Lançamento da emissão filatélica
dos CTT de homenagem a Álvaro Cunhal
Intervenção de Jerónimo de
Sousa, Secretário-geral do PCP
10 de Novembro de 2005
Começo por agradecer ao Dr. Luís Filipe Nazaré, Presidente do Conselho de Administração dos CTT Correios de Portugal, o convite para estar presente e intervir nesta iniciativa de lançamento desta emissão filatélica de homenagem a Álvaro Cunhal, ocorrida precisamente no dia em que ele completaria 92 anos.
Quero, também, sublinhar, com uma palavra de elevado apreço, a decisão da Administração dos CTT Correios de Portugal de levar a efeito esta emissão filatélica, composta por um bloco e um selo, de muito bela concepção.
Trata-se de uma palavra de apreço não apenas em meu nome pessoal, mas igualmente em nome da família de Álvaro Cunhal e, naturalmente, em nome do Partido Comunista Português, sabido como é que o nome, a figura, a actividade, a vida de Álvaro Cunhal estão indissoluvelmente ligados ao PCP, partido de cuja construção colectiva ele foi o mais destacado operário.
Não é este o momento para aprofundar a biografia, a vida e a obra , de uma figura com a dimensão política, cultural, humana de Álvaro Cunhal. Vale a pena e é necessário, no entanto, sublinhar, ainda que brevemente, alguns momentos da vida dessa figura maior da nosso século XX que foi Álvaro Cunhal.
Nascido três anos depois da implantação da República, Álvaro Cunhal adere ao PCP aos 17 anos de idade, era, então estudante da Faculdade de Direito de Lisboa. Em 1935 iniciou a sua actividade clandestina e, um ano depois, foi chamado ao Comité Central do Partido. A sua primeira prisão pela polícia política fascista, ocorrida em 1937, duraria um ano, ao fim do qual retomou a sua actividade clandestina, voltando a ser preso em 1940, sofrendo mais um ano de prisão e regressando, mais uma vez, à luta política. Participa, então, activamente, no processo de reorganização do Partido que viria a transformar o PCP num grande partido nacional e no grande partido da resistência antifascista. Desse processo, com a importância decisiva que teve no futuro do Partido, emergem a figura, a acção, a intervenção, o papel decisivo, marcante, profundamente impressivo de Álvaro Cunhal. Preso novamente em 1949, é mantido incomunicável durante 14 meses e, como nas duas prisões anteriores, brutalmente torturado - e, como nas duas prisões anteriores, recusando-se a prestar declarações à polícia fascista. Ficou célebre a sua defesa no tribunal fascista, em que o acusado se transformou em acusador, denunciando o conteúdo e o carácter do fascismo e fazendo a defesa da orientação e da acção do PCP. Ao fim de onze anos de prisão – sete dos quais em completo isolamento - evadiu-se da Fortaleza de Peniche, numa fuga colectiva que trouxe para a liberdade e para a luta pela liberdade e pela democracia um conjunto de destacados militantes comunistas. Um ano depois foi eleito secretário-geral do Partido, cargo que ocupou até 1992. Derrubado o fascismo e conquistada a liberdade, Álvaro Cunhal prosseguiu, nas novas condições, a luta de toda a sua vida – uma luta que, tendo como objectivo maior a construção em Portugal de uma sociedade nova, mais justa, mais livre, mais solidária, mais fraterna, assumia no seu dia a dia a defesa constante dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País.
Ao longo de toda a sua vida, Álvaro Cunhal, produziu uma vasta obra teórica que constitui uma referência incontornável para quem queira proceder à abordagem dos principais momentos da história portuguesa no século XX., e que foi um contributo marcante para a formação e desenvolvimento do Partido Comunista Português. Exemplos dessa produção teórica revolucionária são, entre muitos outros, «Rumo à Vitória», «O Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista», «A Revolução Portuguesa – o Passado e o Futuro», «O Partido com Paredes de Vidro» e «A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril – a contra-revolução confessa-se».
É sabido, também, que a intervenção literária de Álvaro Cunhal não se esgotou nos seus textos políticos e nos ensaios.. Longe disso. Para além da notável tradução do «Rei Lear», de Shakespeare, a sua obra de ficção, assinada com o pseudónimo de Manuel Tiago é, também ela, uma expressão do talento multifacetado de Álvaro Cunhal e do seu empenhamento contínuo na defesa dos ideais de liberdade e de justiça social. É uma obra vasta, composta por uma dezena de títulos, entre eles o «Até Amanhã, Camaradas» - recentemente adaptado a série televisiva de que, hoje mesmo, também por feliz coincidência, será lançado o respectivo DVD.
Fruto desse talento multiforme, dessa criatividade pujante, é ainda a obra plástica de Álvaro Cunhal, nomeadamente os Desenhos da Prisão, feitos na Penitenciária de Lisboa e na Fortaleza de Peniche – desenhos feitos, nas palavras de Mestre Rogério Ribeiro, por «um homem a quem foi retirada a liberdade (...) mas que quis encontrar, procurando no mais profundo da sua vontade, a capacidade de, na folha, como uma bandeira branca aberta na cela, implicar o lápis a abrir janelas sobre realidades vividas, inventadas, recriando-as com grande carinho e ternura».
Álvaro Cunhal deixou-nos em Junho deste ano e a sua ausência continua, e continuará, a pesar entre todos os seus camaradas e amigos, entre os muitos e muitos milhares de militantes comunistas e de homens, mulheres e jovens das mais diversas opções políticas e ideológicas que, por ocasião do seu funeral, lhe renderam expressiva homenagem. Contudo, é o exemplo da sua vida aquilo que, dele, mais impressivamente permanece em nós. Porque a vida de Álvaro Cunhal é, para nós, comunistas portugueses – e, estou em crer, não apenas para nós mas também para muitos e muitas portugueses e portuguesas – uma referência permanente, um exemplo que nos estimula a dar plena continuidade à luta pelos objectivos que nortearam toda a sua existência, à luta de toda uma vida ao serviço do seu partido, que o mesmo é dizer ao serviço dos trabalhadores e do povo português. Como diz um personagem de um dos seus romances: «Sonhamos com um mundo melhor onde uns não vivam da dor de outros homens, onde não se matem crianças com metralhadoras, onde o ar se respire com liberdade. É esse o sonho que nos dá força para lutar e para sofrer, para nos afirmarmos felizes na nossa dura vida, mesmo quando perdemos muito do que nos é mais querido»
É verdade! É um selo de bela concepção mas também
de mensagem. O camarada Álvaro teria gostado porque na sua luta pela
felicidade colectiva, o seu afecto às crianças comportava o sonho
de que elas um dia haveriam de ser mais felizes num País e num mundo
melhor!