Na Festa Alentejana, em Beja
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
Beja 22/05/05

 

As nossas mais cordiais saudações a todos os amigos e camaradas que aqui vieram a este magnífico espaço de debate, convívio, fraternidade e alegria que é a nossa Festa do Alentejo.

Estivemos hoje de manhã, em Baleizão, para evocar a memória de Catarina Eufémia e, no seu exemplo de luta e coragem, homenagear as gerações de homens e mulheres do Alentejo que lutaram pelo pão, pela liberdade, por uma sociedade liberta da exploração, por um Portugal de progresso e de justiça.

Daqui renovamos as nossas saudações e a nossa sentida homenagem a esse determinado e combativo povo trabalhador do Alentejo.

Nestes últimos dias, contrastando com a modorra de uma governação apática que não se vê na resolução dos reais problemas do país, assistimos a uma frenética campanha de mentalização dos portugueses à volta do problema do défice das finanças públicas e dos resultados da chamada “Comissão Constâncio” de apuramento das contas do Estado.

Um desusado alarido, com muito teatro à mistura, que mais não é do que a preparação do terreno para impor novos e mais gravosos sacrifícios aos portugueses que vivem do seu trabalho.

O premeditado dramatismo à volta dos resultados da “Comissão Constâncio” e sobre o real valor do défice orçamental que, com ensaiado espanto, se prevê e anuncia ser muito pior do que se supunha, está a servir de pretexto não só para desresponsabilizar o novo governo dos seus compromissos eleitorais de garantir o prometido melhoramento das condições de vida do povo, como para justificar e preparar uma nova ofensiva contra os salários, o emprego e os direitos dos trabalhadores, os serviços públicos essenciais ao bem-estar das populações e abrir caminho para um novo agravamento dos impostos indirectos que, como se sabe, são os mais injustos de todos os impostos.

Um desmedido alvoroço que, mais uma vez, quer fazer crer que é o défice das finanças públicas o problema central que a governação e os portugueses têm que urgentemente enfrentar.

A mesma encenação que já havia feito Durão Barroso quando iniciou a governação para impor o congelamento dos salários da função pública, aumentar os impostos e impor novos sacrifícios ao mundo do trabalho.

A diferença agora é que em vez do “discurso da tanga” se preconiza o discurso da “pedagogia do sacrifício”. Diz o senhor governador do Banco de Portugal que se afirma socialista, mas que há muito abraçou os ideiais do neoliberalismo e dos interesses da alta finança, que são precisas medidas que “ exigem pedagogia para que os portugueses possam compreender plenamente a situação”.

Nós também pensamos que é preciso muita pedagogia para explicar aos portugueses muita coisa da situação.

E a primeira questão que é preciso explicar é porque é que depois de todos estes últimos anos a pedir sacrifícios aos mesmos de sempre, particularmente aos trabalhadores e aos reformados, com a promessa de mais adiante estar garantido um futuro radioso de desenvolvimento económico e de desafogo a situação está pior do que estava antes? Depois de todos estes anos de sacrifícios, porque é que a situação não melhora e se apressam, outra vez, sem qualquer vergonha, a apresentar um novo e mais gravoso caderno de encargos para os portugueses, particularmente para o mundo do trabalho?

Não sei se nos quererão explicar, mas nós arriscamos desde já uma resposta: porque os sucessivos governos dos últimos anos insistem na mesma desastrosa política e nas mesmas gastas soluções de favorecimento de actividades especulativas e de concentração da riqueza nas mãos de uma minoria que o PS e o seu governo parecem querer prosseguir.

Antes de tomarem mais medidas gravosas contra os mesmos de sempre, contra os trabalhadores e os pequenos interesses, porque é que não explicam com a aturada pedagogia que se impõe, porque é que sendo o crescimento económico uma das condições fundamentais para superar as dificuldades das finanças públicas os grandes grupos financeiros e as grandes empresas continuam a obter brutais e escandalosos lucros, a nossa economia não cresce, nem recupera, como ontem, mais uma vez, se dava conta nos dados do INE?
Porque é que estão tão prósperos os grandes grupos económicos e Portugal nestes últimos cinco anos desce 13 lugares no ranking da competitividade entre nações? Ou porque é que quanto mais aumentam os lucros mais cresce o desemprego?

