Debate de urgência sobre o Acordo de Pescas com Marrocos
Intervenção do deputado Honório Novo
17 de Novembro de 1999

 

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Senhores membros do Governo

Quando esta Assembleia debateu, em Abril de 97, o Acordo Comercial entre a União Europeia e Marrocos, o PCP justificou então o seu voto contra porque, entre outras razões, não se tinham previsto as contrapartidas necessárias à renovação do Acordo de Pescas para além do seu termo em 30 de Novembro deste ano, enquanto as facilidades comerciais então concedidas não tinham limite previsto.

Na altura o Governo afirmou - com alguma agressividade - que o PCP estava enganado, que as duas questões estavam ligadas, e que o Acordo Comercial era essencial para a aprovação do Acordo de Pescas.

Vê-se agora quem tinha razão...

Há precisamente um ano, na sequência de uma visita de uma delegação do PE a Marrocos, escrevi ao titular da Secretaria de Estado das Pescas dando-lhe nota da preocupação do PCP sobre o futuro deste Acordo de Pescas, e sugerindo os passos que, em nossa opinião, deveriam ser dados para negociar a respectiva renovação.

Estávamos longe de pensar que praticamente nada de eficaz foi feito durante este lapso de tempo e que esteja eminente, numa reedição do sucedido durante sete longos meses do ano de 1995, a paralisação total da frota nacional a operar em Marrocos.

Há um ano dissemos ao Governo que era fundamental agir para que o Conselho de Ministros mandatasse atempadamente a Comissão para iniciar negociações para a renovação deste acordo de pescas e assim se evitarem paralisações da actividade da frota portuguesa.

A verdade é que só no passado mês de Outubro o Conselho decidiu conferir tal mandato negociador à Comissão.

Há um ano dissemos ao Governo que as negociações não deveriam visar a obtenção de acordos radicalmente diferentes do actual, através do qual se compram licenças para pescar em águas marroquinas.

Mas o que é certo é que o mandato tardio conferido à Comissão prevê como objectivo central - diria quase único - estabelecer um novo acordo baseado na criação de sociedades mistas.

O Governo parece ter esquecido que um tal acordo não serve a frota portuguesa, do tipo familiar que não possui capacidade tecnológica, administrativa e financeira para criar sociedades mistas.

O Governo quer também esquecer-se, e fazer-nos esquecer, que um acordo de sociedades mistas exige o abate dos barcos à frota nacional, a sua matrícula em Marrocos, a obrigação de descarga de todo o peixe capturado em portos daquele país e a obrigação de contratação de tripulações quase inteiramente marroquinas.

O Governo quer ocultar que uma tal solução provocaria também o desemprego massivo em Sesimbra (onde mais de 50% dos pescadores trabalha em Marrocos) e consequências bem graves em Olhão e na Fuzeta.

Há um ano aconselhamos o Governo a potenciar as características próprias da frota portuguesa em Marrocos - cerca de 40 barcos (eram 51 em 95) perante as mais de 450 embarcações espanholas, capturando sobretudo peixe espada, espécie que mais ninguém pesca nem come a não ser os portugueses.

O Governo nada conseguiu já que nenhuma referência a este facto está contemplada no mandato conferido à Comissão.

Neste quadro pergunta-se:

  1. Vai o Governo aceitar que um futuro acordo entre a UE e Marrocos preveja unicamente o estabelecimento de sociedades mistas? Pela sua parte, o PCP considera que o Governo só deverá aceitar um acordo do tipo misto que, paralelamente à possibilidade de criação de algumas sociedades mistas, preveja a manutenção de uma quantidade de licenças capazes de garantir a manutenção da actual frota nacional em Marrocos.
  2. Que alternativas para esta frota tem o Governo caso apareça uma proposta de acordo apenas com sociedades mistas? Considera que é alternativa aceitável promover, como aliás o sugeriu em documento oficial de Julho de 98, novos abates de embarcações, fazendo regressar em força uma política que se notabilizou durante os governos Cavaco Silva? Ou, pelo contrário, estará o Governo disposto a potenciar, como é necessário e desejável, através de negociações bilaterais, as vantagens específicas da nossa frota em Marrocos?
Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados Senhores membros do Governo

A inércia do Governo, do Conselho e da Comissão vão provocar a paralisação da frota portuguesa a operar em Marrocos a partir do final do mês, por um período de tempo ainda indeterminado, pois a primeira reunião formal de negociações está prevista para vinte dias depois do Acordo caducar.

Exigem-se assim compensações financeiras adequadas e suficientes a atribuir a pescadores e armadores, pagas desde o início da paralisação.

Registamos o facto de como foi tornado público mas gostaríamos de aqui ver confirmado ou desmentido, a Comissão estar preparada para atribuir uma compensação aos pescadores espanhóis 50% superior àquela que é destinada aos pescadores portugueses.

Registamos também o facto de, ainda segundo o que veio a lume na Comunicação Social, a Espanha ter requerido atempadamente tais compensações e o Governo português apenas ter comunicado telefonicamente as necessidades portuguesas no final de Outubro...

O que gostaríamos de conhecer exactamente são os compromissos do Governo sobre as seguintes questões:
  1. Quanto vão receber mensalmente os pescadores e armadores imobilizados?
  2. O Governo garante que os pescadores serão pagos desde o primeiro mês de paralisação e até que ela termine? E o que vai acontecer aos trabalhadores de terra e aos postos de trabalho indirectos?
  3. O Governo garante que as compensações financeiras serão pagas directamente aos pescadores ou tal pagamento será feito por interpostas pessoas, como ocorreu em 95?
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Senhores membros do Governo

Ciclicamente a negociação do acordo de pescas com Marrocos cria total instabilidade num segmento relevante da frota artesanal em Portugal.

As dificuldades crescentes na negociação deste e outros acordos de pesca com países terceiros coloca na ordem do dia a discussão sobre o futuro de Política Comum de Pescas.

Por isso importava sublinhar que o PCP considera essencial renegociar o futuro desta política comum pelo menos nos dois aspectos seguintes:

Em primeiro lugar a manutenção das 12 milhas na exclusiva soberania nacional e a defesa do alargamento dessa soberania para as 24 milhas, zona marítima que passaria a ser destinada unicamente à frota nacional. Tal como, recordo, foi aliás aprovado neste plenário e no plenário do PE, por iniciativa dos deputados do PCP.

Em segundo lugar, exige-se que o quadro legislativo comunitário passe a contemplar a possibilidade de estabelecer negociações bilaterais que contemplem especificidades próprias, e que no caso português permitiria resolver não só a questão de Marrocos, como criar a outros segmentos da frota novas oportunidades de pescas, designadamente nas águas territoriais dos PALOPs.

Não podemos continuar a aceitar uma Política Comum de Pescas cuja orientação fundamental é reduzir a nossa capacidade pesqueira, abrir completamente as nossas águas e remeter Portugal para o estatuto de mero importador de produtos de pesca.

Disse.