Comício
«PCP - um partido com causas e convicções
- uma força com futuro!»

Intervenção de Carlos Carvalhas,
Secretário-geral do PCP

Almada, 19 de Abril de 2002



Durante a campanha eleitoral afirmámos muitas vezes que era necessário uma mudança, mas uma mudança para melhor.

Hoje com o novo Governo e depois da apresentação do seu programa na Assembleia da República, fica mais claro para muitos portugueses que a política anunciada não dá reposta aos problemas do país e desenha um conjunto de graves ameaças aos direitos e avanços duramente conquistados pelo povo português.

O governo da direita está a empolar e a dramatizar o défice das contas públicas com três grandes objectivos:
1) anestesiar a opinião pública para o aperto do cinto aos trabalhadores e à população em geral;
2) justificar o não cumprimento de promessas eleitoralistas;
3) chegar ao fim do ano e poder dizer que fez uma grande recuperação em relação ao défice estimado.

Na verdade o Governo começa a levantar o véu do que pretende. E não é de pequena monta: quer alterar a legislação laboral para, como é evidente, reduzir ainda mais os direitos dos trabalhadores e designadamente os das novas gerações de trabalhadores; quer mais flexibilização, quer desregulamentar os horários de trabalho, com todos os reflexos que essa medida tem para a vida familiar dos trabalhadores, quer facilitar os despedimentos, quer reduzir os salários reais dos trabalhadores da Administração Pública e por arrastamento os do sector privado. Mas vai mais longe. Em vez do aumento das reformas, tal como prometeram, o que se vê no "Programa" é a satisfação da gula das seguradoras privadas, privatizando as partes mais rentáveis da Segurança Social e entregando milhões à sua gula colocando em sério risco a sustentabilidade do sistema.

É uma ofensiva que procura apoderar-se de milhões que foram acumulados com os descontos de gerações de trabalhadores. Vai ser necessário dar combate a esta séria ameaça que visa criar uma segurança social assistencial para os menores rendimentos e entregar à segurança privada a parte lucrativa. É necessário derrotar esta concepção.

Mas não é só na Segurança Social, a mesma lógica atinge a educação e a saúde, pretendendo-se também aqui fazer da saúde dos portugueses um chorudo negócio, deixando o Serviço Nacional de Saúde de terceira classe para os pobrezinhos!

É a tentativa de levar à prática o velho princípio neoliberal de que quem quiser bons cuidados de saúde que os pague.

Na campanha eleitoral o PSD prometeu também reduzir os impostos. Agora o que temos é o anúncio do aumento do IVA, que além do mais é um imposto injusto, pois atinge da mesma maneira tanto o multimilionário, como o que ganha o salário mínimo.

O argumento do Governo assenta no seguinte: há um défice elevado e para o reduzir é preciso também aumentar as receitas. É por isso que vamos aumentar o IVA e depois acrescenta "nenhum governo gosta de tomar medidas pouco simpáticas mas é necessário", isto é um sofisma. E é um sofisma porque o Governo escolhe o IVA mas não escolhe ir buscar receitas à banca que paga de taxa efectiva de IRC 12%. Não toca nos benefícios fiscais que são de algumas centenas de milhões, mantém o regime fiscal de off shore da Madeira e abandona de vez a tributação das mais valias bolsistas.

O imposto que aumenta o IVA é um imposto socialmente injusto e negativo para a competitividade da economia.

Nós não negamos que há um desequilíbrio das contas públicas. Sempre o afirmámos e demonstrámos. Mas o que também afirmamos é que o Governo está a empolar e dramatizar para fazer avançar a sua política ao serviço dos grandes interesses que inclusivé estão representados no seu Governo. O défice deve ser contido dentro de limites razoáveis. E como sempre dissemos para o reduzir há que intervir no corte de despesas desnecessárias, mas não no corte das despesas sociais tendo até em conta que estas são em relação à média das pensões da União Europeia muito baixas e tendo também em conta que o nível da nossa despesa geral pública (primário) é inferior à média da zona Euro.

Quanto às receitas sempre dissemos que era necessário aprofundar a tributação da banca e das seguradoras e avançar com a reforma fiscal sobre o património criando um imposto sobre as grandes fortunas.

