Constituição das Associações de Freguesias
Intervenção do deputado Octávio Teixeira
13 de Maio de 1998

 

Senhor Presidente,
Senhores.
Deputados:

O projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP corresponde a uma necessidade objectiva, sentida crescentemente pelas freguesias. De resto, o Congresso da Associação Nacional de Freguesias, que se realizou no passado fim-de-semana, em Lisboa, reafirmou-a em moção sobre este projecto de lei e este debate, que mereceu um largo e generalizado apoio.

A explicação afigura-se-nos simples: trata-se de criar uma possibilidade adicional de trabalho por parte de quem quer trabalhar. E criar uma possibilidade de racionalizar a gestão e aproveitar melhor os meios disponíveis, é mais premente após terem sido tomadas medidas no sentido de aumentar as competências e os meios financeiros das freguesias.

Existe também um problema adicional: temos actualmente mais de 4200 freguesias no País e têm vindo a ser criadas bastantes freguesias, para além de todas as que já existiam. Isto significa que, havendo centenas de freguesias com muito poucos eleitores, e mesmo centenas com menos de 200 eleitores, tem sido aumentado o número de freguesias e não tem havido qualquer extinção de freguesias. Compreendemos que assim seja. Mas, naturalmente, coloca-se o problema de criar instrumentos que apontem no sentido da cooperação voluntária das freguesias de muito pequena dimensão.

Como é sabido, a Lei n.º 23/97, de 2 de Julho, admitiu a possibilidade de criar associações de freguesias. Trata-se de uma criação feita na sequência de a lei fundamental do País, a Constituição, não ter admitido expressamente esta possibilidade. A verdade é que não haver uma admissão expressa da criação de associações de freguesias não significava proibir a sua criação. Mas, ao longo dos anos, houve uma opção por não regulamentar a criação de associações de freguesias e nem mesmo após a admissão desta possibilidade ela foi regulamentada.

Entretanto, e por proposta do Grupo Parlamentar do PCP, a última revisão constitucional introduziu uma disposição, o artigo 247.º, que fez com que o que até agora não era proibido passe a ser expressamente permitido e regulamentado. Isto significa que se impõe, agora, preencher uma lacuna constitucional, pondo termo a uma situação que, no caso de se arrastar, constitui uma inconstitucionalidade por omissão.

Daqui decorre que, por parte do Grupo Parlamentar do PCP, se justifica um apelo aos outros partidos no sentido de aprovar o projecto de lei com o qual o PCP pretende dar uma contribuição para preencher esta lacuna. Impõe-se, igualmente, apelar à celeridade dos trabalhos na especialidade.

De resto, justifica-se a extensão deste apelo a outras áreas, em que o ritmo de produção legislativa nos parece manifestamente insuficiente, aguardando os municípios e as freguesias a aprovação definitiva, na especialidade, de diplomas pendentes que já foram aprovados na generalidade.

Temos, e quero declará-lo claramente, uma abertura total em relação à ponderação de soluções na especialidade. Nós próprios faremos propostas de aperfeiçoamento pontual que resultam de melhor ponderação. De resto, os próprios pareceres da ANAFRE, do STAL e da ANMP constituem elementos de ponderação.

Quero sublinhar, entretanto, que existe, no nosso projecto de lei, um conjunto de pressupostos políticos, que são fundamentalmente os seguintes.

Em primeiro lugar, as freguesias constituem uma riqueza da vida democrática e devem ser fortalecidas. Daqui decorre que não partilhamos o ponto de vista dos que preconizaram - lembro-me, por exemplo, do Professor Marcello Caetano - a extinção das freguesias, dos que se referiam às freguesias como "subunidades municipais", que arrastam uma vida penosa e que, mais tarde ou mais cedo, devem ser extintas.

Temos uma vontade de descentralizar que não pode ser apenas proclamada, deve ser demonstrada através de actos concretos.

Naturalmente, esta questão coloca-se a todos os grupos parlamentares.

Em segundo lugar, partilhamos da ideia de que a descentralização deve desenvolver-se em vários sentidos complementares. Isto significa que fortalecer as freguesias não é alternativa de fortalecer os municípios, da mesma forma que fortalecer os municípios não é alternativa de instituir as regiões administrativas.

Têm todos um lugar, e não deve ser um lugar alternativo.

Em terceiro lugar, entendemos que as freguesias têm maiores potencialidades democráticas, porque estão mais próximas das populações. Isto significa que têm mais possibilidades de contribuir para aprofundar a democracia participativa. Por isso mesmo se justifica caminhar para que tudo o que pode ser resolvido a nível da freguesia o seja a esse nível.

Isto implica fortalecer o quadro legal e também que cada município tenha uma vontade de descentralização em relação às respectivas freguesias. Julgamos que não faz sentido que um município reivindique descentralização para si e que a vontade de descentralizar termine aí, adoptando uma posição altamente restritiva em relação às freguesias respectivas.

