Assembleia da Organização Regional de Coimbra
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP
3 de Junho de 2006

[EXTRACTOS]

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Esta semana novos desenvolvimentos tornaram evidente a amplitude da ofensiva que está em curso com o anúncio das medidas do novo regime de mobilidade para a administração pública.

Medidas contra direitos fundamentais dos trabalhadores, como o direito ao trabalho. Medidas para impor a diminuição das suas remunerações.

Ao contrário da propaganda, este governo está a transformar os trabalhadores da administração pública em “bodes expiatórios” de todos os males do País –, pretendendo agora enviar dezenas de milhares deles para um “quadro de excedentários”, uma forma de abrir a porta aos despedimentos encapotados.

O que está em marcha é uma ampla ofensiva de grande envergadura contra as conquistas dos trabalhadores e do povo que a Constituição da República consagrou, com o claro objectivo de reduzir cegamente à custa dos trabalhadores, os custos de administração, funcionamento e prestação dos serviços públicos e funções sociais que o Estado está obrigado a prestar.

O governo do PS/Sócrates está cada vez mais apostado na concretização de um conjunto de contra-reformas de regressão social, realizadas em nome da modernidade e da mudança.

Na educação, assinalamos com grande preocupação, a insistência numa opção extremamente perigosa, que tem vindo a ser seguida pelo Ministério da Educação, de procurar dividir a comunidade educativa, colocando pais e professores em campos opostos, com o objectivo de conseguir desta forma, apoios para um conjunto de medidas que tem vindo a tomar, que não prejudicam apenas os professores, que se vêem amputados de parte dos seus direitos e feridos na sua dignidade profissional, mas principalmente as nossas crianças e os jovens estudantes, que serão os mais penalizados com os condicionalismos que estão a ser colocados à intervenção dos docentes.

É inaceitável que se procure, de acordo com uma estratégia de dividir para reinar, bem patente nas afirmações da Ministra, de que “pode ter perdido os professores, mas ganhou na opinião pública”, colocar os pais contra os professores, incutindo nos primeiros a ideia de que os professores são os responsáveis pelo insucesso escolar, quando todos os estudos conhecidos, apontam como principal causa do insucesso escolar e abandono precoce, as condições socio-económicas da grande maioria das famílias portuguesas, matéria que é da única responsabilidade dos sucessivos governos que têm governado o país, incluindo o actual, cuja acção tem penalizado fortemente os trabalhadores portugueses.

A intenção de imposição do Ministério da Educação, e não “proposta”, como cinicamente lhe chama, do novo Estatuto da Carreira Docente, tem tanto de absurda como de intencional.

Centrando a discussão na opinião pública, apenas na possibilidade dos pais avaliarem os profes-sores, o governo, para além de desviar as atenções das medidas mais gravosas do Estatuto, pro-cura esconder uma questão central da estratégia em curso de reestruturação do sistema educativo, que é condicionar cada vez mais a actividade docente ao objectivo de “formatar” os futuros homens e mulheres de amanhã, de acordo com os interesses da ideologia dominante e do grande capital, tal como foi definido na chamada “Estratégia de Lisboa” em 2000.

Pode-se dizer que o governo já que não pode comprar a alma e a consciência da generalidade dos professores, procura com estas medidas, sujeitar a actividade docente às mais variadas formas de dependência e de chantagens, denegrindo a profissão e fazendo depender em grande medida a progressão na carreira de múltiplos factores subjectivos que o professor não domina e não das suas próprias capacidades como seria normal.

Colocando no centro das nossas preocupações o aluno e a qualidade das aprendizagens, associada à convicção de que o professor tem um papel determinante no sistema educativo, quero daqui manifestar-lhes a nossa solidariedade e fazer-lhes um apelo. Não se deixem manipular naquilo que de mais nobre tem a sua profissão, que é a liberdade de ensinar e desta forma contribuam para a construção de uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária.

“Estratégia de Lisboa” de que o chamado “processo de Bolonha” se transformou num dos seus instrumentos, tem como uma das principais orientações, o colocar sob o controle total do capital europeu, a educação e o ensino, intervindo na natureza dos conteúdos, empobrecendo-os, como está a acontecer em Portugal, numa clara opção por um sistema educativo todo ele virado para o ensino específico em detrimento do ensino integral, que prepare os homens e as mulheres de amanhã, não apenas para a vida activa, mas sobretudo para uma intervenção política e social responsável e consciente a partir de uma formação integrada e avançada.

