação do próprio conceito de habitação. Formam-se assim guetos que esmagam e violentam a qualidade de vida, a que os cidadãos e as famílias têm legitimamente direito.
3ª - A criação de um sistema de relações imprecisas e pouco clarificadas, sem a necessária transparência que deve presidir às relações entre o poder público e a iniciativa privada propiciadora não de focos de corrupção que vem minando alguns dos nossos municípios como é referido na exposição de motivo, não é a nosso ver verdade que seja esse o traço dominante dessas relações, mas antes o contrário, a característica dominante é sim a permissividade do quadro legal face aos interesses especulativos do uso do solo por parte da iniciativa privada, não dispondo a administração de meios legislativos adequados que possam condicinar esses interesses ao interesse público.
O articulado do decreto não dá, no entanto, resposta a estes problemas cuja caracterização não é passível de ser enquadrada da forma simplista e redutora com que é feita, reduzindo-a ao aspecto esquemático do plano de urbanização, visto como o manual de instruções da construção de espaços urbanos onde basta seguir com atenção o texto para que tudo saia perfeito e no seu lugar.
A situação é muito mais complexa e deve assentar em legislação adequada.
Desde logo a primeira grande questão diz respeito a uma adequada lei dos solos e à definição precisa do carácter público do seu uso. Isto é: a definição de que o direito de propriedade não confere o direito de transformação do uso dos solos, dado que este deve ser um direito público.
Outra grande questão diz respeito ao quadro legal em que foram elaborados os instrumentos de gestão territorial como os Planos Directores Municipais. Não dispondo a Administração de poderes para programar a transformação do uso do solo e consequentemente a expansão urbana, os Planos Directores Municipais apenas podem definir a admissibilidade de construção e não a sua previsibilidade.
A administração foi obrigada a admitir construção em importantes parcelas do território porque o P.D.M. implica a classificação do solo. Basta recordar que só na Área Metropolitana de Lisboa, esta admissibilidade traduzir-se-ia num crescimento impensável e impossível para 4 milhões de habitantes. Tal não é, contudo, nem de perto nem de longe a previsibilidade de crescimento pelo que seria não só inútil como um erro, transformar esta admissibilidade em planos de urbanização conferindo ao solo classificado uma qualificação e por consequência um valor completamente irreal.
Não quer isto dizer que não seja necessário definir a execução urgente de planos de urbanização em determinadas condições, particularmente, onde a sua ausência pode permitir a reconstrução ou expansão urbana à custa do somatório de planos de pormenor desconexos. Mas, tal definição não pode ser feita pelas sedes de concelho ou número de habitantes das localidades ou, pior, introduzindo conceitos subjectivos como "aumento populacional apreciável".
Sendo por um lado irrealista a execução de tais planos directores no espaço de tempo atribuído muitos deles seriam perfeitamente dispensáveis tendo em conta a caracterização dos Planos Directores Municipais em que se inserem.
O Projecto-Lei necessita nestas definições de rever completamente o conceito em que se baseia.
O artigo 3º do projecto é completamente descabido dado que prevê a execução de um elemento presumivelmente de gestão territorial que pura e simplesmente não tem existência legal, não se sabendo consequentemente do que se trata.
Por último importa referir que diplomas legais complementares da lei de bases de ordenamento do território, previstos no nº 2 do artº. 35º desta lei e que o Governo se comprometeu a fazer publicar até Junho próximo, e que já se encontram incompreensivelmente atrasados na sua apresentação como os que definem o regime dos instrumentos da política de solos e o regime dos instrumentos de transformação da estrutura fundiária, são instrumentos indispensáveis para o sistema de gestão territorial, no âmbito municipal, que não se podem deixar de considerar, designadamente, no que se refere ao regime de uso do solo e à respectiva programação, consignados no lei de bases do ordenamento do território.