Não sabemos se terão vontade e disponibilidade para explicar. Mas nós tentamos dar resposta: Porque é cada vez mais evidente o carácter predador do grande capital económico e financeiro em Portugal que nada arrisca, que vive apenas à sombra de sectores protegidos e de mercado garantido, limitando-se apenas a aspirar as mais-valias de um aparelho produtivo cada vez mais debilitado e menos competitivo.

Porque apenas joga o jogo do dinheiro fácil e de crescimento rápido apoiados por um poder político que há muito deixou cair a bandeira da defesa dos interesses nacionais e dos portugueses que trabalham.

Não são conhecidas as medidas concretas que o governo diz estar já a preparar.

E é provável, face à proximidade das eleições autárquicas, que haja no imediato alguma contenção, mas é uma evidência que as soluções que se avançam, quer do próprio presidente da Comissão de avaliação do défice – Victor Constâncio –, quer do Ministro das Finanças do novo governo do PS, são um preocupante indicativo do que está em preparação para o futuro.

Não são, nesta matéria, tranquilizadoras as afirmações do Ministro das Finanças, Campos e Cunha, quando diz que chegou a “ hora da verdade” e anuncia, para os próximos três anos uma drástica redução da despesa pública, ao mesmo tempo que nos faz recordar ostensivamente que o “Pacto não morreu” retomando a obsessão pelo défice dos seus antecessores.

Um Pacto de Estabilidade revisto numa versão minimalista que contraria todas as expectativas positivas que o governo PS inicialmente profetizava e garantia como medida indispensável ao relançamento da economia e do crescimento do emprego. Está hoje claro que o governo do PS se prepara para obediente e submissamente não só o aceitar como para o justificar e cumprir.

O que está em preparação é mais do mesmo com recurso às mesmas receitas e soluções monetaristas e neoliberais que são a causa da crise, do agravamento da situação económica e da degradação das finanças públicas.

Temo-lo dito e reafirmamo-lo: não há saída para os nossos problemas nacionais persistindo nas mesmas políticas que têm engordado o grande capital financeiro e os grandes grupos económicos que medraram à sombra das privatizações e dos negócios especulativos sem qualquer vantagem para o desenvolvimento da economia portuguesa, para o emprego e para a qualidade de vida das populações que pagam cada vez mais caro os diversos serviços espoliados ao sector público.

Ao contrário do que afirmam os ideólogos do neoliberalismo dominante, não é o défice das contas públicas o problema central do país.

A grande questão com a qual o país está confrontado é a do crescimento económico que passa pela valorização da produção e do aparelho produtivo nacional. O que o país precisa é de um efectivo combate ao nosso défice alimentar. O que o país precisa é de aumentar a produção de bens transaccionáveis para a produção dos quais não se vêm grandes investimentos privados ou públicos.
O que o país precisa urgentemente é de atenuar o seu défice tecnológico, bem como o défice energético que consome enormes recursos.

Mas o que o país e a regularização das contas públicas exigem é também um firme combate à fraude e evasão fiscal, por fim ao escândalo das baixas taxas de IRC que a banca e os grandes grupos pagam efectivamente e promover o corte dos benefícios fiscais às actividades financeiras e especulativas.

Antes de tomarem mais medidas gravosas contra as camadas populares, talvez fosse bom explicar, para compreendermos, porque é que tendo a banca e os grandes tão grandes e fabulosos lucros, como foi evidente no ano que passou, o défice das contas públicas não se atenua ou reduz? É só porque aumentou a despesa como afirmam os defensores das medidas drásticas contra o povo? Ou será porque quanto mais lucros têm mais fogem ao fisco, menos pagam de impostos e mais recebem de benefícios fiscais?


