Reunião em Lisboa de partidos de esquerda da Europa
Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-geral do PCP
7 de Fevereiro de 2004

 

Permitam-me algumas palavras nesta reunião de trabalho para vos saudar, agradecer a vossa presença em resposta ao convite que vos foi formulado e desejar que este nosso encontro contribua para a concretização de grandes linhas na nossa cooperação no terreno da campanha para o Parlamento Europeu e de um “Apelo Eleitoral” tendo em conta a nossa luta comum e a experiência positiva do Grupo da Esquerda Unitária /Verde Nórdica, as posições diferenciadas e as especificidades de cada um dos nosso países.

Um “Apelo” de forças políticas, que têm provas dadas, que honram os seus compromissos, que se batem por uma União Europeia mais democrática, de pleno emprego, de igualdade de direitos na lei e na prática entre homens e mulheres, de respeito e de diálogo pelas diversas culturas, de dimensão ambiental, de “coesão económica e social” e de paz.

A ofensiva neoliberal, o desmantelamento do chamado Estado providência, a liquidação de direitos dos trabalhadores, a desregulamentação, a privatização das funções sociais do Estado e a submissão aos dogmas do Pacto de Estabilidade e do Banco Central Europeu têm-se traduzido na recessão, no aumento do desemprego, da desprotecção social e numa escandalosa e obscena concentração da riqueza, caldo de cultura onde se alimentam os racismos, as xenofobias, os populismos e os nacionalismos.

Um novo rumo para a União Europeia é uma necessidade urgente, o que passa pelo reforço da influência social, política e eleitoral das forças de esquerda consequentes, da sua cooperação e da articulação e convergência entre a luta sindical os movimentos sociais, a luta de massas e a luta institucional, a luta no território nacional e internacional.

A luta pela paz contra a invasão do Iraque foi um bom exemplo dessa cooperação e articulação. E, se é verdade que não foi possível impedir a guerra, também não é menos verdade que Bush, Tony Blair ou Berlusconni, estão hoje mais isolados e desacreditados e que é cada vez mais evidente para um número cada vez maior de cidadãos, que o verdadeiro móbil da guerra não foi nem o combate ao terrorismo, nem as armas de destruição maciça, nem o ditador Saddam Hussein, mas sim o petróleo e o controlo estratégico da região. E esta é uma questão que devemos manter na ordem do dia. A devastação de um país, a desorganização da vida de milhões de seres humanos, as mortes e os estropiados não podem ficar impunes.

Aqui em Portugal o governo de direita, um governo reaccionário, comprometeu Portugal nesta guerra e tem levado à prática uma política de regressão social sendo o principal responsável pela grave situação económica e financeira em que o país se encontra.

Servindo-se do pretexto das dificuldades orçamentais e das imposições do Pacto de Estabilidade o Governo português lançou uma ofensiva sem precedentes em relação ao direito laboral, à segurança social, à saúde, às funções sociais do Estado num descabelado ajuste de contas com o 25 de Abril.

Apelida de reformas o que são contra-reformas. Continua a criminalizar as mulheres pela prática de aborto, sendo esta posição ainda mais chocante quando está a decorrer um vergonhoso julgamento em Aveiro, que tem merecido de muitos deputados no Parlamento Europeu um veemente repúdio, e quando já está agendado para 13 de Março um novo projecto de lei do PCP sobre a interrupção voluntária da gravidez!

Prossegue também uma política de concentração da riqueza, com benefícios fiscais de milhões de euros às actividades financeiras e especulativas, enquanto aperta o cinto aos trabalhadores da Administração Pública, que mais uma vez vão ter uma diminuição dos salários reais, bem como aos reformados e aos assalariados em geral.

Esta política reduz o mercado interno e repercute-se negativamente no pequeno comércio e nas actividades produtivas alimentando o ciclo da recessão e da diminuição das receitas do Estado fazendo novas pressões sobre o défice orçamental. Em vez de se aumentar reduz-se o investimento público para compensar a quebra substancial do investimento privado. As consequências estão à vista: prolongamento da recessão, desindustrialização, substituição da produção nacional pela estrangeira. Mesmo nas previsões do governo, Portugal vai continuar a afastar-se da média do desenvolvimento europeu até 2007!