Mas veja-se a opção deste governo: acaba de vez com a tributação das mais valias bolsistas, manda às urtigas as promessas de tributar e controlar os rendimentos que se esfumam no off shore da Madeira, mantém os benefícios fiscais às operações financeiras e a única medida que tira da cartola é o aumento do IVA. Mais claro não se poderia ser.

O Programa do Governo da direita tem, como não podia deixar de ser, uma clara opção de classe. Não dá resposta aos problemas do país, vai continuar e acentuar as políticas neoliberais do PS, acentuar as desigualdades e vai agravar sobretudo a vida de quem vive do trabalho.

O nosso Partido combaterá com determinação e firmeza os principais eixos desta política, correspondendo a todos aqueles que em nós confiaram e servindo também todos os cidadãos que independentemente do seu voto vão ser agredidos por esta política. Creio que vós estais de acordo com esta nossa postura.

Entre as muitas e insistentes acusações que quase diariamente são despejadas sobre o nosso Partido com o ostensivo propósito de denegrir a sua imagem e criar anticorpos e desconfianças em relação à sua acção, à sua mensagem e ao seu projecto, há uma que justifica hoje uma resposta directa e frontal.

Referimo-nos à ideia mil vezes repetida e mil vezes falsa de que no nosso Partido não se tolerariam opiniões divergentes, de que no nosso Partido ter opiniões divergentes seria considerado um "delito de opinião" susceptível de ser castigado e sancionado e que, em consequência, o PCP seria um partido onde não há o direito à expressão livre e democrática de opinião.

Em primeiro lugar, queremos reafirmar que no nosso Partido vemos as diferenças de opinião e as reflexões diferenciadas não apenas como uma circunstância normal face à complexidade dos problemas e desafios que enfrentamos mas também como um factor de enriquecimento da reflexão colectiva e um estímulo para um maior acerto das orientações e decisões.

A diferença de opiniões, o confronto de pontos de vista com respeito mútuo, as críticas à direcção, a crítica e autocrítica, são naturais e necessárias ao acerto de posições, no quadro do normal funcionamento do Partido e não na praça pública, filtrados pelos critérios dos media a que só alguns têm acesso. E como é também sabido cada militante não tem a sua opinião somente confinada à sua célula, ou à sua organização, pois é cada vez mais frequente a realização de plenários e de encontros nacionais, onde se encontram militantes de diversas organizações e muitas vezes de toda uma região e até do país.

Em segundo lugar, com plena consciência das nossas deficiências orgânicas e de condicionantes objectivas e subjectivas que cumpre trabalhar audaciosamente para atenuar ou superar, queremos salientar que não conhecemos em Portugal nenhum partido onde os seus militantes tenham assegurados maiores espaços de participação, de intervenção e de expressão da sua opinião, onde as estruturas de direcção mais procuram acolher e integrar as suas opiniões e prestar contas das orientações definidas e decisões tomadas e onde o envolvimento dos militantes na construção da orientação do Partido seja maior.

Em terceiro lugar, a verdade é que esta imagem que nos querem colar de um partido intolerante, incapaz de conviver com opiniões diferentes e disposto a sancionar toda e qualquer diferença de opinião não resiste à mais elementar prova dos factos. Com efeito, ninguém pode negar, por exemplo, que a membros do Partido que, na tribuna do nosso último Congresso, legitimamente expressaram as suas divergências com as orientações propostas, continuaram a ser confiadas altas responsabilidades tendo mesmo sido investidos em destacadas posições em diversas candidaturas eleitorais. Nem houve a alegada "sanha persecutória" nem a alegada "torrente sancionatória" nem as alegadas "purgas" e "expulsões" dezenas de vezes anunciadas.