O grande capital precisa de trabalhadores mais qualificados, mas precisa sobretudo de mão-de-obra obediente e barata e de flexibilizar as relações de trabalho. Procuram formar os novos trabalhadores para a flexibilidade da sua vida futura como trabalhadores, com o argumento de que é para combater o desemprego. A ideia geral que promovem é a de que a sociedade do conhecimento impõe estas mudanças. Segundo os promotores desta mudança, desta forma é mais fácil a adaptação ao mercado flexível.

O que seria natural era, com os avanços da ciência e da técnica, os trabalhadores trabalharem menos e aprenderem mais e não o contrário.

Também na saúde, a política de direita que tem vindo a ser incrementada e em que o governo PS insiste, aponta claramente no sentido da construção do “grande mercado da saúde”, de que o abandono por parte do Estado das responsabilidades constitucionais nesta área, abrindo espaço à incursão do sector privado, é uma componente fundamental.

O processo de privatização em curso e o aumento da promiscuidade entre o público e o privado, numa cedência sem precedentes aos interesses instalados, tem como principais consequências, não apenas maiores dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, mas também os custos crescentes a que as famílias portuguesas estão sujeitas e que hoje apontam já para uma percentagem de 40% do total das despesas globais com saúde.

Custos que crescem sem os respectivos ganhos em saúde, porque uma parte substancial do dinheiro vai direitinho aos cofres dos privados, como acontece nos cuidados primários em que cerca de 62% do orçamento de custos, mais de 2 mil milhões de euros, é para pagar serviços ao exterior, quando se sabe que ao nível dos laboratórios, dos meios complementares de diagnóstico e de internamento, as capacidades hospitalares estão sub-aproveitadas.

É caso para perguntar onde está afinal o “rígido espírito economicista” de que o Governo faz gala?

As opções do governo PS há muito que estão definidas em matéria de saúde. Por um lado intensifica um conjunto de medidas destinadas a entregar ao sector capitalista os ramos mais lucrativos da prestação dos cuidados de saúde e, por outro, consolida a tese de que ao Estado cabe a prestação de cuidados não lucrativos necessários à satisfação de níveis mínimos de saúde, ou indispensáveis para complementar a actividade do sector capitalista.

Se dúvidas pudessem existir, aí estão as alterações nos estatutos dos hospitais, com a passagem a EPE, a decisão de construir os próximos hospitais na base de Parcerias Público Privadas, a decisão de encerrar maternidades e hospitais, a política de concentração de urgências dos centros de saúde que vai levar ao encerramento de centenas de SAPs, a decisão de abrir à iniciativa privada a constituição de Unidades de Saúde Familiares.

Muitas destas decisões são justificadas com argumentos técnicos, nos quais o Ministro de refugia para justificar decisões políticas; muitos são encomendados para suportar as decisões que mais convêm à opção política

Procurando não generalizar, importa contudo chamar a atenção para o facto de alguns destes estudos levantarem muitas dúvidas quanto à sua credibilidade, como é o caso do estudo sobre as prioridades na construção de novos hospitais, em que os mesmos argumentos que serviram para defender a não construção do novo hospital do Seixal, serviram passado um mês, depois de uma grande acção de massas da população do concelho, para dar o dito por não dito e justificar a sua construção, ou então quando se diz que a maternidade da Figueira da Foz não tem segurança depois de lhe ter sido atribuído anteriormente um prémio de qualidade.

Sobre esta matéria é legítimo perguntar, então porque razão o relatório técnico não exige às maternidades privadas os mesmos pressupostos técnicos? Tanto quanto se conhece se exigisse os 1500 partos, apenas uma se manteria a funcionar.

O que o relatório técnico e o Governo não dizem, é que o debate tem confirmado que esta é em primeiro lugar uma questão de propriedade, aliás confirmada pelas declarações do Presidente da Associação Nacional de Hospitalização Privada que afirmou já ter feito, e passo a citar - “propostas ao governo que garantem que se continuem a realizar partos em algumas cidades ameaçadas com o fecho de maternidades públicas” - tendo igualmente avançado a proposta de - “uma parceria mais efectiva na área da ginecologia-obstetrícia”.

É por isso que afirmamos que a luta contra o encerramento das maternidades não é, como nos querem fazer crer os sábios, uma luta contra o progresso técnico e científico, é antes uma luta pela melhoria da acessibilidade aos serviços de saúde, pelo acompanhamento e apoio à gravidez, pelo bem-estar do recém-nascido e da criança, integrada na luta mais geral por um Serviço Nacional de Saúde “universal, geral e gratuito”.

Citando um camarada profissional de saúde, no recente Encontro Nacional do Partido, a propósito do encerramento das maternidades, «o debate tem mostrado que afinal as razões técnicas e científicas, não passam de habilidades políticas mal disfarçadas pelos técnicos, e de habilidades técnicas mal disfarçadas pelos políticos».
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