Porque é que os pedagogos dos sacrifícios para o povo nunca têm uma palavra, uma simples palavra para denunciar a escandalosamente fraca participação da banca comparativamente com os seus lucros reais nos impostos? Porque é que passam a vida a falar e a exigir aumento dos impostos do IVA ou do Imposto Automóvel e dos cortes nos salários e não têm uma palavra, uma simples palavra para denunciar e exigir a tributação do património mobiliário – milhões e milhões de contos de acções?

Não se peçam mais sacrifícios a quem trabalha quando se deixa passar, por entre os dedos das mãos, milhões de euros de impostos com a migração de acções das grandes empresas e bancos em escandalosas operações de “ lavagem de dividendos”.

É por tudo isto que é inaceitável o discurso dos sacrifícios para todos, como se a crise fosse igual para toda a gente. Insistir que todos temos que nos sacrificar é uma profunda hipocrisia.

Quando se comparam os espantosos lucros da banca e das grandes empresas com as dificuldades de tantos e tantas pequenas empresas, com a miséria de tantas reformas e pensões ou com os baixíssimos salários de tantos trabalhadores é chocante ver-se o coro de salvadores da pátria, apoiantes do neoliberalismo e da alta finança a reclamar medidas drásticas e apertos de cinto para resolver os problemas das finanças públicas à custa dos mesmos de sempre, dos trabalhadores, dos reformados e dos pequenos empresários.

Dificuldades que se agudizam com o flagelo social do desemprego que esta semana conheceu um novo agravamento.
No país 7,5% da população activa está no desemprego, cerca de 500.000 trabalhadores enfrentam esta dramática situação que tem, aqui no Alentejo, a mais grave expressão com a taxa de desemprego a atingir 9,3%. Todos os dias cresce o desemprego e Portugal é já o campeão do aumento das falências.

É também, neste preciso momento, em que se continuam a agravar as condições de vida dos trabalhadores que o PS, inexplicavelmente numa postura de completa cedência aos grandes interesses e ao grande capital, decide dar o dito por não dito em relação à revogação imediata das normas mais gravosas para os trabalhadores contidas no Código de Trabalho.

O que o governo do PS prepara, ao contrário de tudo o que afirmou quando era oposição, é não só adiar um ano a discussão das prometidas alterações, como se aprontam para deixar caducar os contratos colectivos de trabalho que hoje vigoram permitindo que se anulem direitos históricos conquistados pela luta de gerações de trabalhadores.

O que o governo PS se prepara para aceitar são as reivindicações do grande patronato que há muito persegue o objectivo de anular a eficácia da contratação colectiva de trabalho.

Não tenhamos ilusões, a manter-se a posição do governo do PS e da sua maioria de não alterar, no novo Código, a regra da caducidade dos contratos colectivos de trabalho vamos assistir a uma nova ofensiva visando o aprofundamento da desregulamentação e flexibilização das relações laborais e da precarização do trabalho.


Dois meses depois, da tomada de posse do novo governo, não se vêem medidas para contrariar esta tendência em permanente agravamento da situação económica e social, como não se vê resposta aos graves problemas do desenvolvimento do Alentejo.

Dois meses depois, não vemos, nem medidas, nem sinais de políticas novas e diferentes que combatam o completo abandono dos sectores produtivos e que sejam capazes de tirar partido dos importantes recursos da região, da agricultura aos recursos mineiros e sua transformação, da produção de energia ao desenvolvimento das indústrias agro-alimentares que estão na origem das crescentes dificuldades da economia do Alentejo.

Medidas que combatam o desemprego, a desertificação e o despovoamento que as desastrosas políticas de direita de sucessivos governos têm vindo a acentuar cada vez mais.

Dois meses depois continuam a fugir aos compromissos com a região como é o caso do desenvolvimento e concretização do projecto da criação do Aeroporto de Beja e do seu futuro sobre o qual nem o governo, nem o Ministro das Obras Públicas quer dar explicações. A falta de resposta e o silêncio que se vem fazendo à volta do desenvolvimento deste projecto não pode continuar.

O governo não pode continuar a fugir às suas responsabilidades de garantir a concretização deste importante projecto de desenvolvimento regional.