Em quarto lugar, a verdade que está à vista é que há quem invoque o direito à liberdade de expressão mas apenas como biombo para proteger e encobrir atitudes, comportamentos, acções e iniciativas concertadas que calcam ostensivamente as mais elementares regras de convivência, lealdade, solidariedade e fraternidade dentro do Partido de que, por decisão voluntária, fazemos parte, que violam as mais naturais e normais regras de funcionamento que, ao contrário do que se julga, não existem apenas no PCP mas em todos os partidos e em alguns com características bem mais rígidas do que no PCP e atitudes, comportamentos e iniciativas que, a manterem-se ou a generalizarem-se, instituiriam um chocante sistema de direitos e deveres desiguais entre os militantes e conduziriam certamente à desagregação do nosso Partido para grande felicidade e alegria das forças e interesses que sabem perfeitamente que o PCP é o grande obstáculo aos seus planos antisociais e às suas políticas retrógradas.

Em quinto lugar, importa salientar que não se pode confundir direito de opinião, que na vida partidária está assegurado e é firmemente respeitado, com campanhas visivelmente planeadas de deturpações e o uso de métodos e a adopção de atitudes que alguns membros do Partido consideram ter o direito de fazer a outros mas que certamente, no passado ou no presente, não admitiriam que outros membros do Partido lhes fizessem a eles, designadamente se revestissem a forma de uma sistemática e agressiva contestação pública à sua acção no quadro das responsabilidades partidárias que já tiveram ou têm.

Reafirmamos o nosso vivo apelo a todos os membros do Partido para que insiram a contribuição da sua opinião e da sua reflexão no quadro normal da vida democrática interna do Partido, para que expondo e exprimindo com vivacidade, convicção e até paixão as suas opiniões se sintam ao mesmo tempo individualmente responsáveis pela garantia de um clima de respeito mútuo e de debate sério de ideias que evite o agravamento de tensões emocionais e de crispações e que, com inteiro respeito por opiniões diferenciadas, favoreça a escolha das melhores soluções e o fortalecimento dos laços de compreensão recíproca, de trabalho solidário e de intervenção no colectivo partidário.

Isso é tanto mais necessário não apenas porque, na nova situação política e diante dos perigos e ameaças que ela perfila, o nosso Partido é chamado a honrar as suas responsabilidades para com os trabalhadores, para com o povo e para com a democracia portuguesa mas também porque temos diante de nós, entre muitas outras tarefas, a preparação e a realização da Conferência Nacional sobre o novo quadro político e tarefas para o reforço da intervenção e influência do Partido, que alguns procuram desvalorizar e amesquinhar, mas que constitui, de facto, uma iniciativa de enorme importância no actual momento da vida do partido, um espaço e um processo de debate democrático interno com condições para corresponder a muitas inquietações e preocupações dos membros do Partido e para o apuramento final de reflexões e linhas de trabalho capazes de responder aos exigentes desafios que nos estão colocados.

Mais uma vez, com traços de ódio e requintes de mesquinhez, ressoam em muitos "comentadores encantados" as sentenças de "declínio irreversível" e de "morte iminente" do nosso Partido. Mais uma vez, enfrentamos vagas de calúnias, deturpações, falsificações sobre o que somos, o que fazemos e o que queremos. Mais uma vez, acontece esta coisa espantosa e decerto significativa que são milhares de palavras escritas e ditas à volta de caricaturas e imagens falsas do Partido e muito poucas palavras a exprimir divergências reais ou oposição claramente assumida ao nosso património de trabalho, às nossas propostas concretas, ao que defendemos para responder a urgentes preocupações dos portugueses e a instantes problemas do país, ao papel que concretamente desempenhamos em tantas lutas e em tantas causas.

Os comunistas portugueses querem estar conscientes dos problemas e dificuldades que enfrentam com a abertura para a vida e para as suas exigências, querem reforçar o seu empenho individual e colectivo em encontrar os melhores rumos e caminhos para a acção do seu Partido mas é bom que se saiba também que os comunistas portugueses não estão dispostos a render-se aos que gostariam de ter o caminho completamente livre para as suas políticas de injustiça e retrocesso, não vão abdicar das suas convicções e das causas que deram e dão sentido aos seus generosos compromissos de consciência e de vida e à história do PCP. Os comunistas portugueses vão reflectir, unir, trabalhar e lutar para garantir que o PCP vencerá as presentes dificuldades e retomará um caminho de recuperação de influência e confiante afirmação dos seus valores e propostas, para garantir que o PCP é uma força com futuro ao serviço do povo e do país!