No plano social temos o agravamento das situações de pobreza, a diminuição do nível de vida de milhares de famílias, o crescente aumento do desemprego atingindo designadamente a juventude e as mulheres, mostrando à evidência o fracasso desta política.

Pela nossa parte não temos cruzado os braços. Temos mostrado através de propostas e medidas concretas que há outros caminhos e temos combatido nas instituições e fora delas esta política e este governo tudo fazendo para lhe pôr fim o mais depressa possível.

A luta de massas tem travado e derrotado alguns dos intentos do Governo que está hoje desacreditado. Mas é necessário dar um novo impulso nesta direcção para que se consume a sua derrota.

Também, no plano internacional e da União Europeia, este governo de subserviência tem vindo a comprometer o país com as posições mais retrógradas e belicistas, como é o caso da guerra do Iraque. É aliás significativo que, tendo o nosso Grupo Parlamentar exigido esta semana um debate de urgência sobre as armas de destruição maciça, que Durão Barroso disse, peremptoriamente, existirem no Iraque, a maioria de direita e extrema direita, na Assembleia da República, perante o embaraço das mentiras do Primeiro-ministro, queira escandalosamente fugir a este debate. Diz pela voz do presidente do Grupo Parlamentar do PSD que, “quem não deve não teme”, mas depois quer recusar-se a agendar tal debate o que mostra que de facto há quem deva e quem tema.

Do mesmo modo as posições que este governo tem tido quer em relação ao congelado projecto de novo Tratado, dito «Constituição Europeia» em que valorizava a proposta de Convenção; a sua posição em relação a um eventual “Referendo” sobre esta matéria; a sua posição quanto aos desenvolvimentos da chamada “Estratégia de Lisboa” dando novos passos na fragilização dos centros de decisão nacionais sobre serviços e sectores de importância estratégica para o País, bem como a postura cega e de submissa aceitação do moribundo «Pacto de Estabilidade», não auguram nada de bom tanto em relação à negociação do futuro Quadro Comunitário de Apoio, como à revisão do Pacto de Estabilidade.

Nós continuamos a afirmar a necessidade de substituir o actual Pacto de Estabilidade e Crescimento por um outro instrumento de coordenação das políticas monetária e orçamental que abandone o critério de um valor fixo do défice anual e tenha em conta os níveis de desenvolvimento, as necessidades de investimento de cada Estado membro.

Não os quero maçar mais com a nossa situação.

Sabemos que face ao actual projecto de União Europeia, às medidas antisociais, ao desemprego, à precarização do trabalho e à situação económica de milhões de cidadãos na União Europeia, a tendência para um crescente desinteresse e abstenção dos eleitorados nas próximas eleições para o Parlamento Europeu será uma realidade.

É necessário mobilizar o eleitorado de esquerda pois o que está em jogo não é coisa pouca para o futuro dos nossos povos e países e para o futuro da Europa e do mundo. Portugal e a União Europeia não estão condenados a esta política. Uma outra Europa e um outro mundo são possíveis e necessários.

Pela nossa parte vamos desenvolver esforços nesse sentido, chamando a atenção dos portugueses e das portuguesas que a melhor maneira de mostrarem o seu repúdio em relação às políticas neoliberais da União Europeia e às políticas retrógradas, erradas e injustas deste Governo, não é pela abstenção, mas sim pelo voto, premiando e dando mais força aqueles que se distinguem por cumprirem as suas promessas, pela sua coerência, pela sua intervenção empenhada em defesa das justas reivindicações dos trabalhadores e dos povos, por lutarem pela transformação social, por um Portugal de progresso e justiça numa Europa de paz de pleno emprego e de coesão económica e social. A nossa cooperação no respeito por todas as posições e esta reunião aqui em Lisboa, inserem-se nestes grandes desígnios pelo que a todos desejamos bom trabalho.