Projecto de Lei n.º 443/VII, do CDS-PP,
PSD e PS, sobre o regime de incompatibilidades e impedimentos dos autarcas
Intervenção do deputado João Amaral
15 de Janeiro de 1998
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tomo a palavra para explicar as razões
que nos levaram a não subscrever e não apoiar o Projecto de Lei nº 443/VII.
Subjacente a este debate, estão as questões da ética e transparência da vida
política que levaram à aprovação pela Assembleia da República de um conjunto
de cinco leis no termo da Legislatura passada. Um dos aspectos mais relevante
do debate então travado foi precisamente a questão das incompatibilidades, que
agora estão no centro do Projecto subscrito pelo PS, PSD e CDS/PP.
A legislação sobre incompatibilidades prevista na legislação aprovada em 1995
já se aplica praticamente a todos os destinatários nela referidos. Desde essa
altura temos novo Presidente da República, nova Assembleia da República, novo
Governo, novos Governos Regionais, novos Governadores Civis, novos Ministros
da República. Faltavam fundamentalmente os Autarcas. A lei previa expressamente
que a aplicação aos Autarcas só seria feita com novo mandato, e esse novo mandato
inicia-se agora após as eleições autárquicas de 14 de Dezembro passado.
A lei data de 18 de Agosto de 1995. Decorreram assim mais de dois anos para
os partidos e os candidatos se prepararem para a sua entrada em vigor.
Não é coerentemente compreensível que, no momento em que a lei vai ser aplicada
aos Presidentes de Câmara e Vereadores a tempo inteiro, depois de já ter sido
aplicada a todos os outros destinatários, venha a ser revogada quanto aos autarcas.
Há aliás um caso concreto que torna esta incoerência mais evidente. É o caso
dos directores gerais. Recordo que quando foi discutido o chamado "pacote"
da ética e transparência, o PSD recusou a aplicação deste regime aos directores
gerais. Contra a posição de todos os outros partidos que, por causa da não aplicação
aos directores gerais acabaram por votar contra a Lei. Só por isso, recorde-se,
para que não haja dúvidas.
Depois das eleições legislativas de 95, o Grupo Parlamentar do PCP tomou como
uma das suas primeiras iniciativas precisamente a resolução deste problema,
propondo a aplicação aos directores gerais do regime de exclusividade que impende
sobre os outros titulares de cargos políticos. A matéria acabou por ser regulada
em lei própria, que consagra esse regime de exclusividade, com especialidades
absolutamente circunscritas.
Este caso mostra que o regime de exclusividade já foi confirmado por esta Assembleia,
em Fevereiro de 1996. Fica assim mais à vista a incoerência sistémica do que
agora se propõe para os autarcas, que é de regressar à legislação que permitia
as acumulações.
O caso dos directores gerais é ainda particularmente relevante por outra razão.
Porque esta Assembleia entendeu atender a certas situações, estabelecendo algumas
excepções - pequenas, mas ainda assim excepções - ao regime da exclusividade.
Qual a razão porque não se seguiu este caminho para resolver os problemas invocados
para justificar o Projecto de Lei nº 443/VII?
Esses problemas estão expostos em ofício da Associação Nacional dos Municípios
Portugueses, onde se refere a participação dos municípios em sociedades de capitais
maioritária ou exclusivamente públicos concessionárias de serviços públicos,
bem como a participação em empresas de âmbito municipal ou regional, que prossigam
fins de interesse público local e se contenham dentro das atribuições dos municípios.
Diz a ANMP: "a partir do próximo mandato, o Município não poderá estar
representado nos órgãos destas sociedades através de eleitos locais em regime
de permanência, não podendo assim defender nos órgãos próprios dessas entidades,
através de pessoas directamente eleitas e em funções executivas, os pontos de
vista do Município".
Este é o problema com que se quer justificar este projecto de lei. Mas, sendo
este o problema, nada justifica a solução radical que ele contém.
Da nossa parte, queremos ser claros. Manifestamos inteira disponibilidade para
encontrar uma fórmula de alteração à lei que dê resposta ao problema posto.
Isto é: sem prejuízo da manutenção do princípio essencial da exclusividade,
estamos disponíveis para legislar uma excepção ao princípio da exclusividade
para a questão posta pela ANMP.
Esta é a proposta concreta que aqui formulamos. Nós próprios nos prontificamos
a participar na imediata elaboração dessa proposta. Nesse caso, o projecto de
Lei 443/VII ficaria sem votação (ou seria retirado), e em sua substituição seria
aprovada a alteração.
Também foi levantada por alguns médicos a questão do exercício de actos médicos
com carácter de gratuitidade. É uma questão que, noutro plano, também se pôs
para os directores gerais, e que aí foi acolhida em certos termos como excepção
ao princípio da exclusividade. Isto, sem esquecer que a exclusividade abrange
quer cargos remunerados quer não remunerados. Também aqui é possível formular
uma excepção adequada ao problema posto.
Resumo pois a posição do PCP: não à solução radical de revogar todo um regime
de incompatibilidades. Sim, à definição de um regime de excepções adequado aos
dois problemas postos.
Disse.