Certamente que estais de acordo que daqui faça também um apelo para que os comunistas participem nas diversas iniciativas do 25 de Abril e do 1.º de Maio. Comemorações que assumem uma grande importância no actual quadro político e que deverão constituir também, uma grande afirmação de determinação no combate por direitos e aspirações legítimas dos trabalhadores e do povo, pelo progresso e a justiça social.

E sendo as iniciativas do 1.º de Maio convocadas e organizadas pela CGTP-IN permitam-me que daqui saúde a grande Central Sindical dos Trabalhadores Portugueses e pelo seu intermédio, a luta de todos os trabalhadores.

É nosso dever continuar a prestar a nossa activa solidariedade ao povo palestiniano. É necessário parar com a agressão e ocupação israelita e com a humilhação da Autoridade Palestiniana, que se tem vindo a desenvolver com a cumplicidade dos EUA, que ainda agora revelou o seu cinismo no Conselho de Segurança ao opor-se que a ONU faça um inquérito ao que se passou no campo de refugiados em Jenine! Uma paz justa e duradoura no Médio Oriente só será possível com o respeito e a garantia dos direitos nacionais do povo palestiniano, com a aplicação das Resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

É necessário que os trabalhadores, a juventude e todos os defensores da paz prossigam o movimento de solidariedade com o povo palestiniano e também com as forças da paz que em Israel levantam com coragem a sua voz para que seja posto fim à intolerável escalada de agressão criminosa do governo de Sharon. Também nas instituições o PCP tem tomado a iniciativa, já apresentou uma proposta para um debate de urgência na Assembleia da República e vai estar presente em Bruxelas também, no próximo dia 30, participando numa iniciativa do Grupo Unitário da Esquerda Verde Nórdica, com vista a criar uma dinâmica de solidariedade internacional de solidariedade com o povo da Palestina.

No plano internacional é também significativo os acontecimentos que se verificaram recentemente na Venezuela em que o grande capital venezuelano, as multinacionais e uma central de trabalhadores burocrática, corrompida e financiada pelo patronato juntamente com a intervenção prestimosa da CIA, procuraram aproveitar-se da difícil situação económica e social resultante de dezenas de anos de regimes oligárquicos e corruptos e sempre submetidos ao imperialismo norte americano para numa tentativa de golpe procurarem liquidar as conquistas alcançadas pelo povo com o novo governo de Hugo Chavez e nomeadamente deitar a mão ao controlo da exploração do petróleo. A Venezuela é um dos principais fornecedores de petróleo aos EUA e tem naturalmente defendido preços mais justos para as suas riquezas naturais, tem por isso e não só, o ódio do Sr. Bush e da oligarquia americana.

Ficou também claro neste caso que para Bush e para a União Europeia interessa pouco como os povos escolhem os seus líderes.

Se os golpes e as "pinochetadas" servem os seus interesses, há a compreensão democrática, se em eleições livres os povos escolhem quem não serve os seus interesses, os escolhidos são sempre candidatos a ditadores ou ditadores por ordem dos media e de quem neles manda! A posição da União Europeia foi também neste caso uma vergonha, uma posição de total seguidismo às posições e à batuta da administração Bush, mostrando que o respeito pelos resultados eleitorais e a democracia tem como limites os seus interesses imperiais e de classe.

Permitam-me também que daqui saúde o povo de Timor e o seu presidente eleito Xanana Gusmão e que sublinhe o grande significado e importância dos recentes acordos de paz alcançados em Angola, saudando o MPLA e o povo angolano.

Nos próximos tempos temos de conciliar iniciativa política e acção, com a reflexão, debate e apuramento de medidas e caminhos que reforcem o nosso Partido e a sua intervenção na sociedade portuguesa, como partido de luta e partido de projecto, isto é, como partido empenhado em animar a resistência e em organizar a luta contra o que está mal, empenhado em ganhar novos apoios para as suas propostas alternativas e construtivas. E teremos de continuar a trabalhar para a afirmação do nosso Partido, necessário e imprescindível à democracia e ao povo português, um Partido que abraça as causas mais generosas que não vira a cara às dificuldades, que estará sempre com os trabalhadores e com Portugal, o Partido Comunista Português.

Viva o PCP!