É o arrastamento e a inércia dos governos que se têm alternado no poder que tem contribuído para que o Alentejo continue a enfrentar graves problemas como os da seca. Um problema grave que poderia estar hoje muito atenuado não fosse a falta de vontade política dos últimos governos do PSD e do PS no desenvolvimento de todo o sistema de infra-estruturas que a partir do Empreendimento do Alqueva deveriam garantir a água a toda esta região.

Agora, que mais uma vez o problema está dramaticamente agudizado, aí estão, uns e outros, a competir entre si pela apresentação de medidas para a solução da seca, como se o problemas fosse novo e eles não tivessem qualquer responsabilidade pela calamitosa situação que enfrenta hoje o Alentejo.

Se querem dar algum contributo para minorar e começar a resolver, de facto, o problema da seca, ponham em prática as 12 medidas que o PCP apresentou na Assembleia da República, nas quais se inscrevem a urgente declaração de calamidade pública e a disponibilidade imediata com os respectivos meios financeiros para a construção das inúmeras barragens já inventariadas e da mobilização dos recursos do Estado disponíveis, incluindo os militares para a sua concretização.

É também chegado o tempo de finalmente se darem passos mais decisivos no aproveitamento integral do Empreendimento do Alqueva nas suas funções de desenvolvimento, democratização do acesso à terra e promoção de emprego.

Por todo o país e, particularmente aqui no Alentejo, iniciamos a apresentação das nossas candidaturas às eleições para as autarquias que provavelmente se realizarão no próximo mês de Outubro.

Trata-se de uma batalha eleitoral de grande exigência e que apela ao redobrado envolvimento de todos os amigos e camaradas nas mais diversas e exigentes tarefas de afirmação do distintivo projecto da CDU.

Uma força que presta contas, reconhecida pela sua honestidade e competência e que faz da participação popular e da proximidade às populações o eixo fundamental do seu estilo de poder assente numa política de verdade e transparência com as populações.

A CDU honra-se da importante e ímpar obra que tem desenvolvido nas autarquias e que tem sido um importante factor de desenvolvimento local, de fixação da população, de preservação e valorização do Alentejo.
Vamos, assim, em breve, travar uma nova batalha eleitoral num ambiente de reforçada confiança no projecto da CDU e na obra realizada e provas dadas pelos eleitos da CDU.
Uma batalha que os resultados recentes das eleições legislativas permitem encarar ainda com mais confiança, alargando a nossa influência e confirmando a CDU como uma grande força autárquica que queremos reforçar em todo o país.

Somos uma força, como é reconhecido por várias camadas da população dos mais diversos quadrantes políticos, que tem estado à frente do que de mais importante se tem realizado e nos mais diversos domínios da intervenção autárquica.

Uma força que tem levantado também a bandeira do desenvolvimento do Alentejo.

Uma força que não que não desarma, nem baixará os braços na exigência da concretização de um projecto integrado de desenvolvimento regional, que reclama e não abdica de lutar pela concretização das mais genuínas aspirações das populações e da defesa da melhoria da qualidade das suas vidas.

Num momento em que o Governo se prepara para impor novos e mais gravosos sacrifícios aos trabalhadores e aos reformados, o reforço da CDU nas autarquias é a maior garantia para as populações de ali terem sempre uma voz amiga e uma força que estará consigo na luta comum na defesa dos interesses das populações.

Quem nos conhece sabe que pode contar connosco, tanto nas horas boas, como nas horas más, tanto nas pequenas como nas grandes lutas.

Reforçar a CDU é sempre um importante contributo para, afirmando a força mais consequente da esquerda portuguesa, dar um novo alento à luta por uma verdadeira política alternativa e melhor conter as ofensivas venham donde vierem contra os interesses dos trabalhadores e do povo.

Por isso é da máxima importância que todos os camaradas e todos os amigos possam dar a sua contribuição para que, em Outubro, a CDU tenha um bom resultado, que o mesmo é dizer, um bom resultado para as populações e para os trabalhadores, para os seus interesses e aspirações e para Portugal.