Todavia, em toda esta matéria coloca-se uma velha questão: alguns dizem que é perigoso descentralizar. Há situações em que as freguesias podem não estar preparadas; há situações em que pode haver a possibilidade de não se exercer correctamente as respectivas funções. Diríamos que essas possibilidades existem em relação a qualquer nível do poder. Naturalmente que se impõe sensatez e prudência, mas impõe-se também que isso não prejudique uma vontade política clara no sentido de garantir uma autonomia efectiva das freguesias. Isto significa, no nosso projecto de lei, que partilhamos da ideia de que deve haver o máximo de autonomia e liberdade e que não devem criar-se restrições que não tenham fundamento sólido e devidamente justificado.

Tudo isto assenta na ideia de que não estamos perante autarquias menores, perante autarquias de segunda ou de terceira categoria. Pelo contrário, estamos perante autarquias de corpo inteiro, que têm uma contribuição insubstituível a dar ao poder local e à democracia portuguesa.

Quero referir-me, independentemente de toda a abertura para o debate em sede de especialidade, a cinco problemas específicos. Um diz respeito ao quadro de pessoal próprio. Partimos da ideia de que deve ser reconhecido o direito de as associações de freguesia terem um quadro de pessoal específico. Deve caber às próprias freguesias usar ou não o direito; e devem ser elas a ponderar o uso ou não desta possibilidade. É um facto que em freguesias de pequena dimensão não se justifica, nem sequer há meios financeiros provavelmente para isso. Mas onde tal se justificar não há razão, a nosso ver, para introduzir uma proibição que nos parece de todo em todo injustificada.

Quero, de resto, sublinhar que a Associação Nacional de Municípios se pronuncia a favor da negação desta possibilidade, sendo ela actualmente negada aos próprios municípios, embora a ANMP reivindique que seja permitido que as associações de municípios tenham um quadro de pessoal. Uma incoerência! Nós, que apoiamos esta reivindicação, entendemos que as freguesias também devem ter esta possibilidade, cabendo-lhes decidir se a usam ou não.

Uma segunda questão tem a ver com a exigência da continuidade geográfica. Trata-se de uma imposição que não existe em relação aos municípios e que entendemos que deve ser a regra. Isto é, as associações de freguesias devem, em geral, ter continuidade geográfica. A actual Constituição da República Portuguesa não impõe esta obrigatoriedade, pelo que julgamos que as freguesias devem poder optar. Pode haver situações em que a oposição de apenas uma freguesia pode levar a que outras se vejam impedidas de concretizar uma associação vantajosa para as populações. É uma questão que estamos dispostos a ponderar e a tratar na especialidade, mas em relação à qual não gostaríamos de deixar de justificar a nossa opção.

Quanto aos órgãos, julgamos que, nesta matéria, não deve ser criado um quadro rígido. Estamos abertos a corrigir pormenores. Por exemplo, a assembleia interfreguesia deve ser presidida por um membro da própria assembleia interfreguesia. É um aspecto em relação à qual o nosso projecto pode ser reconsiderado de acordo, aliás, com pareceres que foram entregues.

Quanto ao recurso das deliberações, quero sublinhar que o projecto precisa de um aperfeiçoamento de carácter técnico, tendo em conta normas constitucionais aplicáveis sobre o recurso contencioso. A forma actual é idêntica à que vigora para as associações de municípios. No entanto, julgamos que esta mesma fórmula de associações de municípios deve vir a ser corrigida.

Quanto ao regime de pessoal, temos em conta que existem pareceres contraditórios da ANMP, da ANAFRE e do STAL.

Compreendemos os pontos de vista próprios de cada uma destas estruturas. Mas é necessário ponderar os interesses em causa e decidir em conformidade, com a legitimidade própria e específica que cabe à Assembleia da República após a audição de todas as partes. Partimos do princípio de que importa garantir os direitos dos trabalhadores, é sempre um propósito primordial da nossa parte. Mas importa, simultaneamente, não criar um quadro legal tão rígido que crie dificuldades à própria prossecução do interesse público.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso projecto de lei aposta na autonomia, na descentralização, na democracia, na participação, aposta na ideia de que as populações devem tomar conta dos interesses específicos que lhes dizem respeito. Herdamos um Estado e uma administração muito centralizada, não está construído um Estado e uma administração pública alternativa. As promessas feitas nesta matéria são muitas, mas aquilo que foi feito no concreto é bem menos do que o que foi prometido.

O projecto de lei que apresentamos pretende ser uma pedra no sentido de construir uma administração democrática alternativa, descentralizada, mais democrática e mais participada. Partimos do princípio de que as freguesias têm direito à dignidade, porque só assim é que as populações vêem reforçados os seus direitos e a sua própria dignidade.